AP mostra conflitos entre agentes quanto à GD
Maurício Corrêa, de Brasília —
Uma audiência pública aberta pela Aneel com objetivo de analisar a possibilidade de elevação de 3 para 5 MW do limite de potência de minigeração distribuída a partir de fonte hidráulica mostrou, na sessão pública realizada nesta quinta-feira, 20 de julho, que as enormes perspectivas de expansão do mercado de GD, nos próximos anos, aguçou o olho grande dos agentes econômicos. Ninguém que está nesse negócio está a fim de perder fatias do mercado atual e, ao contrário, todo mundo quer garantir as condições de alavancagem para colher os frutos que virão já no médio prazo.
Na AP, ficou claro que todos os segmentos estão dispostos a defender os seus espaços atuais com unhas e dentes. Até agora, era mais ou menos evidente que o grande adversário comum da geração distribuída era a distribuição de energia elétrica, que já está perdendo muito dinheiro com a intensa migração de consumidores cativos para o mercado livre e não gosta de pensar no que acontecerá, dentro de poucos anos, com os eventuais impactos que as concessionárias de distribuição terão graças ao crescimento da GD.
Eugênio Amaral Arantes, da Cemig Distribuição, falou em nome da empresa durante a sessão pública. Ele disse que a concessionária mineira quantificou as perdas que terá com centrais geradoras que façam opção pelo negócio da geração distribuída. Deixarão de entrar nas contas da Cemig cerca de R$ 52 milhões a cada ano, só com a operação de 22 usinas conectadas como produtores independentes de energia. Luiz Ricardo Leonel, representante da Energisa, um grupo de distribuição, foi coerente ao pedir à Aneel que não aumente a potência da minigeração de fonte hidráulica de 3 para 5 MW.
Rodrigo Sauaia, presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) defendeu o seu setor contra os argumentos formulados pelos dirigentes de pequenas usinas hidrelétricas, mas, ao final da sessão, aparentemente estava surpreso com a forma organizada como os executivos da área hidráulica se mobilizaram para a audiência pública, comparecendo em larga escala. “Vejo de forma muito positiva esta enorme adesão, agora, dos geradores hidráulicos à geração distribuída”, argumentou em conversa com o “Paranoá Energia”.
Em sua contribuição, a Absolar demonstrou preocupação com o aprimoramento dos modelos de reunião de consumidores para a geração compartilhada. Nas contas da associação, o número de sistemas de micro e minigeração distribuída é ligeiramente superior ao da Aneel (12.357 contra 11.220). Dos atuais 12.357 sistemas de micro e minigeração distribuída, apenas 849 (7%) são caracterizados como auto-consumo remoto, 23 (0,2%) como geração compartilhada e apenas um (0,008%) como empreendimento de múltiplas unidades consumidoras.
Existem outras situações que, na avaliação da Absolar, contribuem para dificultar a expansão da GD. Por exemplo: complexidade jurídica e comercial nos modelos de consórcio e cooperativa; restrições à participação de consumidores (atualmente, somente aqueles reunidos como pessoas físicas, na forma de cooperativas, ou jurídicas, na modalidade de consórcios, separadamente).
Nesse contexto, Rodrigo Sauaia acredita que é necessário permitir o surgimento de novos modelos de negócio, fomentando a economia e a geração de empregos de qualidade, como a constituição do condomínio civil voluntário. Além disso, ele acredita que a Aneel poderia aproveitar a AP para efetuar uma correção do cálculo de créditos acumulados, levando em consideração o custo de disponibilidade, o que beneficiaria os consumidores.
“O cálculo atual gera uma perda indevida de créditos. Nos casos dos consumidores de baixa renda, isso pode inviabilizar integralmente a microgeração distribuída”, declarou. Para o presidente da Absolar, a agência reguladora também poderia examinar a possibilidade de compartilhamento de créditos entre unidades consumidoras de diferentes áreas de concessão na mesma Unidade da Federação.
“A audiência pública é um momento interessante porque aprendemos sobre as diferentes visões e argumentos dos agentes do setor. Embora a Absolar tenha apresentado aqui um posicionamento preliminar dos seus associados, vamos aprofundar o debate até a data final de oferecimento de contribuições à AP, que é 04 de agosto, para amadurecer a análise da Absolar”, afirmou ao site “Paranoá Energia”.
Em sua manifestação oral, Sauaia assinalou que a preferência da Absolar é pela alternativa 3 da proposta feita pela Aneel, que consiste na elevação do limite de 3 para 5 MW, vedando a participação de usinas já existentes no Sistema de Compensação de Energia Elétrica aplicável a unidades consumidoras com micro ou minigeração distribuída.
Embora de maneira mais discreta, Hugo Albuquerque, representante da Canadian Solar na AP, afirmou que a empresa tem cerca de R$ 2 bilhões investidos no Brasil, possuindo uma fábrica na cidade paulista de Sorocaba que tem capacidade para produzir 400 MW por ano na forma de placas fotovoltaicas. Na sua avaliação, não tem qualquer sentido fazer, agora, uma discussão que está prevista para 2019, que é o prazo dado pela própria agência reguladora para efetuar a revisão da resolução da Aneel que trata da geração distribuída . “Isso só causa insegurança jurídica”, explicou Albuquerque.
Curiosamente, esse risco da insegurança jurídica foi o mesmo argumento utilizado por outros expositores na sessão pública da AP. Alguns, que defendem usinas já existentes, entendem que a Aneel introduz uma farta insegurança jurídica ao sugerir na nota técnica da AP 037 que apenas novas usinas hidráulicas possam aumentar a potência de minigeração distribuída de 3 para 5 MW.
Lívio Costa Recedive, representante do Grupo Bom Futuro, de Mato Grosso, defende a isonomia no tratamento às Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGH´s). O Grupo Bom Futuro é um gigante sob qualquer ângulo que é analisado. Controlado por Eraí Maggi Scheffer, um primo do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, possui várias fazendas no estado de Mato Grosso, produzindo 1,5 milhão de toneladas por ano de grãos (soja, arroz, feijão e milho), além de quase 200 mil toneladas de pluma de algodão. Ele entende que a falta de isonomia gera instabilidade regulatória e prejudica os investidores.
Em 2012, a Aneel criou o Sistema de Compensação de Energia Elétrica. A minigeração distribuída era aplicável a fontes hidráulicas, solar, eólica, biomassa ou cogeração com potência inferior a 1 MW. Três anos depois, o limite de potência passou para 3 MW no caso da fonte hidráulica e 5 MW para as demais fontes.
Em maio passado, o diretor André Pepitone, da Aneel, pediu abertura de processo de audiência pública para analisar a alteração de 3 para 5 MW na potência máxima de centrais hidráulicas. A nota técnica que lastreou a AP sugeriu três alternativas: 1. Manutenção dos limites atuais de enquadramento como minigeração distribuída; 2. Elevação de 3 para 5 MW, permitindo que quaisquer centrais de geração (existentes ou não) possam participar do Sistema de Compensação: 3. Elevação do limite de 3 para 5 MW, vedando a participação das usinas já existentes no Sistema de Compensação.
Na sessão desta quinta-feira, o superintendente de Gestão Tarifária da Aneel, Davi Antunes Lima, mostrou que existem no Brasil 11.220 unidades solares fotovoltaica, com potência de 89.288 kW. No total, a GD representa 11.335 unidades, com um total de 128.050 kW. Ou seja, há um enorme descompasso entre as fontes de energia, devido ao fator de capacidade de cada uma.
Se apenas oito usinas hidráulicas de 5 MW cada passarem a integrar o Sistema de Compensação, o impacto na redução do mercado das distribuidoras seria equivalente ao impacto provocado por todos os atuais 11.220 sistemas solares fotovoltaicos que existem no País e que se amparam na Resolução 482 da Aneel.
Cleber Antônio Leites, diretor de CGH´s da Associação Brasileira de PCH´s e CGH´s (AbraPCH), também disse que “a isonomia é a base de tudo”. Ele acredita que seria muito mais fácil e racional deixar o próprio mercado fazer as suas opções na hora de comprar energia, sem tanta interferência da agência reguladora. “O que nos incomoda é a discriminação. Toda hora tem alguém querendo pisar em cima da gente”. Naturalmente, a AbraPCH dá o seu apoio à alternativa número 2 da Aneel.
Segundo Leites, a Aneel diz que existem no Brasil 614 CGH´s, mas esse número não corresponderia à realidade, pois muitas usinas de pequeno porte estão abandonadas e viraram sucata. Na faixa de 3 a 5 MW, segundo ele, há apenas 16 CGH´s, com potência total instalada de 52,76 MW, o que representaria somente 0,034% da carga instalada do País, o que é uma ninharia.
Ele rejeita uma prática constante de se comparar as fontes hidráulica e solar. “A solar pode ser colocada em qualquer lugar, nas proximidades dos centros de carga. No caso da CGH, não dá para colocar uma cachoeira em qualquer lugar. A mesma coisa ocorre com as eólicas, que precisam ter os ventos bem localizados”.
O diretor da AbraPCH assinalou que muitos empreendedores investiram pesadamente em CGH´s, com base na Resolução 482 da Aneel. “Agora, quatro meses depois, vem a Nota Técnica 068. Ao vedar a participação de empreendimentos existentes, cria-se uma reserva de mercado anti-isonômica, para que só proprietários de novos empreendimentos hidráulicos possam participar do processo”. Para Leites, o mais razoável, agora, seria simplesmente manter a regra do jeito que está.
Leonardo Sant`Anna, presidente executivo da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), que exerce atividades similares à AbraPCH, também defendeu as CGH´s utilizando o mesmo princípio da isonomia.
Os benefícios das pequenas centrais, na sua concepção, são evidentes, pois elas se localizam nas proximidades dos centros de carga, geram energia de forma intermitente e com menor impacto ambiental, sem contar que os equipamentos de uma CGH podem ser totalmente comprados no Brasil. “Os benefícios técnicos das CGH´s já existentes estão alinhados com o objetivo principal da geração distribuída”, garantiu Sant`Anna.
O diretor-relator Reive Barros, da Aneel, tem um trabalho difícil pela frente, na medida em que precisará invocar o apoio dos deuses para equilibrar todos os interesses empresariais da melhor maneira possível, sem esquecer do principal alvo da agência, que teoricamente deve sempre ser o consumidor.
Nesse quadro em que usinas novas brigam com usinas já existentes e em que os dois tipos de usinas hidráulicas brigam com as usinas solares e todas elas brigam contra as distribuidoras, não será fácil encontrar uma decisão consensual. “É natural que cada segmento avalie o impacto regulatório. A nossa missão é fazer com que o mercado se desenvolva da melhor forma. Circunstancialmente, hoje temos dificuldades, mas o País sempre precisará de energia para crescer”, disse Barros.
“Vamos examinar as melhores alternativas”, garantiu o diretor. Ele lembrou que, há 15 anos, para escoar 1 MW de energia era necessário apenas 0,8 km de linha. Hoje, é preciso 1,2 km de linha, o que significa que as áreas de consumo não apenas cresceram, como também ficaram mais distantes da geração.
“Precisamos tomar decisões equilibradas, que tenham estabilidade regulatória e jurídica. É o que a agência busca para os empreendedores e os consumidores”, disse Reive Barros.