Abrace: indenização da transmissão pode aumentar judicialização no SEB
Maurício Corrêa, de Brasília —
Em sua primeira entrevista como presidente executivo da Associação Brasileira de Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Edvaldo Santana disse a este site que se o Governo insistir em transferir para os consumidores, a partir de julho de 2017, os custos decorrentes de indenização das antigas linhas de transmissão, com base na Lei 12.783 (MP 579), inevitavelmente haverá mais iniciativas de judicialização, pois os associados não têm a mínima disposição para bancar esse tipo de gasto.
É muito dinheiro que está em jogo. Nos cálculos feitos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o custo deverá ficar em torno de R$ 55 bilhões, que serão pagos no período de oito anos. Com a atualização monetária, isso ficaria em torno de R$ 11 bilhões por ano. “Os geradores dizem que não é com eles. Os comercializadores também e os distribuidores idem. Então, quem é que vai pagar a conta? Somos nós, os consumidores. Não tem a menor graça”, reclamou Santana.
Ele assumiu a presidência executiva da Abrace no dia 28 de novembro. Tirou uns dias para conhecer a associação internamente e já está em campo, para defender uma extensa pauta que lhe foi confiada pelo Conselho de Administração. Como explicou, a Portaria 120 do MME, de abril deste ano, é a prioridade zero para a Abrace, pois refere-se às diretrizes para pagamento das indenização dos ativos de transmissão não depreciados, com base nos registros existentes em 31 de maio de 2000, e renovados nos termos da Lei 12.783 (que derivou da MP 579).
Ganhar essa disputa representa um enorme desafio para Edvaldo Santana e para a Abrace. No entendimento do novo presidente, “a conta é enorme. Inclusive há casos em que a tarifa de transmissão (Tust) dos consumidores terá aumento aproximado de 300%. Os demais segmentos não estão preocupados, pois a conta vai para o consumidor. Mas nós não estamos dispostos a pagar mais esse custo, pois entendemos que os ativos de transmissão não foram devidamente avaliados pela Aneel, no momento em que isso deveria ter ocorrido, e então agora não há razão para indenizar”.
Essa indenização-gigante beneficiará as transmissoras CEEE, Celg, Cemig, Chesf, Copel, Eletronorte, Eletrosul, Furnas e CTEEP, das quais apenas a última é privada. Das demais, tirando a Copel, todas são controladas pela Eletrobras. Edvaldo deixa a entender que houve algum tipo de decisão, no âmbito do MME, na hora de emitir a Portaria 120 nos últimos suspiros da gestão do então ministro Eduardo Braga, dando conta de um favorecimento ao Sistema Eletrobras, que vai mal das pernas e com as finanças em péssimo estado.
Essa questão tem um potencial de impacto tão grande nas finanças das empresas que se transformou em um dos principais assuntos discutidos, no último dia 07 de dezembro, na própria Aneel, quando a diretoria recebeu um grupo de analistas de investimentos que estavam interessados em conhecer os pontos de vista da agência reguladora a respeito dos cenários para a área de energia elétrica. Dentro da Aneel, aliás, o tema da indenização para as transmissoras faz parte do processo de audiência pública 68, para a qual a Abrace formulou uma extensa contribuição, de 30 páginas.
No caso dos associados da Abrace, a questão é dramática. Edvaldo Santana alega que a indústria brasileira já tem passado por uma grave crise de competitividade, razão pela qual a adição de mais um custo dessa magnitude na tarifa de energia elétrica representaria um adicional extremamente prejudicial para o campo industrial como um todo, inviabilizando projetos ou comprometendo a viabilidade de plantas em operação, além, naturalmente, de adubar o terreno para favorecer ainda mais as condições de desemprego. No momento em que o País amarga uma situação com cerca de 12 milhões de desempregados, a perspectiva realmente não é boa.
Um associado da Abrace que pertence ao ramo de mineração, por exemplo, conta com duas plantas que geram 1.500 empregos diretos e 4.500 indiretos. Se a Portaria 120 do MME for atendida na sua plenitude, isso poderá significar a total inviabilização do negócio e o fechamento das plantas. Este é apenas um exemplo, mas, segundo o executivo, casos como este se multiplicam entre os associados da Abrace.
Para o novo presidente da Abrace — que desde o fim do seu mandato de diretor da Aneel e da conseqüente quarentena — vinha trabalhando como consultor, o setor elétrico brasileiro encontra-se em um momento difícil, pois a carga não pára de cair. Na sua avaliação, inclusive, haveria algum tipo de dificuldade para atender ao mercado brasileiro de energia elétrica, principalmente na região Nordeste, se a economia estivesse caminhando na direção oposta e a carga estivesse crescendo na base de 4%, que tem sido a média histórica mais recente.
Os dados dos últimos leilões, segundo Santana, indicam que a tarifa de energia elétrica aumentou muito. Em 2015, a energia eólica conseguiu colocar produtos em leilão na base de R$ 170,00 o megawatt-hora. Agora, já supera a casa dos R$ 234,00. Mesmo elevado, o preço não consegue atrair muitos interessados, pois paralelamente corre uma outra situação igualmente preocupante, que é o cenário político.
“A tempestade só não é perfeita porque temos sobras de energia. Só em um mês a carga caiu 3,2% , o que é um dado assustador. A carga hoje é de 15% a 20% menor do que deveria ser“, lamentou o executivo.
Os conselheiros da Abrace lhe confiaram outros dois desafios que também são muito importantes para os consumidores industriais e consumidores livres. Um deles diz respeito ao gás natural, devido à importância do insumo nos processos produtivos de grande parte do parque industrial brasileiro.
A Abrace está atenta às informações sobre a abertura do mercado de gás natural no Brasil, principalmente as questões relacionadas com a desregulamentação e a desverticalização. A associação defende a tese de existência de um operador independente dos dutos que transportam o gás natural, nos moldes do que faz o ONS no setor elétrico.
Outro tema que preocupa a Abrace é a eficiência energética. Nesse sentido, Santana relatou que houve uma reunião com técnicos do ONS, no Rio de Janeiro, na sexta-feira, 02 de dezembro, quando foi discutida uma proposta de o Operador, quando precisar reduzir a carga, estimular as indústrias que voluntariamente se apresentarem para atender às exigências de diminuição do consumo.
No momento, essa proposta não faz muito sentido, pois há energia sobrando nas prateleiras e a questão não é reduzir a carga e, sim, estimular o consumo. No raciocínio de Edvaldo Santana, este é o momento oportuno para tratar da questão, pois, “em algum momento, a economia voltará a crescer. Como vai se precisar de uma resolução da Aneel, é melhor deixar tudo pronto agora, quando existe energia sobrando, para que, lá na frente, ninguém pense que se trata de algo para tratar de um possível racionamento”.