O Brasil que queremos
Walfrido Victorino Avila (*)
Aproxima-se o final de 2015 e, em meio a tantas turbulências que marcaram o ano, o setor energético brasileiro tem pelo menos uma excelente notícia para comemorar: o lançamento neste início de dezembro do site especializado “Paranoá Energia”, idealizado pelo jornalista Maurício Correa. Talvez por estarmos chegando com a Tradener, em 2016, aos nossos 18 anos de atividades no mercado livre, somados a outras quase três décadas de trabalho no setor, recebi o convite para escrever algumas linhas nesta edição inaugural, o que muito me honrou.
Nesta oportunidade, a primeira afirmação a ser feita é que o setor energético recebe de braços abertos a iniciativa de mais um fórum como este, não só para a veiculação de notícias mas também para que possam ser apresentadas reflexões sérias sobre a conjuntura setorial.
É de se esperar, nestas circunstâncias, que as manifestações neste espaço sejam seriamente comprometidas com visões de efetivo estadismo, ideias consistentes para o desenvolvimento econômico do país, de que a energia é insumo dos mais importantes. Portanto, o que gostaríamos de ver aqui será a exposição de proposições relevantes quanto ao futuro, sem vinculação a partidarismos e/ou à defesa de casuísmos e erros momentâneos. Eu me refiro às tais soluções mágicas que, para encobrir as antecedentes, somente se têm replicado na história recente, de certa forma até com teimosia e, infelizmente, pouca ou nenhuma humildade.
Certamente não cabe nesta primeira exposição elencarmos todos os problemas existentes, e tampouco todas as soluções que nos ocorrem. Todavia cabe, sim, reiterar a ideia que temos defendido desde o início deste modelo setorial, a nossa convicção de que a ampliação do mercado livre de energia é um caminho seguro, senão o único neste momento, para garantir, com impactos quase que imediatos, a redução dos custos industriais com energia e a consequente retomada do crescimento econômico.
É evidente que, quando defendemos especificamente a ampliação do mercado livre de energia elétrica, não estamos nos referindo somente à almejada isonomia no acesso às fontes de geração, ou ao cumprimento da Lei 9.074/95, que permite que todos os consumidores, inclusive os residenciais, já pudessem ser livres desde 2003. Temos que necessariamente enfrentar a burocracia que emperra o livre acesso à energia e que no dia a dia sufoca principalmente os consumidores que já são livres, e desestimula os que ainda pretendem ser.
Nesse sentido, lembramos o labirinto de exigências a serem desvendadas e cumpridas para acesso ao mercado, tal qual a que, por exemplo, leva um industrial de algum pequeno município do interior do Paraná, ou qualquer outro Estado, a abrir e manter uma conta-corrente em uma agência bancária da Avenida Paulista.
Ou, fato real, que sob a alegação de inadimplemento de terceiros, seja imposta a um pequeno gerador uma conta de valor infinitamente maior do que o da sua própria usina, e que se ele se não pagar – por impossível — ou recorrer à justiça (via de regra com ganho de causa), no dia seguinte terá para si estampada a pecha de “inadimplente”.
Distorções como essa decorrem da notória opção setorial para complicar em vez de simplificar, o que no fim das contas leva, por exemplo, a que agentes de todas as classes sejam cobrados em razão de GSF, que é, muito objetivamente, uma relação entre a geração hidráulica e a garantia física das hidrelétricas. O fato é que problemas técnicos como esse, ou como a própria revisão do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), devem ser tratados de forma técnica. Quando se opta pela solução política, é grande a probabilidade de, em vez de resolver, causar mais e mais problemas correlatos e potencialmente maiores, como no caso, o travamento de todo o mercado.
Se por um lado é imperativo que o mercado seja regulado, regido por normas claras e estáveis, nada justifica que as regras evidentemente equivocadas sejam tratadas como indiscutíveis e mantidas como “sagradas”, custe o que custar. Se uma regra está errada, o erro deve ser reconhecido e corrigido ao menor sinal de problemas, e não mantido ao ponto de levar à judicialização e travamento do mercado por questões que podem ser facilmente resolvidas com a inteligência.
Em termos de energia, temos que evidentemente ir além da eletricidade, e assim também estamos buscando contribuir, nos últimos anos, para a abertura do mercado nacional de gás natural, conforme estabelecido pela legislação vigente. Se no setor elétrico a luta tem sido árdua há décadas, o mercado livre de gás natural, embora vetor indiscutível de desenvolvimento, a tarefa não demonstra ser mais fácil e ainda depende de muitos entendimentos para vencer as resistências.
Em termos de país, se quisermos avançar, em breve teremos que enfrentar os obstáculos que se impõe aos investidores, internos e externos, e, sem dúvida, repensar a pesada carga tributária cuja única justificativa é a necessidade de manutenção de uma máquina estatal pesada e ineficiente.
Não obstante, apesar de todos os entraves e da falta de um horizonte claro para os próximos anos, nós, empresários, temos quase que a obrigação de ser persistentes em nossas atividades, pois o Brasil que queremos deixar para os nossos descendentes é um país de progresso e de liberdade, em que a organização e o planejamento propiciem um desenvolvimento contínuo e duradouro, que nos faça esquecer tantas mazelas.
Ajuda-nos a compreender a atual situação se compararmos o país com a imagem de uma ferrovia antiquada, em que os dormentes apodreceram e os trilhos estão enferrujados; são velhas marias-fumaças que puxam as composições sobre trilhos estreitos, seguindo devagar, patinando eevidenciando até o risco de andar para trás.
Para literalmente recolocarmos o Brasil nos trilhos, temos que optar pelo que fazer: seguir substituindo um ou outro dormente e trilho, lubrificando as máquinas a vapor e torcendo para que não quebrem. Ou escolher e trabalhar para termos vias modernas, de bitolas mais largas e com locomotivas potentes e composições adequadas a um grande País.
(*) Walfrido Victorino Avila é presidente da Tradener