GD no Brasil: O futuro encontra o passado no presente!
Raphael Vale (*)
As mudanças tecnológicas atuais são avassaladoras! Impossível sabermos o que acontecerá em 5 ou 10 anos. Como será a matriz energética do Brasil e do mundo em 2027? Uma coisa sabemos: que o número de consumidores que produzem energia e injetam na rede está aumentando muito. É a chamada GD, geração distribuída, regulada pela Aneel através da Resolução 482/2012, aprimorada em 2015 pela Resolução 687.
O novo texto entrou em vigor no dia 01/03/2016, há pouco mais de um ano, e nesse período a quantidade de unidades consumidoras que se tornaram produtoras mais que quintuplicou! Está previsto que a agência reguladora revisará a resolução obrigatoriamente até 31/12/2019, mas ao que tudo indica essa revisão ocorrerá bem antes.
O FUTURO
A GD é “o futuro”! Inova ao possibilitar que o antes apenas consumidor se transforme em prosumidor (produtor + consumidor), que a fonte de produção seja renovável (das quais quase 98% são solar fotovoltaica), menos perda da produção da energia, menos linhas de transmissão e um empoderamento energético dos antigos consumidores.
Esse futuro precisará de muitos ajustes na regulação, interpretações e na implementação. Vejamos alguns:
1. As unidades que produzem poderiam ter uma designação diferente. Em vez de UC passar para UP (Unidade Prosumidora);
2. Modernização das redes elétricas, através da implantação de redes inteligentes de energia. Com a GD, a energia é produzida e injetada na rede de distribuição, diferentemente da geração centralizada, em que a energia é transmitida para o local de consumo;
3. Há consumidores que não declararam suas fontes de produção para as distribuidoras e ainda existem consumidores que já produzem e armazenam em casa, o que será cada vez mais comum, assim como no futuro teremos prosumidores que vão requerer à distribuidora o desligamento de sua unidade consumidora, configurando a independência energética;
4. A remuneração da utilização da rede de distribuição na GD é um item que deva ser aprimorado. No caso de geração compartilhada (cooperativas e consórcios) as unidades que recebem a energia já pagam a tarifa de disponibilidade e ainda assim a unidade de geração (miniusina) tem que pagar a chamada “demanda contratada” sem ter carga instalada de consumo na unidade.
Como analogia podemos usar as usinas solares fotovoltaicas que ganharam leilões e estão injetando na rede de distribuição e estão pagando quanto? Ou seja, uma usina de 1MWp em GD vai pagar mais que uma usina de 1MWp que não esteja em GD?
5. As linhas de financiamento e os agentes que operam essas linhas precisam evoluir e perceber que não estão financiando “placas solares” e sim usinas que geram energia. A título de comparação, uma usina solar fotovoltaica do mesmo valor de um caminhão e carreta para frete é uma segurança muito maior para o agente bancário, pois, além de estar parada e fixa, gera energia todos os dias sem a necessidade de funcionários;
6. Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) vão impulsionar cada vez mais e mais a GD, tornando impossível saber onde chegaremos; e
7. Regulação moderna e especifica para a GD.
O PASSADO
O setor elétrico brasileiro, funcionava “muito bem”, baseado em um modelo centralizado com a maior parte de sua matriz concentrada em UHE (68,6% em 2016), que são obras gigantescas, com inúmeros impactos na sua implantação, além da necessidade de linhas de transmissão de alta tensão. Nesse modelo, em média no Brasil, a energia percorre entre 3.000 e 3.500 quilômetros da central geradora até o consumidor. As distribuidoras de energia eram quase todas públicas, enquanto o preço da conta de energia no passado não era tão impactante no orçamento do consumidor.
Foi um modelo que funcionou durante décadas, mas que ficou ultrapassado, caro e que necessita urgentemente de um novo desenho, que seria a transição para o futuro.
O PRESENTE
O atual setor elétrico brasileiro, regulado pela Aneel, passa por momento de “insatisfação” generalizada, que vai dos geradores aos consumidores. Como o modelo do SEB virou uma espécie de colcha de retalhos, existem muitas questões que precisam ser enfrentadas e urgentemente modernizadas.
No geral passamos por um momento de transição e oportunidade de modernização plena do setor. Boa parte das geradoras, distribuidoras e cooperativas de eletrificação rural, já percebeu e está participando ativamente dessa “uberização” do sistema elétrico. Devemos nos espelhar nos cases de sucesso de outros países e realizar nossa transição de uma forma profissional, técnica e moderna. Não tem mais campo para interesses escusos e que favoreçam apenas um dos atores.
A descentralização dos meios de comunicação e as mudanças nos conceitos de propriedades pelas novas gerações devem ser levados em conta. Os jovens de hoje não querem “ter”, querem acessar, querem compartilhar informações e bens de consumo.
TODO “MUNDO” PELAS ENERGIAS RENOVÁVEIS
O ano de 2015 foi chave para a aceleração dessa transição. Vejamos os vários eventos que aconteceram:
Primeiro país sem combustíveis fósseis – Essa transição não é exclusividade do Brasil e vários países estão realizando essa transição. Em setembro de 2015, a Suécia já contava com uma data para não mais utilizar mais combustíveis fósseis — até 2050, o que precisa ser um objetivo de todos.
Em setembro de 2015, a ONU apresentou os 17 “ Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” (ODS) como uma agenda comum para ser implantada até 2030. O objetivo 7 da ONU é: “Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos”.
Em que pese toda a modernidade do mundo, em torno de 1 bilhão de pessoas ainda não tem acesso a energia elétrica regular, ou seja, são pessoas que ainda se encontram na era pré-industrial. Uma interessante iniciativa para divulgação e popularização dos ODS no Brasil é o website www.sudeto.eco.br
Acordo de Paris – COP 21 – Conferencia de Mudanças Climáticas – No Acordo de Paris assinado por 196 países, em dezembro de 2015, o aumento da utilização de fontes renováveis de energia foi um dos temas principais.
O Brasil é um dos signatários e o Congresso Nacional ratificou o Acordo de Paris em setembro de 2016, no qual nosso país tem a “Contribuição Nacional Pretendida” de aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030.
Os atores do setor elétrico brasileiro tem que entender que estamos com a oportunidade de modernizar, tornar mais sustentável e democratizar a produção e o consumo de energia elétrica.
Enfim, devemos lembrar que “o hoje será o ontem amanhã”!
(*) Raphael Vale é presidente da Cooperativa Brasileira de Energia Renovável (Coober), em Paragominas (PA).