Aneel defende solução de mercado para Abengoa
Maurício Corrêa, de Brasília —
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está preocupada, sim, com o futuro dos ativos que a espanhola Abengoa detém no Brasil. Torce para que seja encontrada uma solução de mercado e que outra empresa assuma os negócios da espanhola. Qualquer que seja a alternativa, entretanto, exigirá anuência da Aneel. “Não temos preferência por ninguém e seguramente é muito desafiador, hoje, encontrar uma solução para a operação brasileira da Abengoa. Estamos interagindo com a Abengoa, mas a empresa precisa ter consciência que ela não pode pretender ganhar dinheiro com esse negócio. O Brasil não pode ser prejudicado porque a empresa ficou com dificuldades financeiras”, disse a este site, com exclusividade, o diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino.
Uma das maiores transmissoras do mundo, a Abengoa tem uma rede enorme no Brasil, com 13 mil km de extensão, sendo 7 mil já em operação e o restante em fase de construção ou de desenvolvimento de projeto. As obras que estavam em andamento quando a empresa pediu concordata na Espanha, no final do ano passado, estão totalmente paralisadas. E o Governo brasileiro prioriza uma solução de mercado, para retomar as obras que estavam a cargo da Abengoa e permitir que seja escoada a energia a ser gerada pela usina de Belo Monte a partir de meados deste ano.
A ideia de transferir a Abengoa brasileira a terceiros, sem necessidade de uma nova licitação, é a que mais seduz a agência reguladora. Na visão de Rufino, qualquer solução, pelo tamanho do negócio, será necessariamente complexa. Como exemplo, citou a hipótese de a holding estatal Eletrobras desejar ficar com alguns trechos hoje sob responsabilidade da Abengoa. “A Eletrobras pode chegar e dizer: estamos interessados nas linhas A, B ou C. A Abengoa poderá dizer que gostaria de se desfazer das linhas D, E e F. Ora, o nosso interesse é o público. Temos que tomar a decisão que seja melhor para o Brasil”, afirmou Rufino.
O caso da Abengoa é emblemático de algumas situações que hoje envolvem o modelo de licitação de concessões e, por tabela, todo o planejamento setorial. Para Rufino, é fundamental melhorar o processo de gestão das concessões, pois a agência reguladora jamais pode ser surpreendida.
Engana-se quem acha que vai arrancar de Rufino qualquer observação direta que possa ser entendida como algum tipo de crítica a outras áreas do Governo, pois a agência respeita a liturgia que envolve os organismos públicos e não quer ser acusada de fomentar a cizânia. Contudo, dentro do setor elétrico, existe muita gente que avalia que a agência reguladora, embora não comente, internamente se preocupa com algumas situações que não lhe dizem respeito, como atribuição, mas acabam impactando a sua tarefa de zelar pela saúde do setor.
O planejamento do setor elétrico é competência da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), uma estatal 100% controlada pelo Ministério de Minas e Energia, que, desde a sua criação, em 2004, está sob o comando do professor Maurício Tolmasquim, um dos principais ideólogos do sistema elétrico brasileiro nos últimos 10 anos.
Entre muitos especialistas do setor elétrico, há uma clara compreensão no sentido que é necessário efetuar mudanças urgentes na modelagem de contratação de empresas que se submetem a processos licitatórios na área de energia elétrica, pois a contratação precisa melhorar a qualidade. Existe um consenso, no meio empresarial, que o Governo como um todo precisa trabalhar com mais foco na contratação dos serviços, pois não basta apenas enfatizar a modicidade tarifária.
O fato é que, entre os agentes de mercado, existe consciência clara quanto à necessidade de se evitar os esqueletos que começam a encher os armários, principalmente na área de transmissão. As dúvidas do mercado quanto ao planejamento setorial já vêm de algum tempo, mas emergiram com mais intensidade quando a transmissora espanhola Abengoa quebrou espetacularmente, no seu país de origem, deixando um caminhão de incertezas quanto ao que fazer com os ativos da empresa no Brasil.
O pessoal do MME já estava arrancando os cabelos, pois não sabe ainda o que fazer com a Abengoa, e a Isolux, uma outra transmissora espanhola, da qual já se desconfiava há algum tempo, também anunciou a sua concordata na Espanha. Ou seja, mais problema para o governo brasileiro resolver. O anúncio sobre a decisão da Isolux foi feito simultaneamente com a entrevista do diretor Romeu Rufino a este site.
Ainda sem saber sobre a Isolux e pensando apenas na Abengoa, o diretor-geral da Aneel afirmou que a agência tem buscado uma forma de aplicar uma sintonia mais fina em relação ao que fazem as concessionárias e a realidade da economia. Neste contexto, a agência vem se preocupando principalmente com dois itens: a matriz de risco, para deixar mais claro o que efetivamente representa risco para os empreendedores das obras públicas do setor elétrico; e a fixação de prazos realistas, para que os empreendedores possam tirar os projetos das pranchetas em prazos adequados, sem comprometer a qualidade dos serviços oferecidos pelo setor elétrico brasileiro.
Um diretor de associação empresarial, que não quis se identificar para esta matéria, indagou se não seria mais adequado trocar o “timing”para estourar o champanhe. O pessoal do MME, por exemplo, adora comemorar no momento da outorga das concessões. Talvez seria mais sensato fazê-lo na hora da onça beber água, que é a entrega das obras.
Nascido em Minas Gerais e de fala muito mansa, respeitado por todas as alas que integram o setor elétrico brasileiro, Romeu Rufino fala pausadamente e expõe com clareza o seu modo de pensar sobre vários aspectos que se relacionam com o setor elétrico. Ele garantiu que a agência já pratica uma política de monitoramento dos agentes, que começa antes de assinar os contratos de concessão. Na área de distribuição, por exemplo, o monitoramento da Aneel identificou 17 concessionárias que estão merecendo um “tratamento VIP” por parte da Aneel pelo fato de entregarem energia elétrica aos seus consumidores com qualidade abaixo dos números que foram contratados.
“Todos nós queremos que as concessionárias prestem um bom trabalho aos seus consumidores. Mas, também, estamos mais preocupados com a prevenção do que com eventuais punições. Se uma empresa bidou em um leilão e ganhou a concessão, ela tem a obrigação de cumprir as suas metas de DEC e FEC (os dois indicadores que medem a duração e a frequência dos cortes de energia aos consumidores). Vale lembrar que a empresa não foi obrigada a entrar na concessão. Mas se entrou e ganhou, tem, sim, a obrigação contratual de cumprir as metas acertadas com a Aneel. Por isso, sempre somos exigentes com o cumprimento dos contratos”, alegou Romeu Rufino, que, na origem profissional, foi um auditor independente e tem trabalhado com contratos a vida inteira.
Embora não comente questões relacionadas com o planejamento setorial, para não invadir a área de atribuição da EPE, o fato é que, na próxima reunião semanal da diretoria colegiada da Aneel, já marcada para esta terça-feira, dia 02 de fevereiro, estará em pauta uma proposta que extingue as outorgas concedidas às usinas termelétricas Pontes e Lacerda, São José do Rio Claro, Querência do Norte, Santa Terezinha, Porto Alegre do Norte, Gaúcha do Norte, Vila Rica, Tapurah, Apiacás, Juruena e Sapezal, todas outorgadas à Energisa e localizadas no estado do Mato Grosso.
Outro voto declara a caducidade da concessão outorgada à SPE BR Transmissora Maranhense de Energia Ltda. Para quem sabe ler, pingo é letra. O diretor da Aneel diplomaticamente tem o direito de se esquivar de comentários, mas está claro que, ao se declarar a caducidade da concessão, isto indica que o modelo atual está tendo dificuldades concretas para transformar projetos em realidade.
Ele lembrou os diversos casos de usinas eólicas que ficaram prontas sem linhas de transmissão que pudessem escoar a energia elétrica produzida pelos aerogeradores. “Penso que seria oportuno se pudéssemos revisitar a cadeia produtiva. Não adianta uma obra de geração ficar concluída e depois o empreendedor receber por uma energia que não foi distribuída, da mesma forma que não é justo que o consumidor tenha que pagar por uma energia que não consumiu. Isso não tem lógica”, afirmou Romeu Rufino.
Enquanto a Aneel se esforça para melhorar a matriz de risco e também para definir prazos mais realistas, Rufino argumentou que é preciso equilibrar melhor os interesses públicos e privados relacionados com as concessões. Um exemplo que na sua opinião é muito claro é a obtenção de licenciamentos ambientais. Conforme esclareceu, em projetos estruturantes, 60% dos prazos são gastos com as licenças ambientais e apenas 40% amparam a construção propriamente dita das obras.
“O que fazer? Sem dúvida, temos que encontrar soluções”, disse o diretor-geral, salientando que foi constituído um grupo de trabalho no âmbito do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) que tem a tarefa de encontrar alternativas para esse tipo de problema. “Sei que o GT está trabalhando com profundidade, pois talvez seja necessário mexer até na própria Constituição Federal. Não é algo que diga respeito diretamente às atribuições da Aneel, mas o fato concreto é que não podemos continuar do jeito que está, quando, em algumas situações de obtenção de licenças ambientais para linhas de transmissão, chega-se ao exagero de se exigir licença para cada uma das torres. Não podemos continuar desse jeito”, advertiu, embora reconheça a necessidade de se dar conforto aos funcionários públicos que tomam essas decisões.
Entre as muitas piadas que circulam no mercado, uma delas diz que todo mundo planta e a Aneel colhe…pepinos, uma forma bem-humorada de mostrar o grau de dificuldades enfrentadas pela agência reguladora diante de alguns concessionários de serviços públicos que não conseguem cumprir os prazos contratuais.
Romeu Rufino ouve a piada contada pelo repórter e apenas ri discretamente, observando que “plantar é sempre um enorme desafio. O fazendeiro se endivida para comprar sementes e adubo e planta hoje, acreditando que a chuva chegará no momento certo, para que a lavoura cresça bonita e depois o produto seja bem comercializado, para que o fazendeiro tire a sua margem”.
Dito dessa forma, há uma certa analogia como setor elétrico, devido à magnitude da crise atual. No seu entendimento, diante das dificuldades geradas pela crise econômica, é muito difícil fazer o tal do planejamento. “Tenho que planejar, hoje, uma usina que começará a produzir energia dentro de sete ou oito anos. Mas que carga deverei considerar no futuro para que o meu projeto tenha um retorno adequado? Talvez para algumas pessoas seja mais fácil criticar, mas, no mundo real, isso é difícil de fazer. Não se pode apenas jogar pedra no planejamento”, declarou.
Fiel às tradições mineiras, ele evitar aprofundar o raciocínio. Ele site conversou com dirigentes de algumas associações e ninguém dúvida que já está na hora de revisitar os fatores que envolvem o planejamento, como a modelagem dos leilões e a definição de prazos, além dos critérios de escolha dos agentes para que outros trens fantasmas não assustem as autoridades e os consumidores.