Evento na Bahia aprofunda discussão sobre novo modelo
Maurício Corrêa, Mata de São João (Bahia) —
O novo modelo do setor elétrico foi a tônica da reunião de abertura do 8º Encontro Anual do Mercado Livre, nesta quinta-feira, 24 de novembro, que se realiza no Tivoli Ecoresort, localizado na Mata de São João, cerca de 50 km de distância de Salvador. Pela primeira vez, o Ministério de Minas e Energia enviou um funcionário de alto coturno ao evento, na figura do próprio ministro interino, Paulo Pedrosa, secretário-executivo da Pasta, que é uma espécie de ideólogo do novo modelo.
Esse encontro, nas edições anteriores, discutiu questões muito relevantes para o mercado, mas sempre contando com a notável ausência de funcionários qualificados do MME. Era uma atitude coerente, pois, afinal, a gestão anterior da Pasta nunca escondeu a sua ojeriza a qualquer coisa que tivesse relação com a palavra “mercado”. Pedrosa — que tem uma visão quase sempre fundamentalista do mercado, mas que acredita com sinceridade que essa instituição resolve todos os males — não camuflou o que pensa e soltou o verbo.
O encontro, que mais uma vez tem enorme sucesso de público, é promovido pelo Grupo Canal Energia. Discursando na condição de ministro interino (o titular, Fernando Bezerra Coelho Filho, com quem Pedrosa compartilha todos esses conceitos, está em viagem oficial ao exterior, com objetivo de ajudar a atrair investimentos para a combalida infraestrutura nacional), afirmou que a sua geração, depois de enfrentar anos de intervencionismo estatal, chegou ao Poder e agora precisa mostrar serviço. “Chegamos ao Poder. E agora? Temos que trabalhar para assumir uma postura de responsabilidade”, delineando um novo projeto de País. “Estamos escolhendo o que queremos ser como País”, afirmou.
Para o ministro interino do MME, o momento é dramático e, nessa caminhada, haverá mortos e feridos. “Empresas vão perder dinheiro. Pessoas vão perder aposentadorias e qualidade de vida. O Governo vai perder receitas”, assinalou, frisando, que isso não pode ser motivo para impedir as reformas que o País, no seu entendimento, exige. Ele inclusive citou um encontro recente com o próprio presidente Michel Temer, quando foi dito que o déficit fiscal é parte expressiva do problema brasileiro atual, mas que “o nosso problema é um déficit de verdade”.
“Precisamos resgatar a verdade. A verdade sobre os subsídios no setor elétrico ou sobre o custo da energia”, disse, lembrando que foram contraídos pesados empréstimos bancários, para salvar concessionárias de distribuição, que na realidade escondiam o preço real da energia elétrica. Com esperança, frisou que “agora estamos ajustando o passado para construir o futuro”.
Para Paulo Pedrosa, o modelo anterior do setor elétrico era forte, mas, mesmo assim, ruiu. Ele destacou, entretanto, que esse modelo constituía o eixo de um projeto estratégico para o País e apenas ruiu “porque era ruim”. “O modelo anterior era intrinsecamente ineficiente, mas dava respostas. E nós temos que ser capazes de trazer respostas”. Na opinião de Pedrosa, que já foi diretor da Aneel na gestão do presidente Fernando Henrique e depois presidiu duas associações empresariais do setor elétrico — a Abraceel e a Abrace, a área de energia elétrica, nos últimos anos, passou por momentos de “delírio” e “pesadelo”, razão pela qual agora é necessário um esforço gigantesco de ajustamento.
Paulo Pedrosa entende que o Projeto de P&D Estratégico chega em um momento mais do que oportuno, mas que, antes da preocupação com um novo modelo, é fundamental que ocorra uma mudança cultural envolvendo os agentes de modo geral. Segundo ele, o mercado aplaude quando se busca um novo modelo, de cunho liberal, mas, quando os interesses corporativos são contrariados, “as empresas correm para o Congresso para buscar a salvação. O Congresso passa a ser o ambiente para se negociar a exceção”.
Há poucos dias, quando coube ao presidente Michel Temer sancionar a Lei 13.360, que derivou da Medida Provisória 735, sabe-se que Pedrosa insistiu o quanto pode para que fossem vetados itens da MP inseridos dentro do Congresso que contemplavam setores historicamente comprometidos com a ineficiência e as benesses do Governo, em detrimento dos valores ideológicos defendidos pela gestão atual do MME.
Em conversa reservada com amigos, ele disse que uma multinacional européia que produz equipamentos para a área de energia tentou pressionar o Governo para manter itens da 735 que a beneficiavam, sob o argumento que, se a lei fosse sancionada pelo presidente Temer da forma como foi, o grupo teria um prejuízo no Brasil da ordem de R$ 400 milhões. Implacável, Pedrosa ganhou a parada.
“Estamos vivendo um momento histórico”, destacou, frisando que, antes, o Governo não gostava do mercado e nem precisava dele. “Agora é diferente. Temos que trabalhar para que o mercado dê resultados. E vamos vencer esse desafio, pois a modicidade tarifária não virá pela mágica ou pela marretada do Governo”.
O presidente do Conselho de Administração da Abraceel, Oderval Duarte, em rápido discurso na abertura, afirmou que os tempos de excessivo intervencionismo estatal no setor elétrico parecem ter ficado para trás. “A coragem do Governo aos vetos da MP 735 significa um sinal claro do firme propósito de mudança de rumo”, afirmou Duarte.
Reginaldo Medeiros, que é o presidente executivo da mesma associação, lembrou que na era petista era praticamente proibido falar em “reforma” do setor elétrico, embora já se soubesse que o modelo estava falido. Contudo, ele deixou claro que, hoje, ao se falar em novo modelo é preciso olhar para o futuro e esquecer o setor elétrico do passado. Para Medeiros é fundamental desenhar um modelo que contemple a expansão da oferta de forma diferente daquele que, durante anos, se baseou simplesmente em empréstimos concedidos pelo BNDES.
O principal executivo da associação dos comercializadores aprofundou o discurso de Pedrosa e frisou que a discussão em torno de um novo modelo para o setor elétrico brasileiro será claramente balizada por dois interesses específicos. Um deles contempla o velho setor elétrico, que na sua visão pretende continuar repassando custos para os consumidores, como se faz há décadas, ignorando todas as inovações que surgiram no setor elétrico mundial. O outro está relacionado com um novo tipo de setor elétrico que “quer olhar para a frente e não quer mais ficar preso ao repasse de custos para os consumidores”. ‘Vamos, sim, apoiar o Governo, porque está dando as diretrizes corretas”, disse Medeiros, destacando que está na hora de promover as mudanças que os consumidores brasileiros merecem.
Camila Schoti, coordenadora técnica de energia elétrica da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), disse que o modelo mental do passado, que ainda está em vigor, se caracteriza pela existência de muitos encargos que resultam em custos significativos e geram imprevisibilidade para os agentes. No seu entendimento, com o Projeto de P&D Estratégico existe um cenário oportuno para discutir o novo modelo, mas alertou que a legitimidade do Projeto de P&D depende de uma ampla discussão a ser feita com os agentes. “Temos um trabalho enorme pela frente, pois ainda há ideias do passado”, reconheceu Schoti. Ela, entretanto, demonstra confiança no Projeto de P&D Estratégico, caso ocorra o atendimento da demanda de energia a preços competitivos.
Como representante da Anace — uma associação que também reúne consumidores industriais, mas que não são eletro-intensivos, a advogada Mariana Amim disse que hoje existe muita insegurança jurídica entre os agentes econômicos, o que provoca uma enorme judicialização, “absolutamente desnecessária”. “O Projeto de P&D Estratégico é uma oportunidade para olhar para um novo conceito de setor elétrico. Hoje, a conta de energia está alta e estamos matando a indústria do País”, alertou.
O presidente da Abiape e do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), Mário Luiz Menel da Cunha, que tem tido um papel relevante na estruturação do novo modelo via Projeto de P&D Estratégico, está confiante que o resultado final será positivo. Ele acredita que o momento é ideal para tratar do assunto, pois a equipe atual do MME já comprovou que está permeável ao diálogo com os agentes.