Abrace contesta Aneel pelas tarifas de transmissão
Maurício Corrêa, de Brasília —
Um dos pilares do novo modelo do setor elétrico, que está sendo proposto pelo Ministério de Minas e Energia, é a retirada das medidas judiciais que travaram o mercado nos últimos anos, em conseqüência dos nós produzidos pela MP 579. Mas, se depender dos grandes consumidores industriais, o sonho da chamada desjudicialização pode não se concretizar, pois esses agentes não abrem mão de contestar na Justiça aquilo que consideram um erro da Aneel ao atribuir valores indevidos nas faturas que são cobradas pelas transmissoras.
Nesta segunda-feira, 14 de agosto, a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) explicou que o aumento na receita de transmissoras gerará um custo adicional de quase R$ 10 bilhões às contas de energia dos consumidores, tanto no mercado cativo quanto no livre, só no atual exercício.
Segundo o presidente da associação, Edvaldo Santana, as indústrias de grande porte estão preocupadas com a pressão do custo da energia sobre a competitividade. A partir de agosto, começa a vencer a fatura das indenizações para as transmissoras. Nas contas da Abrace, esse valor é quase 100 vezes maior do que o aumento provocado pela bandeira vermelha, que passou a ser acionada neste mês, aumentando as tarifas de energia em todo o Brasil.
Santana, a diretora de Energia Camila Schoti e o advogado Julião Coelho apresentaram os argumentos que, no entendimento da Abrace, representam inconsistências que vêm sido contestadas judicialmente por diversas associações industriais desde o início do ano.
No entendimento da associação, houve equívocos na metodologia de cálculo da Aneel, para tratar da indenização a ser paga às transmissoras pelos ativos das empresas em decorrência da aplicação da MP 579. Segundo a MP — uma das decisões mais polêmicas adotadas durante todos os anos da gestão petista —os ativos de transmissão em vigor até maio de 2000 não seriam objeto de indenização. Nesse contexto, a expectativa das transmissoras de receber alguma coisa então era igual a zero. Aí, por pressão das empresas de transmissão, teria começado a grande confusão.
Para a Abrace, houve mudanças que não se justificaram no arcabouço legal e aquilo que era zero em um belo dia virou R$ 62 bilhões, a serem transferidos dos bolsos dos consumidores para os cofres das transmissoras, beneficiando principalmente as empresas que integram o Sistema Eletrobras, que a princípio ficariam com 2/3 dos R$ 62 bilhões. “Não se pode resolver o problema da Eletrobras com o consumidor pagando a conta”, reclamou Edvaldo Santana.
Ele argumentou que há uma sucessão de erros clamorosos, que estão sendo contestados judicialmente pela Abrace. Na sua avaliação, a Aneel teria atribuído a Furnas — uma subsidiária da Eletrobras — um crédito de R$ 9 bilhões, por ativos que, no máximo, com valores atualizados monetariamente, somariam cerca de R$ 3,8 bilhões. Ele disse que foi reclamar com os técnicos da agência reguladora — da qual, aliás, foi diretor — e a resposta que ouviu foi a seguinte: “Furnas errou a conta. O número certo é o nosso”.
Essa questão de valores indevidos atribuídos às transmissoras foi discutida, na quinta-feira passada, 10 de agosto, em um encontro na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com diversas associações industriais que estão em alerta com o aumento do custo da energia para o setor produtivo.
Segundo o presidente da Abrace, o novo modelo acena com “mudanças promissoras” nas normas que regem o setor elétrico como um todo. Ele lembrou, entretanto, que, embora os agentes econômicos queiram um novo modelo e estejam torcendo pela implementação dessas normas, não há nada na proposta apresentada pelo Ministério de Minas e Energia que faça com que os grandes consumidores industriais possam deixar de discutir uma questão desse tamanho no âmbito judicial.
O advogado Julião Coelho afirmou que o Governo reconheceu uma dívida que não existia e transferiu o pagamento para os consumidores ao longo de 30 anos. E usa um verbo pesado: ele entende que as empresas de transmissão fraudaram os dados passados à agência reguladora. “Não temos que pagar nada. O custo não é do consumidor”, afirmou o advogado, lembrando que a Cia. Siderúrgica Nacional (CSN) já está de posse de uma liminar que a dispensa desse tipo de pagamento.
Edvaldo Santana informou ainda que, na próxima semana, a Abrace, além da discussão na esfera judicial, pretende protocolar uma iniciativa junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), chamando a Corte para a briga. Para o advogado Julião Coelho (que também já trabalhou na Aneel), o diretor-geral da agência, Romeu Rufino, é o mentor intelectual da Portaria 120 do MME, de 2016, que sacramentou todos esses erros. “Alguma explicação ele tem que dar”, alegou Coelho.