Cooperativas de energia no Brasil e na Costa Rica
Raphael Sampaio Vale (*)
Na qualidade de presidente da Cooperativa Brasileira de Energia Renovável (Coober), pioneira na produção de energia solar fotovoltaica em geração distribuída no Brasil, fui convidado pela Confederação Alemã de Cooperativas (DGRV) para integrar a delegação brasileira, composta por oito pessoas, que realizou intensa programação na Costa Rica, há poucos dias, com foco nas práticas e funcionamento das cooperativas de energia (distribuição, eletrificação e geração renovável).
A Alemanha tem no total 5.664 cooperativas, das quais 853 são de energia renovável e tem apoiado o desenvolvimento e acompanhado o cooperativismo no Brasil. A DGRV dispõe de uma representação em São Paulo, que está subordinada ao escritório central para a América Latina, localizado em San José, Costa Rica.
A Costa Rica é um país com características muito especiais, além dos belíssimos cenários. Por exemplo: aboliu o Exército em 1948; extinguiu o analfabetismo; possui preocupação com a sustentabilidade e respeito ao meio ambiente. Além disso, 21% da população participam de cooperativas.
Está claro, portanto, que o cooperativismo é um objetivo nacional e é uma ferramenta para o país atingir os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU até 2030. Em 2016, 98,21% da energia elétrica da Costa Rica resultaram de fontes renováveis. .
Durante a visita, foi possível conhecer três cooperativas de energia: Coopesantos, Coopelesca e Coopalfaroruiz, além do consórcio de geração de energia renovável e central de despacho de energia, Conelectricas.
A Coopesantos tem como lema “fonte de progresso e bem-estar”. Há mais de quatro décadas atende a região de Los Santos, atingindo uma área de 1.500km2, o que abrange 120 comunidades em nove municípios. Tem 37 mil cooperados, presta serviços de TV a Cabo e internet banda larga para os seus cooperados. É a primeira cooperativa a produzir energia eólica na Costa Rica, utilizando 15 aerogeradores de 850 kWp cada e tem geração solar fotovoltaica no telhado de seu escritório central, uma instalação de 400 painéis de 255W, totalizando uma potência instalada de 102kWp.
A Coopelesca é a maior cooperativa de energia elétrica da Costa Rica. Sua área de concessão abrange 9,3% do país, produz 73% da energia que fornece — totalmente derivada de fontes renováveis, 100% da iluminação pública em LED, mantém TV a cabo e internet banda larga para seus mais de 80 mil cooperados. No ano de 2016 foi eleita pela Federação da Industria da Costa Rica como a melhor empresa do país.
Quanto à Coopalfaroruiz é a mais nova das cooperativas, fundada em 1972, e a menor delas, com 7 mil cooperados. Sua área de concessão corresponde a 0,5% do território da Costa Rica e 100% de seu território tem rede elétrica. Em até cinco anos a sua rede estará modernizada em termos tecnológicos, com a substituição de todos os atuais mediadores por medidores inteligentes. Em suas assembleias gerais anuais tem a participação superior a 95% dos delegados-cooperados.
Finalmente, a Coneelectricas, que trata-se de um consórcio fundado em 1989 pela Coopalfaroruiz, Coopelesca e pela Coopesantos, além da Coopeguanacaste, com o objetivo de melhor a geração e administração da energia gerada, além de reduzir o custo de operação beneficiando os cooperados.
Os dirigentes das cooperativas e do consorcio das cooperativas estão atentos a possível abertura do mercado de energia na Costa Rica no próximo ano. Também estão tentando entender o impacto que a Geração Distribuída terá no sistema elétrico. A GD é regulada por um documento de 23 páginas do Ministério de Meio Ambiente e Energia, de 2016.
Em linhas gerais a GD na Costa Rica tem as seguintes peculiaridades: não pode ultrapassar 5% da demanda total de energia; não pode ultrapassar 15% por circuito; e não pode exceder a 50% da média de consumo histórico da unidade consumidora.
As cooperativas têm as suas tarifas controladas pelo órgão regulador. A iluminação pública de suas areas de concessão é de sua responsabilidade.
Todas as cooperativas visitadas pela missão técnica realizam o Balanço Social, que é uma ferramenta importante para demonstrar os diferenciais positivos das cooperativas.
As cooperativas costarriquenhas estão focadas em prestar serviços de excelência e manter os seus cooperados satisfeitos e confiantes no futuro de sua cooperativa, para tanto estão realizando importantes melhorias: uso de outros tipos de geração de energia, modernização da gestão do sistema, uso de tecnologias “smart grid”, prestação de outros serviços (internet).
No Brasil, as primeiras cooperativas de eletrificação surgiram no Rio Grande do Sul na década de 1940. Em 1980 eram 260, em 2005 eram 147 e em 2012 eram 68, número esse que continua até os dias atuais.
As CEs brasileiras são exemplo de qualidade na prestação de serviço, basta verificar na pesquisa anual da Aneel com os consumidores de energia elétrica. Essas cooperativas ocupam os 10 primeiros lugares de satisfação, demonstrando o profissionalismo e preocupação com o cooperado/consumidor. Importante destacar que 100% da energia produzida por cooperativas no Brasil são renováveis.
As cooperativas de eletrificação tem papel importante no mundo, inclusive nos Estados Unidos, onde as cooperativas produzem 5% da energia total do país. Já no Brasil, Se houvesse o devido reconhecimento e incentivo governamental, muitas regiões carentes de eletrificação rural poderiam ser atendidas pelo sistema de cooperativas.
Essa vasta experiência e organização das CEs brasileira as posicionam na linha de frente do atual momento de transformação e mudanças tecnológicas irreversíveis, em que os recursos energéticos distribuídos — englobando geração distribuída armazenamento de energia, eficiência energética, veículos elétricos e gerenciamentos da demanda — serão pautas cada vez mais presentes no dia-a-dia do SEB. Nesse contexto, as cooperativas de energia têm a grande oportunidade de acompanhar as mudanças, continuando a prestar serviços de qualidade com o reconhecimento e a satisfação de seus cooperados.
Os tempos mudam e ciclos se iniciam e se encerram constantemente, assim como as mudanças de referências. Na época presente, aliás, com uma velocidade nunca antes experimentada. O consumo de energia tende a aumentar, agora que o País volta a crescer, enquanto o custo das tecnologias, principalmente na geração de energia solar fotovoltaica, armazenamento de energia e veículos elétricos continua a se reduzir.
Se entendermos que as relações de consumo mudaram e estão ainda mudando, perceberemos que o consumidor de energia elétrica não será mais aquele sujeito passivo, pelo contrario será um sujeito ativo na produção de energia, escolhendo o tipo de energia e participando das decisões sobre a energia elétrica.
É claro que as gerações futuras estão sendo formadas com uma mudança nas relações de propriedade e posse das coisas e direitos, com a importância de compartilhar, de acessar e ser mais transparente mais presentes. E isso é apenas o começo de uma nova era, razão pela qual é preciso que tenhamos olhos e mentes abertas e estejamos preparados para as oportunidades de novos negócios.
Enfim, a visita às cooperativas costarriquenhas trouxe uma sinergia para o grupo brasileiro que lá esteve, vivenciando outras realidades e possibilidades. Embora seja um País pequeno, compreendendo uma população de 5 milhões de habitantes em uma área de 51 mil km quadrados (o que representaria o estado do Espírito Santo e mais o Distrito Federal) a Costa Rica é um país evoluído, com um Índice de Desenvolvimento Humano de 0,776, o que a classifica em 66º entre todos os países examinados, contra, por exemplo, o IDH brasileiro de 0,754, que nos coloca em um pouco honroso 79º lugar.
Talvez valha a pena conhecer um pouco mais a estrutura do cooperativismo na Costa Rica, principalmente na área de energia elétrica, pois pode ser um bom exemplo para o Brasil, considerando que em alguns ambientes institucionais ainda existem enormes preconceitos ao modo compartilhado de desenvolver a economia.
(*) Raphael Sampaio Vale é presidente da Cooperativa Brasileira de Energia Renovável (Coober), em Paragominas, Pará.