Aneel detona Projeto de P&D para desenvolvimento de novo modelo do SEB
Maurício Corrêa, de Brasília —
Uma estranha, pouco convincente e mal explicada decisão tomada pela diretoria da Aneel, nesta terça-feira, 28 de março, cavou um fosso profundo entre os agentes do setor elétrico e a agência reguladora, que encerrou a chamada e recusou a proposta de elaboração do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento número 20/2016, de caráter estratégico, através do qual pretendia-se utilizar recursos de P&D para aprimorar o modelo do setor elétrico brasileiro.
“Foi uma decisão lamentável. Todos nós, do setor elétrico, tínhamos uma grande expectativa de desenvolver o projeto de aperfeiçoamento do nosso setor elétrico, através de uma participação ampla dos próprios agentes. Houve excesso de conservadorismo por parte da diretoria da Aneel”, disse Marco Delgado, diretor da associação dos distribuidores, a Abradee, e também do Instituto Abradee, que patrocinava o projeto e liderou toda a articulação em torno dele.
Na votação dos diretores, deu quatro a zero, pois o diretor Tiago Correia argumentou que estava impedido para manifestar a sua opinião, pois o seu pai, na condição de consultor, participaria de uma fase do projeto de P&D.
O relator, José Jurhosa, que nunca escondeu a sua aversão à proposta, precisou de um longo voto formado por 18 páginas e 113 itens para detonar o projeto de P&D Estratégico. Antes da apreciação do voto, quando os agentes se manifestaram, Delgado disse que o propósito era introduzir um “modus operandi” inovador através do P&D, discutindo com vários segmentos da sociedade como mudar o modelo do setor elétrico.
Essa questão é fundamental para agentes do setor elétrico, principalmente investidores. Afinal, no início do primeiro Governo Lula, quando Dilma Rousseff era ministra de Minas e Energia, o modelo liberal da era FHC foi substituído em larga escala por um conjunto de regras que privilegiavam o papel do Estado e deixavam para o mercado apenas uma pequena fatia para respirar mais livremente. Há vários anos, o modelo vem sendo sucessivamente remendado, o que causa enorme insegurança jurídica aos agentes e investidores.
“Fazer a mudança do modelo via P&D permitia uma visão sistêmica ampliada”, disse o diretor do Instituto Abradee, lembrando que o papel do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase) foi fundamental no desenvolvimento da ideia, pois, ao aglutinar todas as associações empresariais de alguma forma vinculadas ao setor, aumentou o debate e atraiu todo mundo para a defesa do projeto. Tanto que 35 empresas já haviam manifestado interesse em patrocinar a proposta, a maioria, inclusive, de empresas não participantes da Abradee.
Ainda na linha de tentar o acolhimento da proposta dentro da Aneel, antes da votação, o consultor Afonso Henriques Moreira Santos, da IX Estudos e Projetos, disse que o tema da construção de um novo modelo para o setor elétrico está “em todas as mesas”. Com o P&D Estratégico, ele entendia que seria possível reavivar a inteligência do setor, da mesma forma como aconteceu em meados dos anos 90, quando o Projeto Re-Seb virou a área de energia elétrica pelo avesso e introduziu o arcabouço institucional que permanece ainda hoje.
Afonso lembrou que era preciso incorporar ao modelo a figura do consumidor e combinar a eficiência produtiva com o resultado econômico, de forma a diminuir as distâncias entre agentes e consumidores. “Peço que não joguem fora esta proposta”, apelou, em vão, Afonso Henriques.
Como já era esperado (há uma semana este site já havia antecipado que a proposta estava em algum lugar entre a UTI e o necrotério), a Aneel preferiu não ouvir o apelo e fez justamente o contrário. Em seu voto, o diretor-relator Jurhosa começou argumentando que a proposta transcendia os limites de um P&D clássico, pois pretendia utilizar recursos públicos (que, em tese pertencem aos consumidores) para desenvolver um novo modelo do setor elétrico, o que, no seu entendimento, seria mais uma atribuição do Poder Executivo, ou seja, do Ministério de Minas e Energia.
Jurhosa implodiu o projeto de P&D. Ele disse que a proposta despertava “dúvidas e incertezas” e assinalou claramente que o Executivo é que deveria fazer esse tipo de trabalho, mediante a contratação de consultorias internacionais e nacionais, do mesmo modo que aconteceu no Projeto Re-Seb.
“Não foi possível identificar evidências de pleno atendimento ao critério da originalidade”, lembrou José Jurhosa a respeito de um dos quesitos básicos para se aprovar um projeto de P&D, frisando que havia “reconhecida incerteza ou indefinição quanto a alguns dos produtos entregáveis”, acrescentando que a utilização de recursos públicos “requer cautela”.
Esse aspecto levantado pelo diretor da Aneel causou muito estranheza aos agentes, pois o P&D proposto pelo Instituto Abradee custaria algo em torno de R$ 20 a 30 milhões. Mas, apenas alguns minutos antes de sua apreciação pela diretoria da Aneel, os mesmos diretores, por unanimidade, aprovaram, com entusiasmo uma proposta de P&D para desenvolver projetos de armazenamento de energia elétrica (utilizando tecnologias que ainda estão muito distantes do mundo real em termos de resultados) que vai custar cerca de R$ 400 milhões. “O argumento da Aneel, além de ter sido absolutamente ridículo, foi triste”, disse a este site, mais tarde, um executivo que não participou da reunião colegiada da diretoria.
Para Jurhosa, a proposta capitaneada pelo Instituto Abradee trazia “elevado grau de incerteza, principalmente sob a ótica da relação custo/benefício”, sem contar que os quesitos de originalidade e razoabilidade dos custos não tinham sido plenamente evidenciados.
“O projeto se situa na fronteira das políticas de Governo, sendo, portanto, dependente da vontade do Poder Executivo, enquanto formulador das políticas, em promover alterações estruturais no setor, o que, por óbvio, inibe o uso dos recursos de P&D para tal fim”, alegou José Jurhosa, ao finalizar o seu voto. Na hora da votação, nenhum diretor quis comentar o voto do relator, colocando um ponto final em um projeto que começou com iniciativa da própria agência reguladora, ao abrir uma chamada pública em outubro de 2015.
Para os agentes, a Aneel precisará fazer um grande esforço político para recuperar a confiança das empresas. “Vai levar tempo para melhorar a relação entre a agência reguladora e os agentes, pois o projeto de P&D nasceu de uma iniciativa da Aneel, na qual todo o setor elétrico (inclusive empresas nacionais e internacionais de consultoria) se envolveu em larga escala. Agora, um ano e meio depois, a Aneel vem dizer que aquilo tudo não tinha qualquer sentido. Isso é meio complicado”, lamentou um executivo, que é líder no seu campo de trabalho.
É verdade que a simples chamada de abertura de um projeto de P&D, como fez a Aneel, em 2015, não significa que a proposta seja automaticamente aprovada pela diretoria da agência. Ainda assim, considerando as circunstâncias, houve executivos do setor elétrico que enxergaram, por trás de tudo, a mão peluda do Ministério de Minas e Energia.
Na avaliação dessas fontes, o MME teve duas caras em relação ao P&D Estratégico: oficialmente dava total apoio e liberdade para que a ideia fosse à frente, mas, nos bastidores, teria trabalhado intensamente contra o seu sucesso.
Isso, aliás, foi possível observar no voto do diretor José Jurhosa, que incorporou comentários ácidos e contra o P&D apresentados pela EPE e CCEE, onde a lealdade em relação à Secretaria Executiva do MME é estimada em 100%. No próprio MME, também não faltaram adversários, principalmente no âmbito da mesma Secretaria-Executiva. Com tantos inimigos da área institucional no meio do caminho, inclusive a Aneel, a proposta de P&D não tinha mesmo qualquer chance de sucesso.