A retomada do consumo de energia e a reforma do SEB
Zilmar José de Souza (*)
Em 2017, o consumo total de energia elétrica ficou em 463.948 GWh, representando uma variação de 0,8% em relação a 2016, segundo a Empresa de Pesquisa Energética – EPE. Trata-se do primeiro resultado positivo dos últimos três anos, mas ainda inferior ao consumo registrado em 2015 (464.084 GWh). A retomada do crescimento do consumo de energia esteve em linha com o crescimento do PIB nacional entre 2016 e 2017, estimado em 1% pelo Banco Central, após dois anos consecutivos de queda expressiva (-3,46% em 2016 e -3,55% em 2015).
De acordo com o último Boletim Focus, as previsões de crescimento do PIB para 2018 e 2019 são, respectivamente, 2,8% e 3%, respectivamente. E, para um horizonte maior, a EPE recentemente divulgou seus cenários para o crescimento do PIB brasileiro para os próximos 15 anos, a saber: (i) no cenário de referência, o PIB brasileiro crescerá em média 2,9% a.a. entre 2018 e 2032; (ii) no cenário inferior, crescerá em média 2,2% a.a. entre 2018 e 2032; e (iii) no cenário superior, crescerá em média 3,4% a.a. entre 2018 e 2032. Espera-se que o PIB mundial cresça em média 3,3 %, entre 2018 e 2032, segundo a EPE.
Ainda que vivenciemos um ambiente de elevada incerteza, uma eventual retomada da economia brasileira nos próximos anos deverá ser acompanhada também de um crescimento maior para o consumo de energia elétrica. De acordo com Plano da Operação Energética (PEN), divulgado pelo ONS/CCEE/EPE em dezembro de 2017, a previsão é que a carga de energia elétrica (consumo + perdas) do Sistema Interligado Nacional (SIN) para o ano de 2018 apresentará crescimento de 3,7% relativamente a 2017. Para o período 2018-2022, o ONS prevê um crescimento médio anual da carga de energia do SIN de 3,9% ao ano, chegando a 4% no ano de 2022.
O retorno de uma expansão do consumo de energia elétrica mais significativa deve atrair mais investidores no setor elétrico, cada vez mais complexo em sua operação física, comercial e regulatória. Para tanto, o recente projeto de lei de modernização apresentado pelo Governo Federal pretende rejuvenescer o setor elétrico, por exemplo, promovendo a aproximação da formação dos preços de curto prazo ao custo de operação do sistema e o desenvolvimento de bolsas de energia no ambiente privado, dentre outras diretrizes.
É importante o estabelecimento de preços críveis, com regras transparentes, e que se desviem o mínimo possível da realidade operativa. Tais diretrizes devem fortalecer o mercado livre, a contratação de mais longo prazo naquele mercado e a diversificação nas fontes de financiamento, retirando parte da pressão sobre a obrigação de contratação de energia/lastro como ferramenta de segurança para o investidor/financiador.
Um estímulo ao investimento, sobretudo em energia renovável, deve ser também a previsão no PL da modernização do ambiente regulado, com a consideração de benefícios
sistêmicos ou locacionais no cálculo das tarifas reguladas. O reconhecimento destes atributos valorizará mais adequadamente fontes que agregam externalidades positivas ao SIN, o que deve resultar numa contratação mais regular e robusta no ambiente regulado, como se espera possa acontecer para a bioeletricidade sucroenergética.Outro ponto importante a resolver é o da atual judicialização do risco hidrológico e seus reflexos no Mercado de Curto Prazo – MCP, também abordado no PL de Modernização.
Propõe-se um acordo para o fim dessa judicialização, condicionado à desistência das ações judiciais que as hidrelétricas detêm em troca de se afastar três itens do chamado Mecanismo de Realocação de Energia – MRE, o “condomínio das hidrelétricas”, de forma prospectiva e retroativa: (i) a exclusão da geração fora da ordem de mérito; (ii) a
antecipação de garantia física outorgada aos projetos estruturantes UHE de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio; e (iii) a restrição de escoamento desses empreendimentos estruturantes em função de atraso na transmissão ou entrada em operação de instalações de transmissão em condição técnica insatisfatória.
A última liquidação financeira no MCP apresentou um valor não pago de mais de R$ 6 bilhões, referente às liminares que protegem as hidrelétricas do risco hidrológico no ambiente livre. Nos últimos 12 meses, essa dívida aumentou, em média, quase R$ 400 milhões a cada mês, sendo que nas liquidações financeiras ocorridas entre outubro e dezembro de 2017, essa dívida cresceu a aproximadamente R$ 1 bilhão a cada mês.
O tema da judicialização do risco hidrológico está tratado na última página do Projeto de Lei de Modernização, mas deveria estar na primeira página do documento, tal sua criticidade para o setor elétrico. Sem resolver o imbróglio do MCP, onde há três anos não se recebe pelo produto fornecido ao SIN, o setor elétrico não avançará em condições institucionais adequadas e sustentáveis. Tratar da Modernização do Setor Elétrico sem resolver a judicialização do risco hidrológico é como tentar construir um arranha-céu sem alicerce.
É meritório tentarmos rejuvenescer o setor elétrico, preparando o ambiente de negócios para uma eventual retomada mais robusta do consumo de energia no futuro. Contudo, é
importante estarmos atentos à primazia de centrar esforços na solução institucional para determinados temas, como a desjudicialização do risco hidrológico e seus efeitos nas
liquidações financeiras no Mercado de Curto Prazo brasileiro.
(*) Zilmar José de Souza
Gerente de Bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de- Açúcar – Única