Certificação de energia renovável: o Brasil dá exemplo
Zilmar José de Souza (*)
Há iniciativas setoriais que podem contribuir para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e das emissões de Gases de Efeitos Estufa (GEE) na matriz elétrica brasileira. Uma das iniciativas interessantes e promissoras pode ser a criação e o desenvolvimento de programas de certificação da energia renovável, que observem critérios não somente de emissões evitadas, mas atributos quanto à contribuição para o segurança e eficiência energéticas.
No fim do último mês de junho, a Cooperativa dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo (Copercana) obteve o primeiro Selo Energia Verde de 2018 entregue a um consumidor do mercado livre de energia elétrica, no âmbito do Programa de Certificação da Bioeletricidade criado pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única) em parceria com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e apoio da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel). Trata-se do primeiro programa de certificação deste tipo no mundo, focado estritamente no setor sucroenergético e sem ônus financeiro para os agentes envolvidos.
O programa certifica empresas produtoras e consumidoras de bioeletricidade produzida a partir da palha e do bagaço de cana-de-açúcar. Neste caso específico, a Copercana adquire bioeletricidade de usina associada à Única, conforme as diretrizes estabelecidas pelo programa, dentre elas requisitos de sustentabilidade ambiental e de eficiência energética, além de contrato registrado na CCEE de, no mínimo, 0,5 meio MW médio/ano e com prazo de validade de, no mínimo, seis meses.
Desde 2015, o programa vem certificando diversas empresas produtoras e consumidores de bioeletricidade sucroenergética no mercado livre de energia elétrica. Atualmente, 67 unidades sucroenergéticas detêm o Certificado Energia Verde, permitindo que os consumidores do mercado livre possam adquirir bioeletricidade destas empresas ou de comercializadoras associadas à Abraceel e receber gratuitamente o Selo Energia Verde da Única, sempre observando as diretrizes gerais do programa.
Outra iniciativa interessante tem sido o Programa de Certificação de Energia Renovável promovido pela Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel) e Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). Nesse programa, as empresas consumidoras recebem a energia elétrica da forma tradicional e adquirem o volume de energia equivalente ao consumo através de Certificados de Energia Renovável, os chamados RECs.
De acordo com a Abragel, ao comprar RECs, as empresas abastecidas com a energia do Sistema Nacional, geralmente um “mix” de fontes renováveis (hídrica, eólica, solar) e não renováveis (térmicas a óleo, carvão, gás ou nucleares), estão investindo também na geração da mesma quantidade consumida em energia renovável.
O programa utiliza a plataforma de registro e emissão de RECs do International REC Standard, conhecido como I-REC. Isso garante que os RECs emitidos no Brasil sigam os mesmos padrões dos RECs emitidos em outras regiões do mundo, com cada REC equivalendo a 1 MWh de energia gerada e injetada no sistema pelo empreendimento num determinado período de tempo. Em maio passado, o programa contava com 34 usinas aptas a emitir RECs no Brasil, sendo 28 eólicas, duas fotovoltaicas, três hidrelétricas e uma usina à biomassa.
Em 2017, a estimativa é que a oferta Interna de Energia Elétrica (OIEE) tenha sido de 628 TWh, com a participação da geração hídrica representando 65% do montante, mostrando ainda a relevância da hidroeletricidade na matriz elétrica brasileira, com efeitos diretos também na matriz de emissões de Gases de Efeito Estufa no país.
De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), as emissões de GEE no setor elétrico podem variar substancialmente dependendo das condições hidrológicas: em 2026, estima-se que em condições hidrológicas extremamente favoráveis o sistema poderia emitir abaixo de 30 MtCO2e e, por outro lado, em condições extremamente desfavoráveis o sistema poderia emitir até 90 MtCO2e, em virtude do despacho de termelétricas convencionais com forte emissão de GEE.
O avanço de programas de certificação certamente ajudará fontes como a bioeletricidade sucroenergética que apresenta atributos positivos tanto no aspecto da sustentabilidade em termos de emissões de GEE quanto para mitigar cenários de condições hidrológicas adversas, dada sua forte complementariedade com a fonte hidrelétrica, ainda a principal na matriz elétrica brasileira.
Por outro lado, os programas de certificação de energia renovável além de mecanismos importantes para a valorização de fontes de geração de baixa emissão de carbono, representam também uma oportunidade para o consumidor no mercado livre de energia mostrar sua preocupação com o consumo responsável e contribuir para manter a matriz energética mais limpa e renovável.
Zilmar José de Souza
Gerente de Bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar – Única