Pela transparência no CMSE
O setor elétrico brasileiro convive com algumas situações ambíguas. Uma delas é a tal da transparência, sempre cantada em prosas e versos. Praticamente em todas as manifestações, tanto o ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho Filho, quanto o secretário-executivo, Paulo Pedrosa, mencionam a transparência como uma das principais conquistas da atual gestão.
É verdade que houve um notável avanço em relação ao período petista, quando as decisões eram tomadas de cima para baixo, sem qualquer satisfação aos agentes, como não acontecia nem durante o regime militar. Mas equivocam-se aqueles que consideram que, hoje, vivemos no paraíso. Ao contrário, não é lá essa Brastemp e a gestão do SEB ainda tem muito chão pela frente para conquistar níveis ideais de transparência.
É por isso que este site chama a atenção para o projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que visa à aprovação da portabilidade da conta de luz. Trata-se de uma iniciativa que democratiza de forma radical as relações de consumo no setor elétrico brasileiro, trazendo os consumidores brasileiros para o século atual.
Não há dúvida que, quando falta clareza nos procedimentos, a primeira vítima é sempre o consumidor. O PL tem vários méritos e na sua essência corrige uma flagrante injustiça que existe no Brasil, em que o consumidor de serviços de telecomunicações, por exemplo, tem todo o direito de optar pelo supridor, enquanto o pobre consumidor de serviços de energia elétrica ainda é escravo das suas distribuidoras, como já ocorre há dezenas de anos, ignorando todos os avanços da sociedade ao longo da História.
Na área de Telecom, se o usuário não está satisfeito com uma determinada operadora de telefonia celular ou então se a outra operadora tem um plano mais atraente, simplesmente troca de operadora. Isso é a portabilidade.
Mas na área de energia elétrica isso é impossível. São apontados mil argumentos para torpedear o projeto da portabilidade da conta de luz, como se os consumidores brasileiros fossem idiotas que não sabem qual é o jogo que está sendo efetivamente jogado.
Entretanto, um técnico qualificado da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (Erse), de Portugal, fez uma apresentação na Aneel, no dia 21 de junho, e mostrou que em seu país qualquer consumidor tem o direito de escolher o supridor de energia e pode, sem qualquer dificuldade, fazê-lo até pelo celular. Não se trata de uma piada de português.
Em 2020, a Erse — que é uma agência que combina as atividades da Aneel e da ANP, no Brasil — pretende que essa troca possa ocorrer no prazo máximo de 24 horas, o que dá uma ideia de como o consumidor brasileiro ainda vive numa espécie de idade da pedra e como os seus direitos de escolher estão sendo negados.
Por sinal, dentro do PL da Portabilidade há dois itens que aumentam enormemente a transparência no SEB. Um deles altera o art. 14 da Lei nº 10.848/2004 e indica que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), uma caixa preta gerenciada pelo MME para administrar o dia a dia do setor elétrico, passará a ser integrado pelos representantes do ONS, Aneel, CCEE e EPE, mas, também, pelos representantes dos agentes de geração, distribuição, transmissão, comercialização e consumo.
Isso significaria um avanço e tanto. Afinal, o CMSE toma decisões que impactam fortemente o mercado, mas dele participam apenas especialistas direta ou indiretamente vinculados ao Governo. Então, sem pauta previamente definida e sem testemunhas que possam contestar, eles dizem o que querem. E tomam as decisões que querem.
Ao final da reunião do CMSE é distribuído um comunicado chinfrim, que mais parece uma ordem do dia do comandante do Exército. Depois é disponibilizada uma ata oficial da reunião.
A isso a gestão atual do MME chama de transparência no CMSE, o que é totalmente ridículo. Eventuais contestações, apenas a posteriori, depois do leite derramado. O PL corrige essa tremenda falta de sensibilidade e tenta colocar os agentes dentro da reunião, de forma permanente.
Além disso, o PL prevê que as pautas do CMSE precisam deixar de ser segredo de Estado e precisam ser definidas e tornadas públicas previamente. Quanto à reunião propriamente dita do CMSE, que é mensal, o PL estabelece que devam ser transmitidas ao vivo pela internet, exatamente como a Aneel, aliás, já faz, há vários anos, com as suas reuniões semanais de diretoria.
A Aneel tem também o mérito de publicar a pauta da reunião da diretoria…com uma semana de antecedência. Então, não é um bicho de sete cabeças, mas em relação ao CMSE isto também é impossível de ser feito, pois à burocracia do MME só interessam o controle e a dependência. É fundamental que todos tenham consciência que é necessário, sim, acabar com esse simulacro de transparência e democratizar, sim, o acesso ao CMSE.
O cidadão que usa a energia elétrica na sua residência e que mensalmente paga a sua conta de luz sequer imagina o que tem por trás daquele pedaço de papel. São interesses gigantescos, envolvendo bilhões de reais e decisões corporativas que não encontram muito paralelo em outras áreas da economia. Dentro do CMSE giram informações que levam o dinheiro de um lado para o outro no setor elétrico, fazendo com que as empresas percam e ganhem em larga escala.
Este site apóia a portabilidade na sua totalidade e também está do lado daqueles que querem um fim nos segredos que tramitam dentro do CMSE. É preciso limitar os poderes da tecnoburocracia e fazer com que a informação seja democratizada entre todos os agentes, principalmente os consumidores.