A salvação da lavoura é mesmo a China
Maurício Corrêa, de Brasília —
A assinatura do contrato de concessão das usinas de Jupiá e Ilha Solteira, entre o Ministério de Minas e Energia e a China Three Gorges, ocorrida em 05 de janeiro, em Brasília, mostrou que a China é mesmo a salvação da lavoura para a combalida economia brasileira.
Nessa cerimônia, ficou claro o cuidado diplomático que o Brasil teve para receber os chineses. Para começar, o MME dividiu em duas partes a assinatura dos contratos de concessão da geração referentes ao leilão realizado em novembro do ano passado: às 14h30m, foram recebidos os executivos da italiana Enel e de quatro empresas brasileiras (Copel, Cemig, Celesc e Celg). No final da tarde, em separado, foi a vez dos chineses, que contou, inclusive, com a presença do embaixador José Antônio Marcondes de Carvalho, que é um funcionário graduado do Itamaraty e responsável, na Casa, pelas áreas de Energia, Meio-Ambiente, Ciência e Tecnologia.
Enquanto o ministro interino Luiz Eduardo Barata, do MME, e o Sr. Lu Chun discursavam, o computador projetava na tela as bandeiras do Brasil e da China, com destaque para um “Welcome Mr. Lu Chun and delegation”.
Em seu discurso, de teor bem diplomático, o ministro Barata lembrou que as usinas de Jupiá e Ilha Solteira têm localização estratégica de primeira linha, pois estão próximas dos principais centros de carga do País. Disse que o Brasil está trabalhando para superar vários desafios, mas garantiu que o risco de déficit de energia é igual a zero. Admitiu que a segurança energética ainda representa o nosso principal mantra, mas que o Governo brasileiro se preocupa com a existência de um sistema elétrico cada vez mais robusto, competitivo e caracterizado por custos declinantes.
Depois de explicar aos chineses que a energia, no Brasil, está contratada aos geradores até 2020, deixou claro que o capital estrangeiro é importante e muito bem-vindo. Apesar do cenário, garantiu que o Brasil continua sendo uma das regiões do Planeta que mais atraem investimentos estrangeiros diretos (IED). No Brasil, em 2014, segundo Barata, o Brasil recebeu US$ 62 bilhões na conta dos IED. Aqui estão grandes players — citou vários países que têm empresas no setor elétrico brasileiro — e destacou a participação da CTG nesse grupo bastante seleto. “Temos uma forte e promissora parceria que só engrandece o Brasil”, afirmou o ministro.
Terminada a cerimônia, em uma rápida entrevista à imprensa, o ministro interino de Minas e Energia explicou que o Governo brasileiro fez um “road show” por vários países, com objetivo de sensibilizar investidores para as oportunidades que existem no setor elétrico brasileiro. “Isso leva tempo para que a receptividade se transforme em investimentos”, afirmou Barata,. Ele não aceitou a provocação de um repórter, que perguntou se o setor elétrico brasileiro era uma ilha de paz e prosperidade no meio de uma economia em frangalhos e sem credibilidade. Para o ministro, o Brasil é efetivamente possuidor de um setor elétrico de qualidade, razão pela qual atrai naturalmente a atenção de investidores. “A participação estrangeira é muito bem-vinda”, disse.
Quanto aos chineses, eles também capricharam na parte que lhes coube no script. A comitiva que compareceu ao MME era constituída por 22 pessoas, sendo 18 chineses e 4 executivos brasileiros. Mas a comitiva era importante não apenas pela quantidade, mas, também, pela qualidade, pois quem a chefiava era nada mais e nada menos que o Sr. Lu Chun, o poderoso presidente do Conselho da China Three Gorges Corporation, que é um executivo de altíssimo coturno na estrutura do poder na China.
No Brasil, se costuma dizer que a CTG é uma espécie de Eletrobras chinesa. Na teoria até pode ter alguns traços da estatal brasileira, mas, na prática, a estatal chinesa é muito mais do que isso. O relatório anual de 2014 (o último disponível na internet) revela que a jóia da coroa da CTG de fato é a gigantesca hidrelétrica de Three Gorges, da qual herdou o nome. A empresa, afinal, foi criada para desenvolver o projeto e construir a hidrelétrica no rio Iangtsé, que rivaliza em tamanho e capacidade instalada com a binacional Itaipu.
Além de possuir várias hidrelétricas em território chinês, a CTG também é dona de 57 usinas eólicas e de geração solar fotovoltaica, estando presente em 16 províncias chinesas (dados de 2014). Mas verdadeiramente o que diferencia a CTG da Eletrobras é a sua atuação internacional. Enquanto a estatal brasileira timidamente desenvolve alguns projetos em poucos países, sendo inclusive mal compreendida no Brasil pelas iniciativas externas, a empresa chinesa desenvolve, constrói ou é proprietária de projetos de geração elétrica em praticamente todo o mundo, entre os quais o Brasil, Portugal, Paquistão, Burma, Laos, Nepal, Rússia, Indonésia, Grécia, Estados Unidos, Austrália, República Democrática do Congo, Moçambique, Equador e Peru. É uma multinacional de atuação global, sem comparação com qualquer empresa brasileira.