A homenagem a Coelho Filho
O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, será homenageado nesta terça-feira, 20 de fevereiro, com um almoço, pelo Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), que congrega as associações empresariais que representam todos os segmentos que atuam no SEB. É uma homenagem justa.
Afinal, nas próximas semanas, Coelho Filho renunciará ao cargo, para voltar à Câmara dos Deputados e batalhar, na eleição de outubro, pela reeleição ao mandato atual como congressista do Estado de Pernambuco ou então a algum cargo majoritário. Ele é um político jovem, habilidoso no trato com as pessoas e, além disso, integra uma família que tem muita tradição na política do seu estado. O pai é senador.
A gestão do ministro à frente do MME tem alguns marcos relevantes. Basicamente, ele será homenageado porque teve o gesto político de não insistir na atitude antipática dos que o antecederam e soube restabelecer condições excepcionais de diálogo com a área empresarial.
Ao contrário da gestão petista (seja com ministros do próprio PT ou do antigo PMDB), quando havia apenas um diálogo de brincadeirinha, Coelho Filho pautou o seu trabalho no MME baseado em um forte entendimento com as associações empresariais, as quais canalizam os interesses das empresas.
Além disso, o ministro teve a coragem política de enviar ao Palácio do Planalto duas propostas há muito tempo reivindicadas por partes expressivas da sociedade brasileira. Uma proposta privatiza o Sistema Eletrobras e a outra moderniza o sistema elétrico e amplia o mercado livre de energia.
Nesse tipo de almoço com um ministro que está praticamente se despedindo do cargo, a diplomacia empresarial costuma falar mais alto e quase que é possível apostar que o ministro terá direito apenas ao tapete vermelho e aos tapinhas nas costas. Provavelmente, ninguém vai reclamar nada, pois não é assim que essas associações operam.
As associações do SEB são grupos que exercem o lobby. Um lobby legítimo, de defesa de argumentos técnicos, não o lobby da mala preta. Então, na prática, elas não se destinam a puxar o saco de ninguém, mas também não brigam com ninguém. Ficam mais ou menos em cima do muro, esperando o momento adequado para defender seus associados. De modo geral, sabem trabalhar.
Embora não digam claramente e talvez até neguem o que será escrito aqui agora, o fato é que, entre as associações, tem muita gente brava com o atual ministro. A começar pelo fato que consideram que houve um erro indesculpável de “timing” no encaminhamento de ambas as propostas ao Palácio do Planalto.
Na melhor das hipóteses, entendem que a proposta sobre a abertura do mercado deveria ter sido formulada no máximo até meados do ano passado, quando o governo ainda contava com forte capital político e quando ainda haveria tempo hábil para trabalhar, antes de se entrar nos meses mais difíceis da campanha eleitoral, como ocorre agora.
Vale lembrar que, em meados de 2016, quando a atual gestão já havia começado, o setor empresarial depositava toda a sua esperança no desenvolvimento de um novo modelo para o setor elétrico que seria elaborado a partir de um Programa Estratégico de P&D liderado pela Abradee, a associação dos distribuidores e apoiado pelo restante das associações.
Esse projeto tinha apenas de boca o apoio do MME. Quando a proposta foi examinada pela diretoria da Aneel — que também apoiava o Projeto Estratégico — sofreu uma fragorosa e surpreendente derrota de quatro a zero.
No início de março de 2017, já se observava que o Projeto de P&D estava à deriva. No final desse mesmo mês, a Aneel colocou a pá de cal no projeto, para grande alegria do MME.
A área empresarial engoliu isso em seco. Ninguém disse nada oficialmente, mas nos bastidores muita gente ficou insatisfeita com o ministro e com o seu secretário-executivo, Paulo Pedrosa. Algum tempo depois, entendeu-se a decisão da Aneel, quando o MME abriu a Consulta Pública 33 para formatar um novo modelo. Verificou-se, enfim, que o MME queria apenas ter o “seu” próprio modelo, não chancelar um modelo que partisse da discussão interna da base empresarial.
Mesmo assim, as associações taticamente esqueceram o que havia acontecido, passaram um borracha e começaram a trabalhar com o MME na CP 33. Dentro das circunstâncias e fingindo-se que não havia acontecido nada antes, o projeto se desenvolvia bem. Até que o governo descobriu que a prioridade não era mais o novo modelo e, sim, a privatização do Sistema Eletrobras. Aí, o MME passou a trabalhar em função da privatização.
Até mesmo uma outra medida que era considerada prioritária pela área empresarial (resolver o problema do risco hidrológico, o GSF) foi afetada pelo trabalho em favor da venda da Eletrobras. Nesta terça, o ministro será homenageado, mas aqueles que o homenagearão não se esqueceram que o MME detonou o Projeto de P&D, atrasou o novo modelo por causa da Eletrobras e também não teve competência para resolver a polêmica do GSF, que trava todo o setor elétrico brasileiro.
Há outros problemas que também não serão falados pela diplomacia empresarial no almoço-homenagem. Um deles é uma avaliação que também corre pelos bastidores, no sentido que a proposta do novo modelo encaminhada ao Palácio do Planalto beneficia demasiadamente as teses defendidas pela associação dos comercializadores de energia, a Abraceel, que por sua vez tem um projeto de abertura de mercado sendo relatado pelo deputado federal Fábio Garcia. Este, por acaso, é o principal interlocutor do titular do MME na Câmara dos Deputados.
Em tese, ninguém é contra a abertura (este site, aliás, a defende claramente), mas associações como a Abradee e a Abragel trabalham antecipada e abertamente, dentro do Congresso, para que o texto proposto pelo MME — que ainda não foi enviado ao Legislativo — pondere um pouco mais os interesses empresariais e não beneficie segmentos em detrimento de outros.
As divergências empresariais em relação ao novo modelo já eram profundas e ficaram mais expostas. Alguns entendem que o consumidor ficará sem garantia de atendimento da sua carga, na medida em que as concessionárias de distribuição não terão obrigação de comprar 100% da demanda e passarão a ser apenas administradoras do fio.
Além disso, as renováveis, diz o MME, terão seus atributos reconhecidos no preço, mas não se define o que é e quanto vale, mas já prevê com data e hora o corte do incentivo atualmente em vigor.
Um dirigente de associação que participará do almoço nesta terça-feira lembrou ao site “Paranoá Energia” que estranha o fato de a cúpula atual do MME defender ardorosamente o corte em subsídios e teses liberais da economia de mercado, quando o atual secretário-executivo Paulo Pedrosa, na condição de presidente da associação empresarial dos grandes consumidores industriais, a Abrace (cargo que ele exercia antes de ir para o MME), trabalhou duramente para viabilizar a continuidade de uma mamata para os associados da Abrace, que foi a renovação, até 2037, dos chamados contratos iniciais, em que a Chesf tem a obrigação de fornecer energia barata subsidiada para grandes grupos industriais que têm plantas na região Nordeste.
Este site reconhece que estas situações são complexas, até mesmo porque o seu editor foi dirigente, durante longos anos, de uma associação que está sendo acusada, agora, de ser beneficiada com o novo modelo.
O fato é que o tipo de gestão introduzido pelo ministro Coelho Filho — que tem algumas iniciativas interessantes, é bom reafirmar — provocou ao mesmo tempo uma fissura na área empresarial, da qual, aparentemente, consegue-se enxergar, agora, apenas a ponta de um iceberg. É possível que se esteja, no momento atual, apenas no início de uma profunda desagregação institucional, que pode comprometer até mesmo a proposta de privatização do Sistema Eletrobras.
Afinal, dentro do Congresso Nacional, com o fim do recesso, já existem parlamentares tentando entender as relações entre técnicos que participaram do processo de tomada de decisão sobre a privatização da Eletrobras e como essas pessoas se relacionavam, antes do início da atual gestão, com investidores de alto coturno que nunca esconderam o desejo de ficar com parte do espólio da holding federal.