Consumidor leva pancada de R$ 1,14 bi com térmicas
Uma comunicação inadequada do Governo com os agentes (principalmente os consumidores) deixou meio camuflada uma situação que é conhecida apenas pelos iniciados. Afinal, no dia 1º de junho deste ano, quando realizou a 169ª reunião mensal do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), deliberou-se pelo desligamento das térmicas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste que estavam operando segundo o critério denominado Garantia Energética (GE).
Contudo, especialistas do setor elétrico observaram que, no dia 27 de agosto, poucas semanas depois da decisão otimista do CMSE, o ONS voltou a operar algumas usinas térmicas, porém mediante outro critério, denominado Geração Fora da Ordem de Mérito (GFOM). No período de 24 de setembro a 13 de novembro, a geração fora da ordem de mérito totalizou quase 1.300 MWmédios de energia, beneficiando várias térmicas da Petrobras. Essa operação está causando um gasto adicional bastante significativo para os consumidores.
Esse tipo de situação, na realidade, não tem origem no atual Governo e, sim, na gestão anterior, quando as autoridades do setor elétrico não souberam monitorar corretamente o sistema, principalmente a construção de linhas de transmissão. O que acontece agora é basicamente uma dificuldade para abastecer o Nordeste, que está passando por uma situação aflitiva em termos de suprimento, sendo necessário recorrer às térmicas.
No período, a GFOM alcançou oito usinas térmicas de propriedade da Petrobras: Governador Leonel Brizola, localizada em Duque de Caxias (RJ); Luiz Carlos Prestes, situada em Três Lagoas, MS; Euzébio Rocha, em Cubatão (SP); Juiz de Fora, na cidade mineira do mesmo nome; Aureliano Chaves, em Ibirité, região metropolitana de Belo Horizonte; Fernando Gasparian, em São Paulo (SP); Barbosa Lima Sobrinho, em Seropédica, estado do Rio de Janeiro; e UTE Mário Lago, na cidade fluminense de Macaé. Já a geração térmica por GE nas regiões Norte e Nordeste se manteve na faixa de 1.200 MWmédios, com um custo médio de 365 R$/MWh.
O cálculo do rombo para os consumidores é relativamente simples. No total são 1.291 MWmédios de geração térmica por GFOM multiplicados por 744, que é o total de horas do mês, e depois por 296,00 R$/MWh, que é um valor médio do custo das térmicas que vem sendo acionadas. O resultado é R$ 282 milhões. Seguindo a mesma linha, chega-se ao montante referente a GE: 1.200 x 365 x 744 = R$ 324 milhões. Além disso, o mercado já está operando a chamada bandeira amarela.
Então, multiplica-se o valor dessa bandeira (15,00 R$/MWh) pelos mesmos 744, depois pela carga do sistema elétrico (em torno de 64.000 MW) e depois por 75% (pois se desconta aí a parcela ocupada pelo mercado livre de energia). Isso dá R$ 536 milhões. Somando as três parcelas citadas, encontra-se o montante de R$ 1,14 bilhão mensais, o que é uma bela pancada nas contas dos consumidores. Essa gasto adicional com térmicas se transforma em algo chamado Encargo de Serviços de Sistema (ESS), que vai para a conta dos consumidores.
Já em 2013, numa tentativa de minorar esses efeitos nefastos do ESS, a Comissão Permanente Para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico (CPAMP) incorporou nos modelos um critério de risco chamado CVaR (Conditioned Value at Risk). Porém, mesmo com a incorporação do CVaR nos modelos, os despachos fora da ordem de mérito persistiram e não foram esporádicos (2014, 2015 e 2016).
Em 2016, por exemplo, havia térmicas acionadas até o Custo de Valor Unitário (CVU) de R$ 600/MWh em janeiro, até R$ 420/MWh em fevereiro, até R$ 250/MWh em março, até R$ 211/MWh em abril e R$ 150/MWh em maio e junho.
No final da semana passada, quando divulgou com otimismo o Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) válido para a terceira semana de novembro, com um preço médio de 231,48 R$/MWh, a CCEE praticamente comemorou que o valor era 3% inferior ao da semana passada. Nas empresas, entretanto, chamou mais a atenção o fato que a carga ficou 1.200 MW médios abaixo do previsto para o período, em conseqüência da brutal recessão econômica que atinge o País.
No mercado, porém, faz-se uma outra conta: o PLD estaria sendo artificialmente mantido nesse preço, pois deveria estar valendo em torno de 296,00 R$/MWh. E, caso o CVaR estivesse devidamente calibrado hoje, o PLD deveria estar em aproximadamente 431,00 R$/MWh, que seria um valor coerente dado o montante de geração térmica por GE (Nordeste e Norte) e por GFOM praticados. Ora, o cronograma dessas correções para resolver o principal problema do setor elétrico ficou para maio de 2017 quando tais alterações já deveriam estar realizadas desde, no mínimo, janeiro de 2016.
Na situação de hoje, em que o PLD não expressa o valor real, o principal prejudicado obviamente é o consumidor cativo, aquele que compulsoriamente tem que comprar energia elétrica de determinada distribuidora. Isso se explica porque com um valor de PLD mais alto, que espelhe corretamente a realidade, as sobras de energia elétrica das distribuidoras são liquidadas no mercado com base no valor do PLD. E isso acaba revertendo para os consumidores na tarifa. Também perdem os geradores, pois recebem menos pela energia que estão produzindo.
Como os mercados se caracterizam pelos que perdem e pelos que ganham, este lado, no caso, é representado por duas minorias: os agentes de geração, que estão com as obras em atraso, pois elas têm que comprar energia no mercado, no valor do PLD do momento e, se ele está mais baixo, elas ganham nessa operação. No lado ganhador também se situam os agentes que por alguma razão estão expostos no mercado, principalmente aqueles que venderam um volume de energia superior à que têm capacidade para entregar.
Essa confusão estaria ocorrendo porque o modelo do setor elétrico, baseado em fórmulas matemáticas complexas e programas de computador, está totalmente descalibrado. Vários especialistas que entendem muito do assunto até acreditam que o gasto de R$ 1,14 bilhão é necessário. O erro por parte das autoridades do setor elétrico estaria na forma de comunicar o fato à sociedade. Ou melhor, de não comunicar, como se uma pancada de R$ 1,14 bilhão fosse a coisa mais natural do mundo.
Entre alguns executivos do próprio setor elétrico, já surgiu inclusive a desconfiança que o ONS do Governo Temer é exatamente igual ao ONS do Governo Dilma, ou seja, faz o que quer, do jeito que quer e o consumidor que se dane.