Expansão da geração trava ampliação do ML
Maurício Corrêa, de Brasília —
Vira prá lá, vira prá cá, sacode prá lá, sacode prá cá, o fato concreto é que o mercado livre de energia elétrica não consegue encontrar uma resposta para uma questão fundamental que trava a sua ampliação: com uma eventual abertura para o ML, como fica a expansão da geração?
Isto ficou mais uma vez muito claro, nesta quarta-feira, 09 de novembro, durante as discussões que permearam um seminário promovido, na Câmara dos Deputados, pela Frente Parlamentar Mista em Defesa das Energias Renováveis, Eficiência Energética e Portabilidade da Conta de Luz.
Até o Governo anterior, o que existia era uma enorme vontade, por parte de muitos agentes (principalmente os comercializadores) de ampliar o mercado livre, mas, da mesma forma, encontrava-se uma imensa falta de vontade, por parte do Governo, em caminhar nessa direção, pois naquele Governo nunca se escondeu que havia forte resistência e desconfiança em relação aos mercados.
A situação mudou na era Temer. E, de modo geral, de forma positiva. Afinal, a equipe técnica que hoje comanda o Ministério de Minas e Energia está ideologicamente identificada com os mercados. Não existem mais restrições de natureza ideológica quanto à expansão do mercado livre. A dificuldade da qual ninguém consegue desviar é uma perguntinha simples: como fazê-lo? Dentro do MME, hoje, existe muita gente favorável à expansão do ML, mas que tem receio de arrumar uma ponta e desarrumar outra, eliminando o equilíbrio precário em que se sustenta o setor elétrico.
No modelo atual do setor elétrico, a expansão se concentra no mercado regulado, que se caracteriza pela ocorrência de leilões. Nesse modelo, o BNDES é o agente financiador, mas a sua operação financeira, que tem um viés conservador, só se interessa por contratos de longo prazo (30/35 anos), para que os recebíveis sejam oferecidos como garantia ao banco.
E o que o mercado livre pode oferecer em contrapartida dentro da ótica rígida desse modelo construído na época da então ministra Dilma Rousseff na Pasta de Minas e Energia e que foi continuamente engessado na gestão da ex-ministra como presidente da República?
Hoje, muito pouco, pois os consumidores livres não têm vocação para assinar contratos de longo prazo, como no mercado regulado, devido às incertezas existentes nos seus próprios negócios ao longo do tempo. Essas dúvidas contaminam o eventual financiamento de longo prazo.
Por essa razão, atualmente apenas grandes conglomerados industriais ou de energia elétrica, que estão em condições de oferecer garantias corporativas, estão em condições de operar com o BNDES. Afinal, empresas de menor porte só estariam em condições para trabalhar com recursos próprios nos projetos de geração, o que é praticamente impossível devido à quantidade de zeros que existem em qualquer projeto de energia elétrica. Essas empresas não dispõem de estrutura para bancar projetos desse tipo com capital próprio.
Na visão da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), seria fundamental encontrar uma saída, até porque existiria um potencial superior a 4 gigawatts que poderiam ser destinados ao ACL. São usinas que possuem outorgas, mas que ainda não estão comprometidas com contratos de longo prazo. A associação tem uma proposta antiga de formação de um pool de comercializadores para operar um projeto-piloto junto ao BNDES, mas isso também não sai do papel.
No seminário da Câmara dos Deputados, o presidente executivo da Abraceel, Reginaldo Medeiros, mostrou que o Brasil está ficando para trás em relação à portabilidade das contas de luz (uma situação que levaria qualquer consumidor a trocar de fornecedor de energia elétrica a qualquer momento, da mesma forma como acontece nas telecomunicações, com consumidores de linhas celulares) , o que, em outras palavras, significa expansão do mercado livre.
No País, hoje, 27,4% do consumo de energia (16,2 MWm) estão dentro do mercado livre, mas isto não representa muita coisa quando se compara a situação do Brasil com a de outros países. Na Colômbia e El Salvador, por exemplo, todos os consumidores são livres para escolher o supridor de energia elétrica.
“Por que alguns países abriram seus mercados?”, perguntou Reginaldo, que encontrou na filosofia regulatória uma resposta imediata: “Porque os governos e os reguladores optaram pela competição”. No seu entendimento, não se justifica a enorme resistência que existe no Brasil quanto à eventual ampliação do ML.
“Temos muita reação no Brasil a um modelo que faz sucesso no mundo inteiro, que avançou nessa direção. Segundo uma pesquisa que a Abraceel contratou junto ao Ibope, 73% dos brasileiros querem escolher os fornecedores da energia”, disse.
No Congresso, dois projetos estabelecem cronogramas de abertura do mercado brasileiro de energia elétrica: o PL 1917, da Câmara dos Deputados, e o PLS 232, do Senado Federal. Para o presidente da Abraceel, o País deveria aprofundar as discussões para alterar radicalmente o modelo e aumentar a participação do ML. A vontade política, entretanto, esbarra nas restrições técnicas da expansão da geração.
A vice-presidente da CCEE, Solange David, entende que existe uma falta de visão quanto à eficiência do mercado livre, o que estaria na raiz da briga entre os defensores e adversários do ML.
Enquanto o mercado regulado sustenta a expansão, Solange David enxerga pequenas atitudes que já levam à migração de muitos consumidores do ACR para o ACL, principalmente porque os grandes consumidores estão interessadíssimos em diminuir os custos das suas contas de luz. No final de outubro, por exemplo, a CCEE alcançou o recorde absoluto de contar com 5.100 agentes no seu quadro.
“Há um grande potencial de expansão. Mas temos que definir uma estrutura. É um avanço que precisará ser estruturado. Inclusive os consumidores precisarão também conhecer as obrigações existentes no mercado livre”, afirmou.