Mercado livre propõe modelo de financiamento
Maurício Corrêa, de Brasília —
O mercado livre de energia elétrica entra em 2016 empenhado em resolver positivamente dois desafios que historicamente prejudicam a sua expansão: romper os limites legais e regulatórios que o impedem de crescer e resolver um velho problema junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é a definição de um modelo de financiamento para a oferta de energia nova destinada a essa fatia expressiva do mercado.
A primeira questão movimenta o Congresso Nacional e inclusive já atingiu a sensibilidade do pessoal técnico do Poder Executivo, graças ao projeto da portabilidade da conta de luz. Discreta e eficientemente, os comercializadores conseguiram colocar a expansão do mercado livre na pauta do Congresso e a proposta se alastrou como fogo de morro acima. O Governo sempre conseguiu barrar propostas de expansão dentro do Congresso, mas, agora, com as lideranças partidárias do Governo totalmente fragilizadas, praticamente ficou impossível efetuar essa contenção. A cada dia, novos parlamentares se agregam favoravelmente em torno do projeto da portabilidade.
Em relação ao BNDES, dirigentes da associação dos comercializadores (Abraceel) foram recebidos no dia 18 de dezembro, em Brasília, pelo secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Luiz Eduardo Barata, quando tiveram a oportunidade de apresentar as premissas básicas de um modelo de financiamento para projetos de energia renovável destinados ao mercado livre.
Antes, no MME, esse tipo de conversa era desanimador, pois o secretário-executivo anterior do MME, Márcio Zimmermann, tinha absoluta má-vontade com o mercado livre e não movia uma palha sequer para tentar compreender o tipo de benefício que gera para os consumidores.
Agora, a situação no MME mudou bastante, pois o sucessor de Zimmermann, Luiz Eduardo Barata Ferreira, passou vários anos na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), onde inclusive ocupou a presidência do Conselho de Administração. Barata conhece o mercado livre como poucos. Não lhe cabe definir as normas de garantia exigidas pelo BNDES, mas, no caso específico, pode contribuir bastante para fazer com que a questão avance na superestrutura do Governo.
Aparentemente, isso já começou a acontecer na audiência de Barata concedida para o pessoal da Abraceel. Ele recebeu bem a proposta preliminar de modelo de financiamento e agora aguarda a elaboração de um “white paper” detalhando integralmente as ideias que estão sendo discutidas com o BNDES. Só neste ano, os dirigentes da Abraceel já compareceram a seis reuniões na sede do banco estatal, no Rio de Janeiro.
Este site apurou que na apresentação feita no MME, ficou claro que o modelo atual (que tem foco no mercado regulado e financiamento concentrado no BNDES, com as tarifas sendo dadas em garantia como recebíveis) está esgotado e que é necessário evoluir um pouco mais para atendimento às necessidades de expansão do mercado livre.
Hoje, o mercado livre se caracteriza por contratos de poucos anos, o que obviamente gera incertezas quando se fala em financiamento da energia nova. Atualmente, a expansão para o ACL se dá basicamente através de grandes grupos integrados, com operações de geração e comercialização, os quais usam as suas estruturas empresariais para viabilizar projetos destinados à energia livre.
Barata percebeu na apresentação que é enorme o potencial de expansão da energia nova destinada ao mercado livre. Nos cálculos da Abraceel, o número bate em cerca de 4,2 GW, com base nas usinas que já possuem outorgas, mas não estão comprometidas com contratos de comercialização de energia destinada ao mercado regulado (CCEAR´s). Nesse cálculo, 1.450 GW viriam de usinas a biomassa, 1.400 GW de Pequenas Centrais Hidrelétricas e 1.330 GW de usinas eólicas.
Apesar do potencial, quando se chega no BNDES, toma-se um banho de água fria. Em um trabalho feito em março de 2014 para a própria Abraceel, a consultoria PSR concluiu que as premissas adotadas pelo banco estatal não são compatíveis com as características do mercado livre e por isso sempre serão insuficientes para garantir o financiamento de novos projetos. Ou seja, se não mudar o modelo de financiamento, não há como avançar.
Uma das críticas feitas à Abraceel, nas conversas do passado, é que a associação sempre pediu a expansão da oferta de energia para o mercado livre, mas sempre teve uma certa dificuldade para dizer ao MME como isso poderia acontecer. Na conversa com Barata, houve um passo à frente por parte dos comercializadores, que apresentaram o desenho de projeto piloto de financiamento envolvendo o BNDES.
Dentro do projeto piloto, seria formado um pool de comercializadores para transacionar a energia no mercado e oferecer PPA´s (Power Purchase Agreement, contratos de suprimento firmados pelos geradores) de suporte para o projeto. Esses contratos estariam naturalmente alinhados com a realidade do mercado e eventuais riscos seriam assumidos pelo pool de comercializadores.
Poderia ser assinado, por exemplo, um PPA inicial de 3 a 5 anos após o início da operação comercial, destinado a assegurar a cobertura da dívida nos primeiros anos do projeto piloto. Desse modo, a fiança bancária apresentada pelo pool seria equivalente ao valor da receita do PPA. Também poderia ser oferecido um PPA de sustentação para o período restante do financiamento do projeto.
Em relação à organização do próprio pool, a proposta já avançou bastante. Já está definido que o grupo será auto-regulado, com solidariedade entre as partes. O pool poderá ou não ser investidor do projeto piloto. E o BNDES terá critérios próprios para avaliação dos comercializadores que integrarão o pool, passando por informações que considerem, por exemplo, o volume de energia comercializado, o faturamento, o Patrimônio Líquido, a política de gestão de riscos e o tempo de atuação no mercado.
Este site também apurou junto a um dos participantes da reunião com Barata que, desta vez, a Abraceel não saiu frustrada do MME e acredita que o secretário-executivo realmente se interessou pela proposta preliminar.
A mesma fonte explicou que existem várias vantagens que são claras. Em primeiro lugar, a proposta está compatível com as melhores práticas internacionais. Além do mais desonera o Estado da obrigação de expandir a oferta somente através do mercado regulado, como ocorre hoje, lembrando que estamos vivendo um período de vacas magras em relação a recursos públicos. Outra vantagem consistiria no aproveitamento imediato da oferta já outorgada, em um volume nada desprezível de 4,2 GW. E, do ponto de vista da Aneel, haveria uma ampliação da modicidade tarifária e de preços, introduzindo um forte viés de competição no mercado.