A contratação via Geração Distribuída
Zilmar José de Souza (*)
No Estado de São Paulo, a energia produzida para a rede elétrica pela fonte biomassa tem contribuído para diminuir a dependência da geração importada de outros estados. Em 2016, de acordo com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o Estado que mais gerou bioeletricidade foi justamente São Paulo com uma produção de 11.845 GWh, responsável por 50% do volume total para a rede ano passado.
Apesar deste desempenho significativo pela fonte biomassa, o aproveitamento da bioeletricidade ainda está bem distante de seu potencial pleno, mesmo no Estado de São Paulo. A partir de coeficientes técnicos apresentados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) na proposta de Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2026), podemos estimar um potencial técnico de geração para a rede elétrica, apenas pela bioeletricidade sucroenergética no Estado de São Paulo, de aproximadamente 83 mil GWh em 2016.
Trata-se de um potencial técnico calculado com uma biomassa já presente nos canaviais paulistas, com base na safra passada paulista, da ordem de 366 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, 56% do total da cana processada no país. Ou seja, sem aumentar um pé de cana no Estado de São Paulo, o potencial técnico da bioeletricidade sucroenergético para a rede seria equivalente a 65% do consumo total de energia elétrica naquele Estado, no ano passado.
O Estado de São Paulo importa mais de 60% da energia elétrica necessária para seu consumo, segundo a Secretaria de Energia e Mineração daquele Estado. O potencial técnico da bioeletricidade sucroenergética ofertada à rede seria superior ao total da importação de energia elétrica para atender o Estado de São Paulo, responsável sozinho por 28% do consumo nacional de energia elétrica ano passado.
Por outro lado, o cálculo revela que estamos aproveitando menos de 15% do potencial técnico da bioeletricidade sucroenergética no Estado de São Paulo. Este potencial subaproveitado demonstra uma singular oportunidade de se estruturar um programa de retrofit do parque instalado e de aproveitamento da palha e do biogás, na linha do que poderia ser chamado de “Expansão Dirigida” no PDE 2026, na qual se incorporam políticas energéticas relativas ao desenvolvimento de determinada fonte de geração.
Além do mais, esses dados, ainda que teóricos, indicam que a opção exclusiva por leilões nacionais no Ambiente de Contratação Regulada (ACR), sem uma correta avaliação dos atributos de uma fonte de geração distribuída, como é a bioeletricidade sucroenergética, amplia a necessidade de investimento em transmissão elétrica e o nível global de perdas no sistema, apenas para ficar em alguns aspectos geo-elétricos.
Uma iniciativa que poderia promover um maior aproveitamento integrado e regional dos recursos energéticos seria revisitar o conceito de Geração Distribuída como modalidade de contratação pelas distribuidoras de energia elétrica, estabelecido pela Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004, e regulamentado pelo Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004.
Desde 2004, na forma de chamadas públicas, as distribuidoras podem contratar até 10% da demanda por energia a partir de empreendimentos de geração distribuída que estejam conectados em sua área de concessão. Porém, esta modalidade de contratação raramente foi utilizada pelas distribuidoras justamente pelo arranjo institucional e regulatório praticamente indicar a opção exclusiva por leilões nacionais no Ambiente de Contratação Regulada (ACR).
Em 2016, de acordo com a Secretaria de Energia e Mineração do Estado de São Paulo, com 18,4 milhões de consumidores, as distribuidoras de energia elétrica que atuam no Estado de São Paulo distribuíram 127.065 GWh. Considerando este volume de demanda gigantesco no Estado de São Paulo, se as usinas sucroenergéticas paulistas fossem estimuladas a atender até 10% da demanda dessas distribuidoras, a produção de bioeletricidade para a rede poderia mais do que dobrar em relação à atual geração no Estado de São Paulo.
Em julho deste ano, o Ministério de Minas e Energia (MME) abriu a Consulta Pública no 33, na qual foi apresentada uma ampla proposta de aprimoramento do marco legal do setor elétrico. O resultado servirá de base para futuros regulamentos como, por exemplo, uma Medida Provisória ou Projeto no Legislativo para a modernização institucional do setor elétrico brasileiro.
Considerando que a proposta de marco regulatório ainda está em análise, temos uma grande oportunidade de resgatar o conceito de Geração Distribuída como modalidade de aquisição de energia para atender às distribuidoras locais, tirando esta forma de contratação do papel e estimulando o desenvolvimento dos potenciais regionais de geração, como é a bioeletricidade no Estado de São Paulo.
O redesenho da modalidade de contratação da Geração Distribuída, com valores de referência específicos adequados para as fontes renováveis distribuídas, que incorporem seus atributos nos respectivos preços, e um programa robusto de contratação em estados onde há potencial de oferta e demanda (como é São Paulo) seriam extremamente benéficos não somente para o aproveitamento energético dos recursos energéticos locais, mas para o Sistema Interligado Nacional como um todo.
No âmbito da proposta de reforma do atual modelo do setor elétrico e sem descartar a contratação centralizada em grandes leilões nacionais, revisitar a modalidade de contratação via Geração Distribuída é uma oportunidade para promover o desenvolvimento sustentável regional e integrado à macropolítica energética brasileira.
(*) Zilmar José de Souza é gerente de Bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única).