Comercializadores propõem mais rigor
Maurício Corrêa, de Brasília —
Os comercializadores optaram por não esperar as decisões que serão tomadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em relação às medidas que tornem o mercado mais transparente e seguro. Nesta quinta-feira, 28 de março, em Brasília, eles discutirão várias propostas, no âmbito da associação do segmento, a Abraceel, que objetivam criar um selo de melhores práticas na gestão de risco pelas empresas.
Uma fonte qualificada que trata da questão informou ao site “Paranoá Energia” que existem algumas propostas na mesa, mas que elas passam basicamente pelo mesmo caminho: os comercializadores dão total apoio às soluções estruturais que estão sendo desenvolvidas no âmbito da Aneel visando à segurança do mercado, mas, ao mesmo tempo, querem oferecer uma contribuição própria.
Na realidade, conforme foi explicado a este site, o esforço dos comercializadores para melhorar as práticas do mercado não nasceu após os problemas verificados com algumas comercializadoras, em fevereiro, devido à elevação do PLD. Em outubro do ano passado, essa questão já fazia parte de uma meta do Planejamento Estratégico da associação a ser perseguida durante o exercício de 2019.
A questão só assumiu uma dimensão mais profunda a partir de meados deste mês, quando os agentes tomaram conhecimento do Ofício 104, assinado pelo diretor Sandoval de Araújo Feitosa, da Aneel, endereçado ao superintendente de Concessões e Autorizações de Geração, Carlos Eduardo Cabral Carvalho.
Nesse ofício, o diretor mencionou a “necessidade de identificação e responsabilização legal para atos de má gestão ou má fé, decorrentes de assunção de riscos muitas vezes superiores à capacidade financeira dos comercializadores”.
Ele pediu informações para conhecer toda a cadeia societária de cada agente de comercialização, inclusive com a abertura do quadro de acionistas/cotistas até a participação societária final, “identificando situações que favoreçam comportamentos oportunistas e práticas anticompetitivas de agentes do mercado”.
Na última segunda-feira, a associação encerrou o prazo para recebimento de contribuições por parte das empresas vinculadas sobre a questão da segurança do mercado. Nesta quinta-feira, antes da reunião dos associados — marcada para a parte da tarde — os conselheiros e diretores da Abraceel serão recebidos pelo diretor-geral da Aneel, André Pepitone, quando o assunto será tratado.
Pepitone já se manifestou várias vezes sobre o assunto e tem dito que um dos seus objetivos é a fixação, pela agência reguladora, de normas que evitem as situações registradas nas últimas semanas, quando várias comercializadoras não honraram as suas garantias financeiras junto à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e por isso tiveram os seus contratos rebaixados. Pepitone não é contra o mercado livre, mas também entende que do jeito que está não pode continuar, pois as relações bilaterais entre comercializadoras permitem um nível elevado de insegurança.
Entre os associados da Abraceel existe a mesma convicção: é necessário ampliar a segurança das transações bilaterais no mercado de energia elétrica. Nesse contexto, uma ideia que está sendo discutida internamente é a criação de uma chamada “Entidade Supervisora”, que teria a atribuição de conferir a certificação de exposição das empresas a determinado risco de mercado.
A proposta foi apresentada por um grupo de comercializadoras e vem sendo discutida há vários dias. Nesse contexto, a adesão das empresas seria voluntária e as métricas deveriam avaliar o risco de cada carteira dos agentes de comercialização, comparando-os com o Patrimônio Líquido de cada empresa.
Essa “Entidade Supervisora” notificaria os agentes que eventualmente estivessem desenquadrados. Caso não fossem tomadas providências, o mercado então seria notificado e a empresa desenquadrada perderia imediatamente o selo de certificação.
Por enquanto, tudo é hipótese de trabalho, mas a proposta especifica que o processo de certificação com base nas melhores práticas do mercado seria coordenado pela associação. Entretanto, a adesão ao programa não se limitaria aos agentes associados à Abraceel e poderia aderir à convenção qualquer empresa do mercado de energia elétrica.
Atualmente, além das preocupações com a cadeia societária das comercializadoras, a Aneel trabalha em iniciativas que consistem na divulgação do balanço energético, no aumento do Patrimônio Líquido mínimo exigido dessas empresas e no monitoramento de cada um conforme as iniciativas tomadas no âmbito da CCEE.
Entre os comercializadores, conforme foi apurado pelo site “Paranoá Energia”, também existe a convicção que se avançar a proposta da “Entidade Supervisora” a associação não poderá ter qualquer tipo de envolvimento no recebimento das informações sobre as empresas, mantendo absoluta neutralidade.
Nesse sentido, o que se discute agora é a criação de um Conselho de Melhores Práticas de Mercado, que deverá avaliar os resultados do programa de certificação. A proposta para esse conselho consiste em uma formação que tenha representantes da própria associação, do BBCE, das entidades do mercado e das associações de geradores e consumidores.
Seria contratada uma empresa independente de tecnologia da informação para oferecer absoluta segurança aos dados utilizados pela chamada “Entidade Supervisora”. Essa, por sua vez, observaria as métricas de riscos que embasariam todo o trabalho, com foco no limite máximo de exposição, capacidade econômica dos agentes e na concentração do risco e do crédito.
Quanto à “Entidade Supervisora”, se essa proposta for em frente, deverá ser uma empresa sólida e independente, reconhecida pelo mercado e detentora de conhecimento na área de energia. Poderia, por exemplo, ser uma das “big four” da área de auditoria: PriceWaterhouseCoopers, KPMG, Ernst & Young ou Deloitte ou então qualquer outra empresa do ramo devidamente credenciada junto à Comissão de Valores Mobiliários.
A empresa escolhida para ser a “Entidade Supervisora” seria paga mensalmente pelas empresas que aderirem à convenção das melhores práticas do mercado.
Dentro da Abraceel, existe uma preocupação com o cronograma de implantação das medidas. Assim, a proposta assinala que, até o fim de maio, seriam assinados os termos de compromisso por parte das empresas e, até o fim de julho, já seria devidamente instalado o processo de supervisão. Embora não esteja registrado na agenda oficial, até o final da tarde desta quarta-feira, ainda havia a expectativa que o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, poderia aparecer rapidamente na reunião dos comercializadores para apresentar uma mensagem do Governo.