Governo ajuda distribuidoras e divide mercado
Maurício Corrêa, de Brasília —
As autoridades da área de energia elétrica se preparam para, mais uma vez, dar uma ajuda ao segmento da distribuição, em prejuízo da geração e dividindo os interesses do segmento da comercialização. A questão é simples: com a recessão econômica e a forte migração de consumidores industriais ou comerciais de médio porte para o mercado livre, as distribuidoras alegam que ficariam com excedentes insuportáveis de energia elétrica já contratada, quando a realidade do mercado era completamente diferente. Como o segmento da distribuição goza de uma atenção especial por parte do Governo, tudo indica que a conta agora vai cair no colo dos geradores ou então dos comercializadores.
Os geradores estão discretamente em pé de guerra. Um deles lembrou a este site que na missão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está claramente escrito assim: “A missão da Aneel é proporcionar condições favoráveis para que o mercado de energia elétrica se desenvolva com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade”. “Ora, a Aneel deveria alterar a sua missão, pois algumas decisões são tomadas sempre em benefício da distribuição”, disse um representante da geração, que pediu para não ser identificado nesta matéria. A preocupação dos geradores é mais do que óbvia: eles poderão micar com a energia devolvida pelos distribuidores, mas em um cenário econômico recessivo, que se caracteriza pelos baixos preços no mercado livre.
Na área de comercialização, a bola está dividida. Os agentes de comercialização aplaudem a decisão de jogar no mercado os excedentes contratuais dos distribuidores, pois isso contribui para dinamizar o segmento. Entretanto, alegam que isso não pode afetar, de forma alguma, contratos já existentes. Como muitos comercializadores também venderam energia para as distribuidoras, eles não querem agora ficar com o mico na mão e correr o risco de ter a energia devolvida, pois isso significaria um prejuízo evidente. “Se o Governo quiser permitir a devolução de contratos daqui para a frente, não tem problema. Mas não pode atingir os contratos já assinados com as distribuidoras”, afirmou uma fonte do mercado livre.
A questão parece que terá uma decisão no curtíssimo, pelo menos levando em conta a movimentação no prédio do Ministério de Minas e Energia. No início da noite de quinta-feira, o presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Leite, deixou o MME rapidamente, embora o seu nome não estivesse nas agendas do ministro, do secretário-executivo e nem do secretário de Energia Elétrica. Logo depois dele, saiu Solange Ribeiro, presidente do Grupo Neoenergia, que foi recebida pelo ministro Eduardo Braga e é uma das principais lideranças empresariais na área de distribuição.
Após, também fora de qualquer agenda, chegou o presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Rui Altieri. Minutos depois, foi a vez do diretor Tiago Correia, da Aneel e, logo depois, um outro grupo da agência reguladora, integrado pelo próprio diretor-geral Romeu Rufino e pelo superintendente de Gestão Tarifária, Davi Antunes Lima e alguns assessores técnicos. Na manhã desta sexta-feira, 19 de fevereiro, Nelson Leite estava novamente peregrinando no MME, desta vez na agenda do secretário-executivo Luiz Eduardo Barata. Tudo indica que a decisão está para ser tomada, apesar das preocupações dos geradores e comercializadores, que não sabem direito o que vem pela frente.
Os contratos assinados pelas distribuidoras (chamados CCEAR´s, no jargão técnico do setor elétrico) de fato preveem a possibilidade de redução dos montantes contratados, a critério exclusivo dos agentes de distribuição, em razão “do exercício pelos consumidores potencialmente livres da opção de compra de energia elétrica proveniente de outro fornecedor”. Traduzindo para o português: se um cliente potencialmente livre se torna livre, pois encontra condições contratuais mais atraentes no mercado livre, nesse caso a distribuidora está autorizada a reduzir o montante contratado de energia.
Entretanto, a legislação não permite que isso aconteça nos casos que envolvem os chamados “consumidores especiais”, que são de porte médio (tipo uma indústria menor, um shopping, um grande hospital, um condomínio) e fazem opção de compra das energias alternativas no mercado livre. Calcula-se entre 500 e 700 o número de consumidores em todo o País que estão em fase de migração para o mercado livre, aproveitando que os preços do mercado cativo estão nas nuvens e os da energia livre estão muito baixos. O mercado está apavorado com o “jeitinho” que o Governo aparentemente vai dar aos consumidores especiais, facilitando mais uma vez a operação dos distribuidores.