Royalties sobre as energias renováveis
Raphael Sampaio Vale (*)
Em tempo de estreia de mais um filme da saga Star Wars/Guerra nas Estrelas, lançada em 1977, o tema central é a “eterna” luta entre o lado bom/claro e o lado escuro/negro da “Força”! Essa é a sensação que temos no Setor Elétrico Brasileiro – SEB, uma luta constante.
O lado escuro é aquele que não tem luz, mas tem muita energia, interesses ocultos e com privilégios para poucos. É também complexo e difícil de ser identificado, costuma oferecer soluções e propostas que mascaram as reais intenções.
Já o lado claro é o que luta por interesses comuns e transparentes, mas carece de organização, sofre sabotagem e faltam informações precisas.
O universo dessa batalha é um país que em sua Constituição, de 1988, o petróleo é tratado como ator principal e teve recentemente renovado seus incentivos fiscais ao setor petrolífero! Atitudes como essa são apenas um “episódio” dessa saga que continua com a surpreendente Proposta de Emenda a Constituição (PEC 97/2015) para impor a cobrança de royalties sobre a energia eólica.
Nesse universo, o setor eólico brasileiro é majoritariamente centralizado e tem várias marcas expressivas:
• segundo a Agência Internacional de Energia (IEA – International Energia Agency) em seu relatório “Key World energy statistics 2017” é o 8º país em produção de energia eólica, respondendo por 2,5% da produção global (dados de 2015). Dados mais atuais colocam o Brasil em 7º, tendo ultrapassado o Canadá;
• a Abeeólica – Associação Brasileira de Energia Eólica divulgou que o país ultrapassou o número de 500 parques de geração de energia (503 parques com 6.500 aerogeradores instalados) e um crescimento de sua produção energética de mais de 28% em relação a 2016;
• no dia 16/07/2017 12,6% de toda a energia consumida no Brasil foi fornecida da fonte eólica (dados Abeeólica); e
• No Plano Decenal de Expansão de Energia 2026 a EPE prevê que a geração total de eletricidade Eólica (centralizada) vai crescer dos atuais 6% (33 TWh) para 12% (111 TWh) da geração total no Brasil de energia elétrica.
Em que pese a consolidação e crescimento do setor de energia eólica no Brasil, a Câmara dos Deputados deu seguimento e aprovou na CCJ – Comissão de Constituição e Justiça a PEC dos royalties das energias renováveis.
Vejamos no texto extraído do relatório do Deputado relator Tadeu Alencar, que foi aprovado no dia 06/12/2017 na CCJ – Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados:
“Aduz a referida proposta que a exploração da energia eólica, em especial no litoral brasileiro, gera significativas alterações nas áreas próximas às fazendas destinadas a essa atividade, de modo a limitar a realização de outras atividades econômicas, especialmente o turismo, alterando, ainda, as paisagens naturais e impedindo o acesso aos locais próximos às referidas fazendas.
Aponta, também, que as limitações e restrições impostas pela exploração de energia eólica afetam todo o povo brasileiro, tornando necessário que os responsáveis por tais atividades compensem os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e a União, o que deve ocorrer através de justa participação no resultado econômico auferido, tal como ocorre com a exploração de petróleo ou gás natural e de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica.
A produção de energia eólica deve ser incentivada, por se tratar, reconhecidamente, de uma fonte de energia renovável, que não depende de combustíveis fósseis. Ainda, o Brasil tem imenso potencial para produção dessa energia, o que deve ser explorado. Apesar disso, não se pode negar que a energia eólica tem algum custo, que tem sido suportado apenas pelos entes da federação em que é produzida, sem qualquer forma de compensação.” (grifos nosso)
Porém, o mais absurdo foram as declarações do deputado autor da PEC 97/2015, Heráclito Fortes (PSB-PI):
“‘Esse projeto beneficia o Piauí, o Nordeste e o Brasil. Nós temos áreas onde estão sendo instaladas as torres eólicas e temos áreas com energia solar. O município não recebe nada. Criamos o royalties para beneficiar o município, e surgiu um lobby dizendo que aquilo ia aumentar o preço, pelo contrário, vai diminuir o lucro da empresa. O empresário vai perder uma besteira e os municípios vão ganhar’, disse o deputado.
A proposta foi aprovada por unanimidade e segue agora para uma comissão especial onde será fixado os percentuais que os municípios terão direito. ‘Passou hoje na CCJ, agora será criada uma comissão especial onde será definido o valor. Não estamos preocupados com o vento e sim com as torres e as placas’”.
Algumas declarações do deputado são desprovidas de qualquer razoabilidade e conectividade com o momento que o mundo vive de intensas transformações tecnológicas e inovações inimagináveis a pouco tempo. Realmente nossa representação política, no geral, está envelhecida e parada no tempo, sendo necessária uma reciclagem e atualização.
E mais, nos documentos disponíveis da PEC 97/2015 não há menção expressa sobre a fonte solar de energia. Porém, o deputado em entrevistas sobre a proposta fez referência a energia solar e placas, o que já acende um alerta ao setor de energia solar no Brasil!
O mais “sombrio” nisso é que o mundo todo tem incentivado o crescimento da produção de energias renováveis, inclusive os países produtores de petróleo tem dedicado tempo e dinheiro na transição da matriz energética global. Temos inúmeros exemplo de inovações e realizações nesse sentido:
• O plano energético alemão que prevê 30% da eletricidade gerada por renováveis em 2020 e 80% em 2050;
• Em abril/2017 a Alemanha realizou o 1º Leilão de energia eólica off shore sem subsídios do governo e a Holanda anunciou o mesmo em dezembro/2017;
• Em julho de 2017 a Autoridade de Águas e Eletricidade de Dubai fez a contratação de 200 megawatts de energia solar por 25 anos, com investimento de US$ 1 bilhão;
• A empresa Tesla, que fabrica apenas veículo 100% elétricos;
• Inúmeros fabricantes tradicionais de automóveis já estabeleceram metas de transição do tipo de energia que moverá os seus produtos na próxima década, de combustíveis fósseis para renováveis
• Portugal onde o mercado livre de energia atingiu esse ano mais de 93% do consumo do país e o consumidor escolhe de qual fonte geradora de energia quer consumir;
• A fixação de objetivos vinculativos dos países da União Europeia para a utilização de fontes renováveis de energia, Diretriz nº 2010/31/UE, de 19 de maio de 2010, conhecido como Pacote Energia Clima da UE (20-20-20), consumo em 2020 de 20% de energia de fontes renovareis;
• As políticas de apoio as energias renováveis na California (EUA) para a diminuição da utilização de combustíveis fósseis;
• O compromisso das empresas americanas com a produção de energia menos poluente, independente do governo; e
• No maior “mercado” do mundo, a China, o governo anunciou em setembro/2018 que, a partir de 2019, vai impor metas de vendas domésticas de carros elétricos e híbridos para as montadoras e importadoras de veículos.
Mas no Brasil temos uma boa notícia! A descentralização da produção de energia elétrica nos locais de consumo, pelos próprios consumidores, tem crescido com a chamada Geração Distribuída (GD), regulada pela Resolução Normativa ANEEL 482/2012. Nessa modalidade mais de 99% dos 18.605 prosumidores utilizam a fonte solar fotovoltaica. Apenas 53 utilizam a fonte eólica na produção em GD.
Enfim, num país em que o setor elétrico é extremamente regulado, não transparente, no qual a “poluição” de normas e regulamentos é uma realidade gritante, gerando uma insegurança jurídica maléfica ao país, nos resta identificar e apoiar os projetos de interesse comum, o lado bom da “Força”, o que, definitivamente, não é o caso da PEC 97/2015 dos royalties das energias renováveis.
(*) Raphael Sampaio Vale é presidente da primeira cooperativa brasileira de energia solar, a Coober, constituída em Paragominas (PA).