Inundação de reserva afeta UHE Jirau
O alagamento de uma reserva ambiental na Amazônia ameaça a operação plena da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. O Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, determinou que a concessionária da usina, a Energia Sustentável do Brasil (ESBR), esvazie mais seu reservatório durante o período chuvoso (de dezembro a maio) para evitar novo alagamento do Parque Nacional Mapinguari, em Rondônia. A área de floresta protegida tem 4.047 hectares.
Inconformada, a ESBR recorreu ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão que gerencia as operações do setor. O jornal “Estadão” teve acesso a uma análise do ONS sobre o impacto da medida determinada pelo ICMBio.
Nos cálculos do Operador, a redução da cota imposta ao reservatório de Jirau implicaria na frustração de 4.100 megawatts (MW), energia suficiente para atender 45 milhões de pessoas em um mês. A hidrelétrica tem capacidade instalada para produzir 3.750 MW de energia por mês – o que daria para abastecer 40 milhões de pessoas -, mas a média mensal, que varia conforme o período de chuvas, é de 2.100 MW.
Apesar de a área estar sob embargo, ela segue embaixo d’água. O impasse foi confirmado pelo diretor de criação e manejo de unidades de conservação do ICMBio, Paulo Carneiro. “De fato estamos com esse imbróglio para resolver. No ano passado aconteceu uma inundação acima do normal e isso gerou muitos danos à unidade de conservação, com morte de parte da floresta e, depois, incêndios”, diz Carneiro. “Esse dano é resultado da operação da usina, não apenas da chuva. A realidade é que a cota do reservatório tem extrapolado os níveis previstos e entrado no parque.”
A concessionária nega. A cota, segundo o diretor-presidente da ESBR, Victor Paranhos, sempre respeitou o limite de 90 metros de altura a partir de sua barragem, conforme previsto no contrato de concessão.
Ocorre que, por causa do grande volume de água no Rio Madeira nesta época do ano, no outro extremo do reservatório a cota chega a atingir 94 metros, avançando sobre a unidade de conservação. “Estão nos pedindo para fazer algo que não estava previsto em edital. Não somos o causador do problema, somos a vítima”, afirma Paranhos.
O executivo diz que o leilão da usina ocorreu em maio de 2008, mas o Parque Nacional do Mapinguari só passou a existir um mês depois, em junho, e ainda assim apenas no Estado do Amazonas. Somente em 2010 a reserva seria ampliada até Rondônia, chegando às bordas do reservatório de Jirau, considerando a exclusão da área prevista para alagamento.
Em 2012, houve nova definição de área, incluindo os “efeitos de remanso” de Jirau – o sobe e desce de seu lago. No entendimento do ICMBio, a ESBR não estaria respeitado esses limites. “A discussão sobre a área atingida acontece até hoje. Não há concordância sobre a área inundada”, diz Carneiro.
No ano passado, o órgão multou a concessionária em R$ 48,5 milhões por causa do alagamento. A empresa recorreu administrativamente, perdeu na primeira instância, em Porto Velho, e aguarda definição em segunda instância no ICMBio, em Brasília. “Você só pode multar alguém se ele é causador do problema. Não tem porque sermos multados. Esse embargo deve ser suspenso”, afirma Paranhos.
O caso será tema de reunião em Brasília, prevista para esta quinta-feira, 1º de fevereiro, na sede do ICMBio. O Parque Nacional Mapinguari ocupa 1,776 milhão de hectares. Em 2012, foi reduzido em 8.470 hectares nas áreas próximas dos reservatórios das hidrelétricas de Jirau e de Santo Antônio, nas proximidades de Porto Velho, para evitar sobreposição das usinas com a floresta protegida.
A ESBR apresentou estudos para afirmar que a redução de cota do reservatório poderia trazer riscos à estrutura da barragem da usina. Os relatórios foram apresentados à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que afirmou haver “informações conclusivas quanto aos impactos à segurança de barragem face às condições operativas do reservatório avaliadas”.
Os riscos estão atrelados ao volume de madeira que, no período de cheias, desce pelo rio. Não é por caso que o Rio Madeira tem esse nome. A força das águas arranca troncos das margens. Em um único dia de dezembro de 2017, 29 mil troncos de árvores passaram pela estrutura criada pela usina para o descarregamento desse material, o chamado “vertedouro de troncos”.
Quando o ICMBio multou a empresa no ano passado ainda não tinha conhecimento dos eventuais riscos que a redução de cota no período de cheia poderia trazer à estrutura da usina. A situação criou um embate entre órgãos federais. Ao acatar os argumentos da concessionária, a Aneel fragiliza a manutenção do embargo imposto pelo Chico Mendes, como reconhece Carneiro. “O embargo está mantido, mas é possível que seja revisto. Se a situação coloca em risco a segurança da barragem, teremos que estudar outra opção. Vamos nos reunir com a Agência Nacional de Águas (ANA) e talvez tenhamos que redefinir a área do parque.”
O diretor-geral do ONS, Luiz Eduardo Barata, diz que a frustração de 4.100 megawatts mexeria com todo o planejamento do setor. “Essa situação significaria não só prejuízo para o empreendedor, mas a falta de energia para o sistema.