Alessandra Amaral: setor elétrico precisa ser repensado de forma sistêmica
Maurício Corrêa, de Brasília —
Uma típica carioca da Zona Sul do Rio de Janeiro, filha caçula de mãe também carioca e pai goiano, Alessandra Amaral, a presidente da Energisa Comercializadora, é uma das pouquíssimas mulheres a ocupar um cargo tão alto no mercado livre de energia elétrica, que ainda é um nicho de trabalho dominado pelos homens.
“Realmente existe uma franca predominância masculina no setor. Isso vem mudando, mas lentamente. Acho que a contribuição das mulheres é importante, pois é inegável que existem diferenças entre os gêneros, na forma de trabalhar, de agir e de se posicionar diante de problemas. Seguramente, as mulheres têm muito a contribuir, pois conseguem trazer novos ângulos para visualizar antigas questões. Mais do que nunca, esta complementaridade é muito bem-vinda para o setor elétrico neste momento”, opinou.
Com 44 anos de idade e duas irmãs mais velhas, ela morou até os 12 anos em uma casa na Gávea. Estudou o fundamental em uma escola próxima de casa, chamada São Marcelo. O ensino médio foi no Bahiense, que ficava no mesmo local. As três irmãs tinham como característica serem alunas exemplares.
Muito cedo, Alessandra desenvolveu uma especial predileção pelas matérias da área de humanas, mas, também, por Matemática. Essa ambivalência a acompanhou durante muito tempo.
“Como gostava muito de escrever, queria fazer Jornalismo, conjugando-o com Economia. A minha ideia era me especializar em jornalismo econômico. Lembro que comecei a me interessar por Economia quando li uma matéria sobre o Plano Cruzado e depois conversei com a minha irmã mais velha, que havia concluído o curso de Economia. Além disso, a mãe de uma das minhas melhores amigas era economista. Nesta época, comecei a namorar com o primo dela, que depois veio a se tornar meu marido”, disse a executiva do Grupo Energisa.
Ainda dividida quanto ao caminho a tomar em uma profissão, prestou vestibular para Comunicação em duas universidades e para Economia na UFRJ. No vestibular do Cesgranrio, passou em primeiro lugar no grupo de Humanas, tendo sido, na época, até entrevistada pelo jornal “O Globo”. Ainda em dúvida quanto ao futuro, se matriculou em Economia, na UFRJ, e em Comunicação, na PUC.
Alessandra, entretanto, estava consciente que, em pouco tempo, teria que tomar uma decisão, pois os dois cursos aconteciam no mesmo horário. Trancou matrícula no Jornalismo e seguiu em frente com o curso de Economia, com a ideia, porém, de no médio prazo voltar ao Jornalismo, quando a Economia passasse para a parte da manhã.
O Jornalismo ficou para trás, em definitivo, porque, logo ao iniciar a Economia, ela se encantou com as disciplinas do curso. “Faz parte da minha personalidade querer fazer bem tudo aquilo em que eu me envolvo e o curso de Economia exigia muita dedicação. Eu me dediquei e o resultado foi que tive um desempenho excelente. No terceiro período, comecei a estagiar, em um banco de investimento, no grupo de conjuntura da UFRJ e na L´Oreal. Quando me formei, recebi um prêmio da UFRJ, chamado “Visconde de Cayru”, que é concedido aos alunos com CR (Coeficiente de Rendimento) superior a 9,0. Também recebi o prêmio Unibanco de desempenho acadêmico e fui classificada em 1º lugar nacional no concurso para o mestrado de Economia da ANPEC”, esclareceu.
Aluna nota 10 na graduação, em janeiro de 1993, iniciou o mestrado em Economia na PUC. Neste mesmo ano, foi aprovada no concurso para trainee da Vale, aproveitando a chance para ingressar em uma das maiores mineradoras do mundo. Na empresa, ela recebeu um MBA em Gestão Empresarial concedido pela Fundação Dom Cabral.
Seus horizontes se ampliaram bastante na experiência profissional que passava na Vale, onde ela conheceu especialistas recém-formados de várias áreas que, ao final do curso, foram direcionados para determinados setores da mineradora. “Fui alocada na Superintendência Financeira e, dois anos depois, voltei ao mestrado, completando os créditos no Departamento de Engenharia Industrial, que oferecia um curso mais alinhado com o meu trabalho na Vale”, disse.
Em 1996, Alessandra Amaral aceitou um convite para trabalhar na Coca-Cola, onde teve a oportunidade de estruturar uma área de modelagem estatística, para aferir o volume incremental gerado pelas atividades de marketing. Um ano mais tarde, foi promovida a gerente dessa área. Na multinacional, assumiu também as gerências de planejamento de vendas e de pesquisas quantitativas, aproveitando o pouco tempo vago para, ainda, cursar um MBA de Marketing da Coppead, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Alessandra e o marido, Antonio Tostes, que é um engenheiro eletrônico e trabalha na Oracle, atendendo a clientes da área de telecom, começaram a namorar durante o período de formatura do Ensino Médio. O casamento dura 22 anos e da união resultaram a Carolina, de 13 anos, e o Bernardo, de cinco, que costumam acompanhar os pais no Encontro Anual do Mercado Livre que se realiza nos finais de cada ano, em Salvador.
A família mora no Leblon, que é um bairro muito típico da Zona Sul do Rio. Alessandra e a família curtem bastante o bairro, porque, ao mesmo tempo em que é residencial e próximo à praia, conta com muitos pontos de lazer, restaurantes e lojas. “Já estamos acostumados e fazer tudo a pé, nos fins de semana. Gostamos muito de viajar, mas deixamos para as férias. Na nossa rotina, ficamos no Rio nos fins de semana. Vamos à praia, ao cinema, gostamos de jantar fora ou de preparar um jantar em casa. Aliás, o meu marido é um excelente chef de cozinha. Ele prepara pratos deliciosos e algumas vezes, convidamos os amigos para jantar na nossa casa”.
Pouca gente sabe que o pai de Alessandra foi um dos mais famosos locutores de futebol do Brasil, na época em que o rádio ainda dava as cartas e o futebol carioca era o mais prestigiado do País. Waldir Amaral fez parte da geração talentosa que, entre outros nomes, tinha Jorge Cury, João Saldanha, Mário Vianna, Doalcei Camargo e outros.
Seu pai passou por várias rádios do Rio, trabalhando de 1961 a 1983 na Rádio Globo. Foi um criativo narrador de jogos de futebol, criando bordões inesquecíveis, como “O relógio maaaarca….”, ”tem peeeeixe na rede…..” e “indivíduo competente é esse…..”, além de ter sido o autor do apelido do apelido dado ao jogador que foi o maior ídolo da história do Flamengo, Arthur Antunes Coimbra, o Zico: “Galinho de Quintino”.
Ela às vezes acompanhava Waldir Amaral quando ia ao Maracanã trabalhar aos sábados, domingos e feriados, mas dele também tem a lembrança de um profissional dedicado, que, locutor nos finais de semana, trabalhava como executivo do Sistema Globo ao longo da semana, acumulando as diretorias de esportes e comercial, na Rádio Globo. “Era um profissional admirável, incansável na atenção aos detalhes e nos feedbacks constantes para as equipes. Acho que profissionalmente também aprendi muito com ele”, lembra com emoção.
O dia a dia de Alessandra Amaral, contudo, não é apenas recheado pelo ambiente da Zona Sul carioca ou pela curtição da família. No campo profissional, ela deu continuidade à trajetória de sucesso que vinha desde os bancos escolares e começou a flertar com o setor elétrico. Em 2002, recebeu uma proposta para ingressar na Light.
“Era uma experiência nova para mim e eu me interessava muito pelo setor, que estava saindo do racionamento. Isso me atraía, pois significava um grande desafio. Entrei na Light para estruturar a gerência de Previsão de Demanda e, alguns meses após o meu início, assumi a gerência de Gestão e Previsão de Mercado, na diretoria de Distribuição”, assinalou.
Em 2004, o seu primeiro diretor na Light, que havia assumido a posição de vice-presidente de Regulação na Energisa, a convidou para ocupar a posição de diretora de Mercado na empresa. Isso ocorreu no mesmo mês da publicação do Decreto 5.163 e, com isso, ela enfrentou o desafio de organizar as gerências de Mercado e Contratação de Energia das distribuidoras do grupo Energisa, e criar um processo corporativo para a previsão de mercado e compra de energia no mercado regulado à luz do novo marco regulatório introduzido pelo Governo Lula.
Com dois anos de trabalho na Energisa, Alessandra liderou uma equipe multifuncional, que tinha como objetivo estruturar uma comercializadora de energia, à qual foi dado o nome de “Cat-Leo Comercializadora”, em homenagem às raízes históricas do grupo.
“Contratamos uma consultoria para mapear todos os processos, procedimentos e tarefas, criando uma empresa virtual. No final do projeto, fechamos o primeiro negócio da comercializadora, com um cliente oriundo da Energisa Minas Gerais (então, Cia. Força e Luz Cataguazes-Leopoldina), que migrou para o mercado livre”, explicou.
A Energisa é uma empresa que merece um capítulo à parte na história do setor elétrico brasileiro, pois é um grupo privado com 112 anos de atuação, com controle da mesma família ao longo deste tempo e com a cultura de crescimento contínuo. Nascida em uma pequena cidade da Zona Mata de Minas Gerais, a empresa controlada pela família Botelho foi crescendo lentamente, aproveitando as chances abertas pela privatização, a partir do Governo FHC.
Mais recentemente ocorreu um fato que alterou profundamente a estrutura do Grupo Energisa. Alessandra diz que “a aquisição das distribuidoras do antigo Grupo Rede foi excelente em todos os sentidos para o Grupo Energisa. Especificamente para a comercializadora, significou a abertura de um largo espectro de atuação, junto a clientes cativos que decidiram migrar para o ACL e clientes já livres, dessas áreas de concessão”, opinou Alessandra.
Experiente no mercado livre, ela percebe que, desde o segundo semestre de 2015, o segmento vem passando por uma fase de acelerado acrescimento, em decorrência da queda de preços neste ambiente (fruto da melhoria na hidrologia e da retração da carga, devido à crise econômica), juntamente com o aumento da tarifa cativa.
É uma situação que todo mundo no setor elétrico brasileiro sabe que vem causando um excesso de contratos nas distribuidoras, as quais liquidam a energia excedente a preços, em média, mais baixos que o mix de preços dos contratos. Na área de energia elétrica, também não se desconhece que o setor precisa ser repensado de uma forma sistêmica, que avalie o impacto das medidas sobre o conjunto dos agentes.
Alessandra Amaral entende que a expansão do mercado livre não tende a tirar os clientes cativos das distribuidoras, pois eles continuam sendo clientes do fio das concessionárias de distribuição, que são remuneradas por esse tipo de serviço.
“A solução da sobrecontratação pode ser entendida como um ensaio de como resolver o problema de transferência de contratos de um ambiente para o outro, de uma forma equilibrada e que atenda às necessidades de todos os agentes envolvidos. Na minha opinião, a abertura do mercado livre requer que vários aspectos sejam bem estudados e avaliados, tais como o reconhecimento deste mercado e a curva forward e a sua participação na expansão da oferta”, argumentou.