Duendes, fadas, Papai Noel e a Enel
O novo apagão na região central de São Paulo, nesta quinta-feira à noite, 12 de setembro, estendendo-se pela sexta, é a suprema ironia das ironias. Talvez o mais indicado para os executivos da concessionária italiana Enel, que explora o serviço de distribuição na Capital paulista, seria alugar uma van e ir todo mundo, em bloco, a um centro de umbanda no Tatuapé, pedir um pouco de proteção aos Orixás.
O apagão ocorreu no mesmo dia, apenas algumas horas depois que a Enel, com toda pompa e circunstância, anunciou investimentos de R$ 20 bilhões nos seus negócios no Brasil, principalmente em São Paulo. Deu tudo errado.
Como explica a matéria produzida pela Agência Estado, divulgada sob contrato por este site, a região da Bela Vista ficou sem energia elétrica já na noite de quinta-feira e nesta sexta uma parte da área afetada ainda continuava nas trevas.
Oficialmente, o bairro se chama Bela Vista. Mas é mais conhecido pelo popular nome de Bixiga. É uma área de São Paulo que foi ocupada por famílias italianas e lá ainda existem algumas das mais tradicionais cantinas italianas da cidade.
Se o pessoal da Enel foi comemorar os investimentos da empresa no Bixiga, comendo as melhores massas do Brasil, com certeza ficou no escuro, o que deve ter sido uma tremenda vergonha. Os povos têm disso. Brasileiro vai em Paris e quer comer uma feijoada. Texanos vêm ao Brasil e querem conhecer o nosso churrasco. É falta de imaginação, mas nada impede que italianos queiram comer massas em São Paulo.
Depois de uma misteriosa reunião na Itália, com a diretoria da Enel, que contou com a presença do próprio presidente Lula (que, por sinal, não deveria estar naquela reunião, pois trata-se de assunto técnico da Aneel e do MME), o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, mudou radicalmente de opinião a respeito do tratamento a ser dado à Enel.
Antes, ele fazia jogo duro e defendia até mesmo o fim da concessão da empresa italiana, chegando a mandar uma carta à Aneel, pedindo ampla investigação sobre os serviços prestados pela Enel (que também está enrolada nas concessões do Rio de Janeiro e Ceará).
Nesta quinta-feira, enquanto participava do anúncio de investimentos da Enel no Brasil, Silveira estava paz e amor, mais suave com os italianos, vivendo uma espécie de lua de mel e, diplomático, falou que a Enel estava numa espécie de “estágio probatório”.
Ninguém sabe o que é isso, pois a figura jurídica não existe no modelo de concessões adotado pelo Brasil, mas é apenas emblemática das dificuldades que o governo brasileiro (fortemente pressionado pelo governo italiano, que é o dono da Enel) está gerenciando neste caso da Enel. Pressão de tudo quanto é lado e o pobre do Lulinha, coitado, totalmente perdido nas suas indefinições existenciais.
O governo do presidente Lula está cheio de dedos em relação à Enel, sem saber o que fazer. Se cassar a concessão da Enel, vai deixar furiosa a Sra. Giorgia Meloni, que governa a Itália. Além disso, internamente vai encher a bola do prefeito Ricardo Nunes, que pediu o fim da concessão várias vezes.
Nunes disputa uma difícil campanha à reeleição na qual um dos principais concorrentes é Guilherme Boulos, queridinho do presidente Lula. O presidente obviamente não quer colocar azeitona na empada de Nunes e prejudicar o seu candidato.
E assim vamos tocando a vida. Ninguém está aparentemente pensando no pobre coitado do consumidor de energia elétrica em São Paulo, que sofre todos os dias com as dificuldades operacionais da Enel.
O governo, em geral, e o ministro Alexandre Silveira, em particular, também fazem um jogo para a plateia, em que acreditam, mas não acreditam muito, que a Enel vai dar conta do recado.
E a Aneel, que poderia facilitar a vida das autoridades do Poder Executivo, simplesmente dizendo que a Enel não está em condições de tocar o serviço, fica na dela, também não faz nada, e deixa a história rolar como se não fosse com ela.
A concessão da Enel, em São Paulo, na visão deste editor, é uma história de omissões das autoridades do setor elétrico brasileiro, que fingem não ver a calamidade que é o trabalho da Enel na cidade mais rica do País e preferem acreditar em duendes, fadas e Papai Noel.
Pobre consumidor.