Proposta para abrir o mercado de energia é tímida
Walfrido Avila (*)
A proposta de reforma que se encontra em debate no setor elétrico traz alguns pontos importantes para o segmento de energia, como a proposição de abertura do mercado livre, que, segundo o documento divulgado em julho pelo Ministério de Minas e Energia (MME), deverá acontecer parcialmente entre 2020 e 2028 para consumidores de baixa tensão. A proposta é, contudo, inexplicavelmente tímida para o mercado livre.
Alguns pontos cruciais que demandam atenção, e têm solução relativamente simples, ainda estão fora dos debates. Um exemplo claro é a questão da inadimplência nas liquidações da CCEE, causada por problemas que não são relacionados aos contratos de compra e venda no mercado livre.
Hoje entram no mesmo “pacote” da liquidação dos contratos outras questões como por exemplo a perda de garantia física pelas usinas hidráulicas na aplicação do GSF,incrivelmente até o custo do combustível para operação das térmicas, a judicialização envolvendo encargos setoriais e diversos outros itens de interesse exclusivo do setor regulado, mas que acabam impactando economicamente os agentes do ambiente de contratação livre.
Nesta forma, mesmo os integrantes mercado livre (comercializadores, consumidores livres e especiais e alguns geradores) não tendo influência ou participação na maioria das questões referidas acima, eles acabam sendo os maiores impactados pela inadimplência financeira da CCEE, desmotivando e travando o mercado.
Efetuar a liquidação de contratos de energia em separado seria uma medida simples para resolver isso e destravar de imediato o mercado livre, evitando que os custos de riscos hidrológicos e brigas judicias sobre encargos afetem financeiramente agentes isentos de culpa. Esta medida inclusive já encontra modelo em outros procedimentos da própria Câmara (como por exemplo no tratamento das cotas).
Ademais, em relação à timidez da reforma, avaliamos que é possível sim realizar imediatamente a abertura mais ampla do mercado, de modo que já em 2018 a totalidade dos consumidores do mercado brasileiro de energia elétrica possa ter a opção de aderir ao mercado livre.
É fato que desde o seu surgimento o mercado livre já proporcionou uma economia para os consumidores que dele fazem parte da ordem de R$ 70 bilhões, o que significa uma redução anual, na média, de 21% nos custos da energia. Então, por que razão a energia livre, que é tão positiva para os consumidores livres, não pode ser repassada à totalidade dos consumidores, acabando-se de uma vez com a atual restrição que impede os considerados cativos de usufruir desse benefício?
Além disso, não abrir integral e rapidamente o mercado representa ampliar o atraso em relação a outras nações. Países desenvolvidos como EUA (vários estados), Austrália e Nova Zelândia já escolhem seus fornecedores em suas residências. Assim, mesmo se abrirmos totalmente o mercado em 2018, ainda estaremos atrasados perante o mundo desenvolvido, com o qual queremos competir para retomada da nossa indústria e comércio, visando o pleno emprego e aumento de renda.
Se é assim, por que esperar mais dez anos, até 2028? Não podemos ficar amassando barro em relação ao mercado livre, quanto mais em relação à abertura, que já era prevista lá no início, há 20 anos.
Enquanto o Governo se mostra excessivamente cauteloso e teme claramente escancarar o mercado, os próprios agentes do mercado revelaram que estão à frente do Governo e desejam a ampliação do mercado livre, conforme revela recente trabalho da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), que cruzou as contribuições encaminhadas ao MME no âmbito da Consulta Pública nº 33 e concluiu que há uma total receptividade à ideia de abertura do mercado livre de energia elétrica no Brasil.
Esse mapeamento de 50 contribuições enviadas ao MME englobou 21 associações setoriais, sete formadores de opinião, 18 grupos empresariais privados e públicos, três entidades setoriais (Aneel, CCEE e ONS) e até mesmo a proposta de um ente governamental, no caso o Ministério da Fazenda. Mesmo assim, não foi registrada uma única manifestação sequer contrária à expansão da energia livre. Pelo contrário, 74% das contribuições analisadas se posicionaram favoravelmente à abertura, enquanto 24% não se manifestaram e 2% optaram pela neutralidade na resposta.
O cruzamento das informações indicou também que, além de serem favoráveis à abertura do mercado, os agentes querem que isso ocorra de forma mais rápida. Além disso, 54% das contribuições analisadas são favoráveis à formação de preços por oferta e 56% são favoráveis à implementação de preços horários. A conclusão foi que “em linhas gerais, as contribuições vão em direção à abertura do mercado, com ênfase sobre a necessidade de discussão durante o processo de regulamentação dos temas e obrigatoriedade de concatenação das datas, o que está alinhado às premissas da Abraceel”.
Nesse contexto, embora mereça aplausos a decisão de modernizar o setor elétrico brasileiro, o Ministério de Minas e Energia poderia refletir mais profundamente a respeito do tema, antes de encaminhar a sua proposta ao Palácio do Planalto.
Concluímos portanto ser possível, sim, antecipar o cronograma e abrir totalmente o mercado brasileiro de energia elétrica, da mesma forma como já ocorreu em outros países. Nesses lugares, não houve qualquer tipo de problema quando isso aconteceu. Por que afinal há tanto receio para se tomar uma decisão semelhante no Brasil?
(*) Walfrido Avila é presidente da comercializadora Tradener.