Modelo do SEB de Silveira já nasceu velho e ultrapassado
Sem entrar no detalhe das tecnicalidades, até porque muita coisa será torpedeada e substituída, tanto na Casa Civil quanto no Congresso Nacional, o que se pode observar numa leitura preliminar sobre a proposta de novo modelo elaborada pelo Ministério de Minas e Energia é que ele já nasceu velho e ultrapassado.
Está voltado para o passado. É anacrônico, embora tenha até uma espécie de charme ao assinalar que pretende ampliar o mercado livre. Na visão deste editor, na realidade, perde-se excelente oportunidade para colocar em marcha um novo modelo que esteja, sim, voltado para o futuro, para o amanhã, contribuindo com o arcabouço legal para criar um verdadeiro mercado de energia no Brasil.
Há poucos dias, por exemplo, surgiu um segundo empreendimento que, da mesma forma como o já existente há alguns anos, pretende um dia ser uma bolsa brasileira de energia, avançando além da condição de balcão.
O fato é que o nosso mercado de energia, embora possa parecer dinâmico sob alguns ângulos, ainda é limitado e não comporta uma verdadeira bolsa, quanto mais duas.
A proposta do MME peca nesse sentido: grande parte dela ainda está voltada para o atendimento básico de energia elétrica para pessoas carentes. E tome tarifa social, justiça social, etc. Parece até um documento do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. São até questões que merecem ser discutidas, porque existem muitas desigualdades na sociedade brasileira.
Só que essa história de querer corrigir desigualdades sociais através do consumidor de energia elétrica é um equívoco total. Isso é algo para ser resolvido pelos contribuintes, através do Tesouro Nacional.
Infelizmente, o modelo do ministro Silveira nem arranha essa questão. Aliás, ao discutir a questão social, não parece ser muito uma proposta de modelo. Parece mais coisa de candidato populista a alguma coisa, provavelmente a uma campanha de reeleição. E populismo totalmente endossado pelo ministro de Minas e Energia.
Existem outras situações que também poderiam ser abordadas pela proposta de Silveira. Por exemplo: programas computacionais deveriam apenas contribuir como referência para a negociação entre as partes compradora e vendedora de energia elétrica. Por um comodismo que existe há 30 anos, esses modelos computacionais de formação de preços na área de energia elétrica acabaram virando outra coisa, o que injeta muito artificialismo, ainda, no mercado elétrico brasileiro.
Isso nos leva a outra discussão, para a qual a proposta assinada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, não contribui em absolutamente nada. No Brasil, ainda estamos um pouco longe daquilo que se conhece como mercado.
O que existe no Brasil é algo, digamos, meio parecido com um mercado elétrico, que conta com a concordância (às vezes meio envergonhada) de muita gente: agentes, consultores, associações, autoridades, etc.
Obviamente, tem muita gente que ganha uma nota preta com a existência do atual modelo matemático de formação de preços. Como as pessoas (principalmente as autoridades) têm medo de mexer nessa estrutura, fica todo mundo, na prática, brincando de mercado. Os programas computacionais, que deveriam somente ajudar a definir o preço, se transformaram no verdadeiro preço.
Além disso, o MME considerou que não era necessário alterar a estrutura de controle do SEB. Perdeu-se ótima oportunidade para se rediscutir o papel da Aneel, da CCEE, do ONS, da ANP e da EPE. É uma estrutura que custa caro para os consumidores. Não há uma linha sobre a possibilidade de juntar a Aneel e a ANP, o ONS e a CCEE. Ou de se rediscutir a existência da EPE, agregando-a à estrutura de Planejamento do próprio ministério.
Este editor entende que não precisa ser assim exatamente. Entretanto, uma proposta de novo modelo forçosamente teria que contemplar alguma coisa em relação à estrutura de controle da área de Energia. A proposta de Silveira passa a algumas léguas de distância da questão, o que significa que Sua Excelência está muito satisfeito com a estrutura atual.
Existe também uma questão ligada ao mercado de trabalho, que não está diretamente ligada ao modelo de Silveira, mas está relacionada. Em 30 anos, foi desenvolvida toda uma estrutura não apenas de negócios, mas, também, de formação de profissionais que se especializaram nesse modelo matemático.
São os chamados modeleiros. De modo geral, são pessoas jovens, muito competentes em suas carreiras, que às vezes morrem de medo de perder os empregos, onde, aliás, são muito bem pagos. Ser modeleiro é uma versão moderna de ser bruxo. Trata-se de uma carreira atípica, que envolve conhecimentos sofisticados de matemática, engenharia elétrica, etc.
É natural que queiram defender seus empregos, embora existam falsas ansiedades nessa questão. Infelizmente, o modelo matemático estabeleceu uma espécie de ditadura do conhecimento no setor elétrico, fazendo com que as pessoas em geral tenham que se guiar pela verdade absoluta definida pelos modeleiros, que são os novos bruxos.
O negócio do Governo é outro e atende pelo nome de manipulação. Não só o atual, mas todo Governo, gosta de manipular. É por isso que a proposta do MME para o SEB está voltada para o passado, pois o Governo teme mudar o padrão do setor elétrico. Hoje, do jeito que está, ele sabe que pode manipular.
Assim, entende-se porque um historiador especializado em Direitos Humanos é designado para a diretoria do ONS. Também pode ser por isso que um cidadão que era apenas parente não sei de quem importante em Brasília pode virar conselheiro da CCEE. A manipulação segue esses caminhos.
Dando apenas uma tintura no modelo, como quer Silveira, é possível continuar manipulando. Mas se mudar muito, se modernizar demais, o Governo pode perder o controle.
E todo mundo sabe muito bem o que isso significa. O preço da energia elétrica rebate na inflação; a inflação reflete na popularidade do Governo; e um Governo que já está mal das pernas, segundo as pesquisas, precisa ter um modelo de precificação da energia elétrica que ele possa controlar, para não perder a eleição. Enfim, consumidor de energia elétrica também atende pelo nome de eleitor.
Nesse contexto, sobram variáveis. Desse modo, o papel do jornalismo não é ficar aqui discutindo questões menores do setor elétrico e, sim, estimular o debate. De preferência que o aposentado da Tijuca ou a viúva do Andaraí possam, quem sabe, entender um dia o que está acontecendo na hora de pagar a conta de luz.
Porque eles são os consumidores. E os pobres dos consumidores, que bancam toda a gastança do setor elétrico, normalmente passam à margem de toda essa discussão.
Este editor não é especialista em modelos. Aliás, em coisa alguma. Talvez em fofoca, como disse uma vez um modeleiro mais exaltado. Só que, olhando para a proposta assinada pelo ministro Silveira, o editor entende que trata-se de um modelo meia-boca. Nosso querido ministro ficou dois anos prometendo uma explosão que iria revolucionar o País a partir do setor elétrico e veio apenas o estalido mixuruca de uma bombinha infantil das festas de São João. Decepcionante.
Existe muita gente competente neste nosso enorme, desigual e desorganizado País. Um jornalista conhecido deste editor, numa certa eleição, se fechou em um hotel em São Paulo e, em apenas 24 horas, trancado num apartamento, de onde não saiu sequer para almoçar ou jantar, produziu um programa de Governo para um candidato à Presidência da República. Todo um programa de candidato.
Da mesma forma, este editor conhece profissionais do setor elétrico que são muito competentes e capazes de produzir algo similar à proposta do MME com apenas três horas de trabalho em frente ao computador. Depende do gosto do freguês. São capazes de produzir modelos para o setor elétrico do jeito que a clientela encomendar.
Mas, se alguma coisa sair errada no novo modelo do ministro Silveira, não tem problema. Os gênios do SEB estão aí para encontrar soluções. E tem um monte de gênio dando sopa nas universidades, em consultorias, em associações empresariais, em órgãos reguladores. É por isso que eles são gênios. Não haverá dificuldade para encontrar gênios oportunistas que entendam de modelo do setor elétrico brasileiro e possam oferecer alternativas ao MME.