Setor elétrico: mudanças em tempo de crise
Bernardo Sicsú (*)
O difícil ano de 2015 chega ao fim repleto de desafios. Segundo dados do IBGE, o país fechou mais de 1,2 milhão de vagas formais de emprego nos últimos 12 meses e a taxa de desemprego chegou a 8,9%, a maior desde 2012. Entre jovens de 18 a 24 anos de idade, a taxa de desocupação está próxima dos 20%. O ano terminará com a taxa básica de juros nos mesmos patamares de nove anos atrás, uma das maiores do mundo, “atenuada” em termos reais por uma inflação de dois dígitos. E o PIB registrará novo recuo, agora próximo de 3%.
A queda do PIB é agravada pela delicada situação da indústria. Também segundo dados do IBGE, o emprego industrial registrou queda em outubro pelo 48º mês consecutivo na comparação com o mesmo mês do ano anterior. No acumulado do ano, todos os 18 ramos pesquisados registraram diminuição no número de trabalhadores. Pelas expectativas do mercado, a produção industrial deverá finalizar 2015 com retração de 7,5%. Com isso, o índice de participação da indústria no PIB recuará ainda mais. No ano passado, segundo dados do IBRE/FGV, a indústria de transformação representou 10,8% do PIB, mesmo nível registrado na década de 40.
“A gente precisa pôr o Brasil de pé de novo”, esse foi o recado do Ministro da Fazenda em defesa do ajuste fiscal que busca realinhar a economia. Mas o acerto não é fácil. Sem uma meta fiscal definida para este ano e diante da perspectiva de um rombo histórico nas contas públicas, o governo se vê obrigado a realizar inédito contingenciamento das verbas discricionárias. Para o orçamento de 2016 – não bastassem as despesas obrigatórias que totalizam quase 90% das despesas primárias e a elevada carga tributária em níveis de países desenvolvidos –, a negociação também é dificultada pelo conturbado contexto político e a crise ética instalada no país. O ajuste fiscal é apenas um dos problemas.
O crescimento sustentável da economia depende de um conjunto de mudanças estruturais que permitam aumentar a produtividade e a competitividade. É preciso, por exemplo, reduzir a burocracia, reorganizar o sistema tributário, elevar o investimento em inovação e buscar maior eficiência nos gastos. O país precisa ainda elevar sua taxa de investimento, principalmente dos investimentos em infraestrutura.
Destaque para o setor elétrico. O desafio da expansão energética – que demandará vultosos recursos nos próximos anos – passa por melhorias no ambiente de negócios. Ainda existe um estoque de problemas que tem afetado toda a cadeia e prejudicado a autonomia do fluxo financeiro. A instabilidade de regras elevou a percepção de risco dos investidores, reduziu a confiança dos agentes, retirou competitividade do setor e culminou num intenso processo de judicialização com efeito paralisante sobre o mercado.
A nova administração do setor vem tentando encontrar soluções, adotando o diálogo como premissa. Um exemplo foi a recém-aprovada MP 688. A medida, concebida inicialmente para tratar do GSF e do leilão das usinas não prorrogadas, acabou ganhando no Congresso Nacional importantes emendas que melhoram o ambiente de investimentos. Caso dos mecanismos que conferem isonomia aos autoprodutores, da possibilidade de participação dos consumidores livres nos leilões do ACR e do estímulo para a geração distribuída a partir da criação de um Valor de Referência específico.
Entretanto, essas são apenas algumas das medidas que precisam ser adotadas para melhorar o funcionamento do setor. A MP 688 foi criada em função de problemas de curto prazo e assim tem sido em função do passivo e da complexidade dos problemas setoriais. Na retomada do setor elétrico como fator de desenvolvimento da economia, uma nova onda de ações é necessária, medidas estruturantes que aperfeiçoem principalmente a arquitetura do mercado.
“Não temos dúvida de que o modelo requer aperfeiçoamento. Eu não faria uma revisão plena, mas chamaria todo mundo (para dialogar)”, afirmou o secretário executivo do MME. O P&D Estratégico sugerido pelo Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase) e pelo Instituto Abradee que deverá ser coordenado pelo MME/ANEEL com participação dos órgãos vinculados, é uma oportunidade ímpar para o setor elétrico – ainda muito pressionado por problemas conjunturais – se reunir tecnicamente na busca por aperfeiçoamentos estruturais e de maneira independente do conturbado cenário político que vive o país.
A percepção do Ministério sobre a importância de aperfeiçoamentos e a disposição ao diálogo com todos os agentes é o ponto de partida. A agenda, densa, demandará tempo, devendo ser atacada o quanto antes. Os mecanismos de formação de preço, o modelo de contratação do ACR e ACL, o planejamento, a definição da matriz, a governança do setor, a inserção da geração distribuída, o papel do mercado livre, a alocação de custos, a eficiência energética e a resposta da demanda são apenas alguns dos temas a serem enfrentados.
O cenário é desafiador, mas o setor elétrico, respaldado em sua inteligência coletiva, tem potencial para liderar a retomada sustentável do crescimento econômico, assegurando energia competitiva para o desenvolvimento nacional.
Em tempo, por falar em desafio, desejo sucesso ao site “Paranoá Energia”, na certeza de que contribuirá para o fortalecimento tanto do jornalismo como do setor energético.
(*) Bernardo Sicsú é coordenador de economia da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape).