Tratado de Itaipu: exemplo para o mundo
Marcos Stamm (*)
Manhã de quinta-feira, 26 de abril de 1973. Em Brasília, o presidente Emílio Garrastazu Médici, em seu último ano de mandato, recebe no Palácio do Planalto o presidente do Paraguai, Alfredo Stroessner, no poder há quase 19 anos. Em solenidade rápida, os dois presidentes assinam o Tratado de Itaipu.
Era o resultado final das negociações que haviam culminado, em 22 de junho de 1966, com a Ata do Iguaçu, documento assinado em Foz do Iguaçu pelos ministros das Relações Exteriores do Brasil, Juracy Magalhães, e do Paraguai, Raúl Sapena Pastor, pelo qual os dois países manifestavam o interesse conjunto de aproveitar os recursos hidráulicos do Rio Paraná.
A Ata do Iguaçu foi uma etapa indispensável para a celebração do Tratado de Itaipu, pois deu segurança jurídica para as negociações, ao fixar que, na região de fronteira, as águas do Rio Paraná pertenciam em condomínio aos dois países e assim deveriam ser exploradas. De quebra, trouxe solução para dúvidas com relação às fronteiras, já que, com a inundação da região para a formação do reservatório, ficava submerso ou se tornaria área de proteção ambiental o trecho de território que ainda gerava polêmica.
Com o Tratado de Itaipu, avançou-se finalmente para a prática, a construção de uma hidrelétrica binacional. O Paraguai, um país de apenas 2,5 milhões de habitantes à época (hoje são 6,75 milhões), unia-se ao já gigantesco vizinho (96 milhões de habitantes, hoje 207 milhões), na empreitada histórica. A construção de Itaipu, que teve início em janeiro de 1975, criou um novo Paraguai, ao mesmo tempo que viria garantir ao Brasil a energia necessária para o seu processo acelerado de industrialização.
Quando o Tratado de Itaipu foi assinado, a economia do Paraguai dependia basicamente do setor primário, com produção rudimentar. Com as obras de Itaipu, o fluxo de capital externo se acelerou rumo ao Paraguai, em múltiplos setores, o que fez o Produto Interno Bruto do país crescer à média de 9,8% entre 1974 e 1981. Taxas que, nos anos 2000, só se verificariam na economia chinesa. A agricultura se modernizou, as exportações aumentaram e surgiu uma nova classe média paraguaia.
Documento binacional inédito no mundo, o Tratado de Itaipu é exemplo e modelo de cooperação internacional entre dois países, que permite alavancar o desenvolvimento de cada um deles, respeitando-se a igualdade, sem prevalência ou dominância de uma parte sobre a outra. Se a usina é resultado físico dos ousados projetos das engenharias, sua concepção resulta também de minuciosos estudos e discussões diplomáticas e jurídicas.
A “engenharia jurídica”, elaborada sempre em conjunto por diplomatas e juristas do Paraguai e do Brasil, constitui-se numa lição de costura geopolítica que gerou a partilha do recurso natural comum aos dois países: as águas do Rio Paraná.
Foi graças a todo este trabalho prévio, que consumiu horas de pesquisas, avaliações e debates, que nasceu a Itaipu Binacional, em maio de 1974, criada para gerenciar as obras e depois administrar aquela que seria mais tarde a maior geradora de energia elétrica do planeta. Itaipu é uma empresa juridicamente internacional, regida por seu Tratado, uma legislação binacional que só pode ser modificada com negociação prévia dos dois governos.
É isso o que vai acontecer dentro de cinco anos, quando o Tratado completa 50 anos de criação e, conforme foi acertado entre os dois países, será então renegociado o Anexo C do documento binacional.
O Anexo C trata das bases financeiras e de prestação dos serviços de eletricidade, isto é, define a distribuição da energia à Ande, no Paraguai, e Eletrobras, no Brasil (ou empresas brasileiras ou paraguaias por elas indicadas). Na prática, a energia de Itaipu que não for consumida pelo Paraguai deverá ser direcionada ao Brasil. O Anexo C define também como é fixado o custo do serviço da energia gerada por Itaipu, o pagamento de royalties aos dois países e também a amortização da dívida de sua construção.
Mais uma vez, Brasil e Paraguai vão sentar à mesa de negociações. E o resultado, por certo, será auspicioso para os dois países, assim como foram os acordos que levaram à Ata do Iguaçu e ao Tratado de Itaipu. Assim como se conseguiu unir dois países considerados periféricos num projeto binacional que não tem paralelo no mundo, que é uma conquista da inteligência e da irmandade de brasileiros e paraguaios.
(*) Marcos Stamm, diretor-geral brasileiro de Itaipu