O Lago Paranoá e a bioeletricidade
Zilmar José de Souza (*)
O lindo Lago Paranoá é um lago artificial de Brasília que foi concretizado durante a construção da capital federal, no governo de Juscelino Kubitschek (JK). Não foi uma tarefa fácil encher o Lago Paranoá e JK enfrentou muitas críticas durante a execução da obra. A atitude de JK que ficou mais conhecida com relação ao tema foi o envio de um telegrama para um escritor e engenheiro que havia escrito um artigo afirmando que o Lago jamais encheria. No dia de inauguração do Lago, JK enviou um telegrama para o engenheiro contendo apenas duas palavras: “Encheu, viu?!”.
Em dezembro do ano passado, o Governo Federal apresentou metas para a matriz de geração de energia elétrica durante a Conferência das Partes (COP-21), ocorrida em Paris, sendo uma delas a de elevarmos o uso sustentável de energias renováveis (solar, eólica e biomassa), excluindo energia hidrelétrica, para ao menos 23% da geração de eletricidade do Brasil até 2030. Na matriz energética brasileira, as metas são: assegurar 45% de renováveis – incluindo energia hidrelétrica – enquanto que a média global é de 13%; e garantir 32% de renováveis (solar, eólica, biomassa e etanol).
São metas ambiciosas, ao estilo visionário tipo JK, que buscam uma posição protagonista para o Brasil no Acordo de Paris. Contudo, estas metas ainda mostram que precisamos trabalhar duro para “encher o Lago”, como diria JK, e simultaneamente em todas as frentes nominadas (solar, eólica, biomassa e etanol). Do lado da bioeletricidade, a energia elétrica gerada por meio do uso da biomassa, os desafios são muitos.
Entre 2007 e 2008, a bioeletricidade chegou a comercializar mais de 40 projetos novos nos leilões regulados, quando o cenário era estimulante à expansão do setor sucroenergético e do etanol na matriz de energia do Brasil. Somente o Leilão de Reserva de 2008, o primeiro leilão de reserva (e último) dedicado à biomassa, contratou mais de 30 projetos.
De lá para cá, a falta de leilões regulares com preços adequados desencorajou a contratação de novos projetos de bioeletricidade. Resultado: em 2015, foram comercializados apenas três projetos de bioeletricidade sucroenergética nos leilões de energia nova, total superior apenas ao único projeto comercializado em 2009 e ao ano de 2012 quando batemos o recorde negativo, ou seja, nenhum projeto de energia nova comercializado nos leilões regulados.
Atualmente, há aproximadamente 180 unidades sucroenergéticas exportando excedentes de bioeletricidade para a rede, de um universo de 355 unidades produtoras, a maior parte na Região Sudeste/Centro-Oeste do país. Assim, a outra metade de usinas, com uma biomassa já existente nos canaviais, pode passar por um processo de reforma (“retrofit”) e tornarem-se grandes geradoras de bioeletricidade para o Sistema Interligado.
Para que seja retomado o investimento de forma consolidada e contínua em bioeletricidade precisamos de uma política pública bem estruturada, clara, estável e de longo prazo que passa por reconhecer um preço adequado nos leilões regulados, que devem ocorrer com continuidade e previsibilidade para a bioeletricidade.
Neste ano, por exemplo, talvez tenhamos somente um leilão (A-5) para participar e que deve ter baixo nível de contratação, já que o Leilão A-3 poderá não ocorrer devido à queda da demanda por energia. Notícias apontam que até a realização do A-5 poderia estar comprometida, dado o nível de sobrecontratação das distribuidoras.
Até o presente, entende-se das notícias setoriais que, em 2016, o leilão que deve contratar alguma energia será o Leilão de Energia de Reserva, mas que permitirá apenas a participação da eólica e da fonte solar, como tem sido nos últimos anos. Menciona-se na mídia também que as Pequenas Centrais Hidrelétricas e as Centrais Geradoras Hidrelétricas também poderiam participar do Leilão de Reserva de 2016.
Mas e a bioeletricidade? Desde 2011, a participação da biomassa tem sido negada nos Leilões de Energia de Reserva. Fechar a porta para a bioeletricidade nos Leilões de Reserva, como o que acontecerá em 2016, é apenas um exemplo de que há espaço para melhorar o ambiente institucional para a esta importante fonte renovável.
Tudo que não queremos é a continuidade da política do stop and go (ou melhor, go and stop) que vimos depois de 2008. A fonte biomassa que já chegou a representar 32% do crescimento da capacidade instalada na matriz elétrica do país em 2010, tem previsão de participar em 2016 com apenas 7% da expansão anual da capacidade instalada no Brasil, índice que poderá cair para apenas 2% (ou próximo disto) em 2020, se não houver uma política de contratação firme para a bioeletricidade até lá.
A bioeletricidade é uma energia renovável e sustentável, que evita emissões de gases de efeito estufa, poupa água nos reservatórios das hidrelétricas por gerar no período seco do sistema e evita perdas e investimentos em transmissão pela geração estar ao lado dos grandes centros consumidores.
Além do mais, a bioeletricidade tem uma geração previsível e estável na safra (o que ajuda em muito a vida do Operador Nacional do Sistema). Se queremos ter mais fontes eólica e solar no sistema, é ótimo contratar também a bioeletricidade na Região Centro-Sul para dar mais segurança ao sistema. É uma trinca de ouro renovável: eólica, solar e o apoio mais que bem-vindo da bioeletricidade também. Há espaço para todas estas fontes renováveis!
Para um país que assumiu metas ambiciosas na COP-21, certamente haverá espaço para a diversificação da matriz de energia brasileira contratando eólica, solar mas revitalizando a expansão da bioeletricidade e dos biocombustíveis. O binômio “eólica-solar” parece já ter “decolado” na matriz de energia elétrica, um processo que oxalá será irreversível.
O ano de 2016 será o ideal também para avançar na construção de um ambiente institucional que estimule novamente e transmita segurança para a tomada de decisão em novos investimentos em bioeletricidade e biocombustíveis. Potencial nós temos, precisamos é começar a encher o Lago Paranoá da bioeletricidade.
(*) Zilmar José de Souza é economista, doutor em engenharia de produção, atuando na União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), desde 2008, na área de bioeletricidade.