Europa dá exemplos nas renováveis
Raphael Sampaio Vale (*)
De 05 a 08 de junho, participei da Eusew 2018, abreviatura de “Semana Européia de Energias Renováveis”, em Bruxelas, Bélgica, na qualidade de presidente da Coober, cooperativa de energias renováveis de Paragominas (PA) .
Para percebermos a relevância desse evento é importante destacar o maior programa da União Européia para pesquisa e inovação: “Horizonte 2020”, o qual vai investir mais de € 80 bilhões durante sete anos (2014-2020) para trazer grandes ideias do laboratório para o mercado e conta com três eixos: Ciência de ponta, Liderança Industrial e desafios sociais. Mais da metade dos recursos está sendo aplicada direta ou indiretamente em energias renováveis.
A Eusew já acontece há mais de 10 anos e é promovida pela Comissão Européia, que dentro de suas prioridades tem a união energética e climática, fazendo a energia mais segura, acessível e sustentável. Muito bem organizado com mais de 700 participantes e palestrantes de altíssimo nível, por exemplo o responsável pelo setor de energia renovável do Google, Marc Oman, que falou sobre o desafio que foi tornar a empresa prosumidora de 100% de energia renovável.
No evento, houve painéis com temas e palestrantes fantásticos, por exemplo: “O debate com os embaixadores dos países europeus sobre Energia Renovável”, “O valor da energia das pessoas: o caso da descentralização solar e a flexibilidade de demanda” e “Comunidades de energia, um caminho para a liderança dos cidadãos na transição da descentralização energética para a a democracia energética”.
A minha participação nasceu no âmbito das cooperativas de energia renovável da Europa, já que a Federação dessas cooperativas (Rescoop) é uma das realizadoras do evento.
A Rescoop tem um papel fundamental no avanço das energias renovareis e melhoria das condições para a produção de energia pelo próprio consumidor em micro usinas, o chamado prosumidor, que é uma pessoa empoderada e compromissada com consumo responsável e a economia local. A transição precisa colocar as pessoas no seu centro.
No dia internacional do meio ambiente, houve o painel organizado pela Rescoop: “Comunidades de energia, um caminho para a liderança dos cidadãos na transição da descentralização energética para a a democracia energética”, o qual foi comandado pelo próprio presidente da Rescoop, o cooperativista Dirk Vansintjan, da Bélgica. Uma lenda viva do movimento cooperativista de energiasrenováveis e autor da publicação “A transição energética para a democracia energética”.
Ouvir o Dirk e demais cooperativista europeus foi muito importante para perceber o objetivo central da Rescoop, que é fornecer energia limpa por um bom preço. O que vem sendo feito com um histórico de lutas e crescimento do segmento, baseado no empoderamento energético dos consumidores/cooperados e que também tem a cultura de participarem das discussões do setor.
Outro aspecto interessante é a perspectiva de crescimento do setor de produção de energia descentralizada, que, segundo projeções da Rescoop, poderá superar 45% da energia produzida em 2050.
Claro que também existem as dificuldades que as cooperativas/produção descentralizada de energia tem nos seus países. Nesse sentido, cito dois exemplos: primeiro a Espanha, que após a publicação do decreto real 900/2015 (que criou diversas exigências a energia solar descentralizada), não teve praticamente nenhuma nova instalação solar descentralizada conectada na rede elétrica; e nos países do Leste europeu, que saíram de regimes socialistas e tem dificuldade de aceitar o modelo cooperativista.
RESUMO
A preocupação européia com a extrema dependência dos combustíveis fosseis é real e motiva a transição do uso massivo de combustíveis fosseis para energias renováveis. A UE importa 90% de todo o petróleo que consome.
Ai temos duas vertentes de produção de energias renováveis: a centralizada (fazendas solares e parques eólicos) em que a geração é grande e longe do local de consumo necessitando de rede de transmissão e a descentralizada (na sua maioria pequenos sistemas solares e eólicos) que são instalados no local de consumo e não necessita de linhas de transmissão. As quais devem ser complementares, com um crescimento gradual da descentralizada.
Ficou claro no evento que as grandes empresas e reguladores do setor elétrico mundial estão
assustadas com a celeridade da transição! A velocidade da curva tecnológica tem barateado os equipamentos e tornado possível o que antes não era.
Ou seja, nosso quadro atual é constituído por velhas empresas baseadas em uma lógica de mão única, que atendiam consumidores passivos, regulados por normas ultrapassadas e que não poderiam sequer prever o que não existia. Estão “convivendo” com consumidores novos (prosumidores), geração distribuída de energia, numa transição real e inevitável.
As empresas do setor (geradoras, transmissoras e distribuidoras) vivem reclamando e pedindo subsídios, bônus, incentivos, alegando que suas receitas não fecham e que há muitas perdas, etc. Porém, não são transparentes em mostras suas gestões, o verdadeiro custo marginal, investimentos reais e balanços.
Essa situação gera uma nova expressão, de minha autoria: EFC – Eletric Fake Coast (CEF – Custo Elétrico Falso), que é a grande bandeira dos lobbies das empresas do setor ao lado da alegada “segurança do sistema”.
Temos que ter em mente os seguintes pontos:
· A questão da transição energética não é técnica e, sim, de modelo de negócio e regulatória;
· Em relação aos consumidores de energia, primeiro precisamos de informação transparente, depois proteção na transição e então incentivar o aumento da participação. Importante a consulta pública da Aneel sobre a revisão da Resolução 482/2012 de micro e minigeração;
· Estamos diante um mundo de oportunidades, que devem ser planejadas e justas;
· A sociedade está em profunda mudança, a conectividade plena tem alterados as relações de consumo e trabalho;
· A geração dos milleniuns está transformando o design da propriedade, pois é mais focada em acessar e compartilhar, com transparência e confiança, o que produz um alinhamento natural com o cooperativismo;
· O setor de automóveis e transporte está passando por mudanças profundas e irreversíveis;
· A geração descentralizada e eficiência energética tem criado muitos empregos locais.
Algo tem que ser feito e todos temos essa responsabilidade. O que e como será feito está em nossas mãos em construção. As margens de remuneração das usinas centralizadas deve ter uma proporcionalidade com as descentralizadas, pois,afinal de contas quem fez o investimento da geração distribuída deve pagar pelo acesso à rede e também ser remunerado pelas vantagens proporcionadas.
Nesse cenário, ainda não há uma resposta clara de como os sistemas vão funcionar adequadamente com segurança, transparência e justiça energética. As variáveis são enormes e o setor é CLT – Conservador, Lento e Tradicional!
(*) Raphael Sampaio Vale é presidente da primeira cooperativa brasileira de energia renovável, a Coober, em Paragominas (PA).