Abrace faz críticas e pede mais transparência na CDE
Maurício Corrêa, de Brasília —
A contribuição feita pela Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) ao processo de audiência pública 83 de 2015, aberto pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e que trata da definição das cotas da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) válidas para o atual exercício, é a mais contundente crítica feita à Eletrobras e por tabela à própria agência reguladora nos últimos anos.
O prazo para oferecimento de contribuições se encerrou no dia 15 de janeiro e 25 empresas e associações apresentaram propostas à Aneel. Entretanto, com suas 75 páginas, o documento encaminhado pela Abrace se destaca por não economizar críticas à estatal Eletrobras e nem à Aneel. A primeira, por falta absoluta de transparência na fixação dos subsídios por ela controlados. A segunda, a quem cabe fiscalizar, por emitir um sinal verde à Eletrobras para fazer qualquer coisa e meter a mão no bolso dos contribuintes para sustentar um modelo de subsídios nebuloso e que está muito distante de ser referência em termos de clareza e objetividade.
Há muito tempo, os grandes consumidores industriais têm deixado claro, embora discretamente, que estão cansados de pagar as contas do setor elétrico. Na contribuição à AP 83/2015, eles desistiram do papel de bonzinhos e resolveram comprar a briga, sem meias-palavras.
“Os custos com suprimento de energia e, particularmente, com os encargos setoriais, atingiram patamares insuportáveis”, diz o documento da Abrace, cuja íntegra está disponível na homepage da Aneel na internet.
A associação esclareceu que o custo da energia por unidade de produção nacional, nos últimos 15 anos, cresceu 705%, contra uma inflação de 162%. “Apenas o pagamento do encargo CDE de 2015 poderia superar em 200% o resultado financeiro do ano anterior de algumas empresas”, assinala a contribuição elaborada pela Abrace.
De acordo com o raciocínio dos grandes consumidores industriais de energia, a exigência de encargos sem critérios definidos faz com que o parque industrial brasileiro não apenas tenha a sua margem reduzida, mas também contribui de forma pesada para a perda da competitividade.
Uma fonte explicou a este site que, de fato, a recessão econômica tem feito com que a indústria perca participação na economia (o desemprego atual inclusive é atribuído em grande parte ao travamento da produção industrial). Entretanto, outro fator é a perda da competitividade internacional devido aos elevados preços da energia no Brasil, que inviabilizam a colocação dos produtos “made in Brazil” no exterior, embora o câmbio, ultimamente, venha melhorando um pouco essa questão.
A CDE é um dos grandes subsídios da economia brasileira. Segundo definição da própria Eletrobras, a CDE se destina à “promoção do desenvolvimento energético dos estados, a projetos de universalização dos serviços de energia elétrica, ao programa de subvenção aos consumidores de baixa renda e à expansão da malha de gás natural para o atendimento dos estados que ainda não possuem rede canalizada. Criada em 26 de abril de 2002 pela Lei nº 10.438, a CDE é gerida pela Eletrobras, cumprindo programação determinada pelo Ministério de Minas e Energia”.
O subsídio é pago por todos os agentes que comercializam energia para os consumidores finais e sua administração é feita da seguinte forma: o MME regulamenta, a Eletrobras é responsável pela movimentação financeira e cabe à Aneel fixar as cotas anuais que serão pagas pelos agentes. A contribuição apresentada pela Abrace mostra claramente que os papéis se confundem e nem todos estão cumprindo corretamente as suas atribuições nesse processo de gestão da CDE.
Antes da edição da Medida Provisória 579, de setembro de 2012 — uma das decisões mais infelizes tomadas em relação ao setor elétrico brasileiro e que é considerada um verdadeiro presente de grego pois desarticulou totalmente um sistema que era razoavelmente organizado — as cotas anuais da CDE, como mostrou a Abrace, tinham um comportamento previsível, sendo reajustados a cada ano pela inflação e pelo crescimento do mercado. Nesse ano, a CDE somou R$ 3,6 bilhões. Daí para a frente, o negócio degringolou e a conta passou a movimentar muito mais grana, com sacrifício dos agentes que são obrigados a pagá-la.
O orçamento de R$ 2013 subiu espetacularmente para R$ 14,1 bilhões. No ano seguinte, pulou para R$ 18 bilhões. Em 2015, chegou a R$ 25,2 bilhões. Para 2016, a proposta da Aneel é reduzir para R$ 18,4 bilhões, embora nas contas deste site esse valor já esteja furado. Ao que tudo indica, o valor deste ano ficará próximo do de 2015.
Nesse contexto, a Abrace lembrou em sua contribuição que a Aneel deveria assegurar que cada item de despesa da CDE esteja devida e transparentemente justificado, tenha cobertura legal, sua eficiência seja testada e tenha sido fiscalizado. Item por item, a associação mostrou que esses critérios não foram observados e demoliu, na sua longa contribuição, a proposta governamental da CDE para este ano.
No entendimento da associação, a CDE, com despesas estimadas em R$ 18,4 bilhões para 2016, movimenta recursos que superam a receita de fornecimento de qualquer distribuidora de energia elétrica do País. É tanto dinheiro em jogo, que, para a associação, a Aneel deveria ter uma equipe integrada por vários técnicos apenas para tomar conta da CDE. Na análise de um dos programas favoritos do Governo Federal, o Luz para Todos, a Abrace alegou que as despesas previstas de quase R$ 1 bilhão, neste ano, são indicadas “sem qualquer pedido aparente de comprovação dos valores orçados”.
A Eletrobras, segundo a associação, tem se mostrado incapaz de dar transparência à gestão da CDE e por isso foi solicitado à agência reguladora que o faça. A Eletrobras é obrigada, por lei, a dar transparência ao processo, mas não o faz, alegou a associação. No caso do Luz para Todos, por exemplo, a contribuição da Abrace cita o que está ocorrendo no estado do Paraná, onde a ligação de unidades consumidoras desse programa chegaram a custar R$ 60 mil, mais do que o valor de alguns imóveis que estavam sendo beneficiados pelo programa. “Há subsídios que se eternizam e que podem ser desnecessários”, argumentou a Abrace.
Ao analisar separadamente os segmentos beneficiados pelo subsídio da CDE, a Abrace observou que a própria Aneel, na preparação dos dados preliminares da audiência pública, indicou que foram encontrados contratos de compra de gás natural em montante que supera a capacidade máxima de consumo da região Norte.
Além disso, para a Abrace, a gestão da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) é “ineficiente” por parte da Eletrobras. Essa CCC sempre foi um problema de grandes dimensões. Trata-se de um fundo criado em 1973, através do qual os consumidores da parte mais rica do País subsidiam os consumidores da Região Norte, onde existem sistemas isolados de suprimento de energia elétrica, que utilizam óleo para gerar energia. Como essa energia gerada a óleo sai caríssima, a CCC, então, teve uma finalidade social na sua criação.
Segundo a Abrace, os números apontados pela Eletrobras e apenas encampados pela Aneel, em relação à CCC, não são confiáveis, tanto que a associação acredita que “os consumidores brasileiros estão pagando duas vezes pelo mesmo montante de energia”. Isso, para os consumidores industriais de grande porte precisa ser verificado “para evitar enriquecimento ilícito”.
Embora critique a Aneel por tabela na contribuição, a Abrace faz uma ressalva, lembrando que a fiscalização da agência reguladora indicou em um relatório sobre a CCC “a verdadeira ausência de condições mínimas para a adequada gestão da conta”. Hoje, a CCC está dentro da CDE, o que aparentemente não melhorou em nada a sua gestão.
Para justificar a crítica, a fiscalização da Aneel apontou a falta de transparência nos números da CCC e a inobservância de requisitos básicos de controle. Por isso, a Abrace escreveu, em português claro, que a agência deveria aplicar as “penalidades cabíveis” à Eletrobras. Em sua proposta à audiência pública, a associação também solicitou à Aneel que o orçamento da CCC para 2016 simplesmente deveria ser glosado em R$ 4,5 bilhões no atual exercício.
Os benefícios da CDE destinados aos chamados agricultores irrigantes também mereceram uma avaliação crítica da Abrace. No orçamento da CDE para 2016, a Aneel sugeriu o montante de R$ 680 milhões, o que representa 11,5% em relação aos total dos descontos tarifários previstos na conta neste ano.
Para a Abrace, neste caso dos agricultores irrigantes, existe uma “alta probabilidade” de ocorrência de benefícios indevidos. Inclusive a associação desconfia que “por falta de fiscalização esteja sendo subsidiado e promovido o uso irregular da água”. Nesta hipótese, para a Abrace, a CDE e sua gestão (que é feita pela Eletrobras) estariam sendo instrumentos de estímulo à destruição do meio ambiente e dos recursos renováveis.
A mesma falta de critério para concessão do subsídio da CDE a Abrace encontra nos descontos destinados aos chamados consumidores de baixa renda.
No caso do carvão mineral, a associação foi curta e grossa: a Aneel propôs um reembolso de R$ 137,5 milhões para o custo do carvão destinado ao Complexo Presidente Médici, pertencente a uma subsidiária da própria Eletrobras, a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica – CGTEE, que explora o complexo térmico no município de Candiota, a 400 km de Porto Alegre.
A associação sugeriu que a Aneel passe a faca na conta da CDE para Candiota, reduzindo o reembolso para R$ 16,8 milhões, sob o argumento que o estoque de carvão chegou a 3 milhões de toneladas ao final de 2015 e que esse volume é suficiente para mais de um ano de geração elétrica, o que torna o subsídio de compra de mais carvão, em 2016, absolutamente desnecessário.
A Abrace está segura que a gestão da CDE por parte da Eletrobras representa um conflito de interesses, salientando que a Eletrobras, controlada pelo MME, define os valores da CDE, mas, ao mesmo tempo, é gestora e beneficiária, direta ou indiretamente (através de suas subsidiárias) dos recursos do fundo, como mostrou no caso da CGTEE.
Devido a esse verdadeiro festival de inconsistências, a Abrace fez as contas e concluiu que, se apenas R$ 16 bilhões saíram da CDE, em 2015, para pagamento de despesas diversas, isso representou 64% do total de R$ 25 bilhões orçados para o exercício passado. E os restantes R$ 9 bilhões? No setor elétrico, tem gente que desconfia que esse montante serviu para reforçar as combalidas contas do Tesouro Nacional.
Na sua contribuição, a associação entende que tem R$ 9 bilhões sobrando da CDE do ano passado, o que, no mínimo, indica que houve um sobredimensionamento da conta. Neste caso, haveria um saldo razoável para ser devolvido aos consumidores na CDE de 2016.
O que mais espanta os associados da Abrace é que, apesar dessa sobra na contabilidade da CDE, a Aneel, em sua proposta, ainda sugeriu a criação de um fundo dentro da CDE, ou seja, de um fundo dentro do fundo, no valor de R$ 1,62 bilhão, para cobrir eventuais efeitos financeiros nas tarifas que serão definidas em 2017. Para a Abrace, a questão é clara: a Aneel estaria extrapolando em suas atribuições, pois isso não está previsto em qualquer dispositivo legal.
Em 2015, conforme a Abrace, os consumidores foram responsáveis pelo pagamento de quase R$ 19 bilhões, mas não conhecem muita coisa a respeito do que foi gasto, nem como foi gasto.
Em sua proposta de CDE para 2016, a Aneel mostra alguma preocupação com a diminuição do montante do subsídio, que cairia dos R$ 25,2 bilhões de 2015 para cerca de R$ 18,4 bilhões, uma redução substancial de 27%. Este site, porém, estima — e isso não tem relação com a proposta apresentada pela Abrace — que dificilmente esse montante de R$ 18,4 bilhões indicado pela agência reguladora será alcançado.
Uma fonte do setor elétrico esclareceu que a própria Eletrobras teria pendências por conta da CCC da ordem de R$ 4,7 bilhões, referentes à compra de combustível para térmicas da região Norte e a estatal não pode agasalhar esse montante no seu balanço. O dinheiro teria que sair de algum lugar para reembolsar a Eletrobras. Como o Tesouro está quebrado, ao que tudo indica o valor sairá mesmo da CDE. Nesta hipótese, a CDE para 2016 poderá em ficar em torno de R$ 23,1 bilhões, que é um montante bastante próximo dos R$ 25,2 bilhões do ano passado.