Incentivos à Competição por Oferta de Preços no Curto Prazo
Pedro Prescott e Paulo André Sehn (*)
A eficiência no mercado, tanto alocativa quanto produtiva, é garantida pela competição entre produtores e consumidores. Portanto, é requisito essencial para um mercado saudável, com preços competitivos e encargos razoáveis.
No médio e longo prazo, o resultado dos leilões de geração para o Ambiente Regulado mostra sucesso no quesito competição. Entretanto, no curto prazo, não tem tido o mesmo desempenho.
É importante lembrar que, no Brasil, o mercado de energia elétrica está organizado em um modelo Tight Pool (ou despacho por custo), estabelecido no Reseb em 1998. Nesse modelo as ofertas de preço e quantidade são determinadas de maneira centralizada, com base em premissas e expectativas previamente determinadas.
Nota-se que as usinas em geral não têm liberdade para definir seus preços no curto prazo, embora possam perceber premissas de custos variáveis e de oportunidade distintas dos modelos oficiais. Do lado das termelétricas, variações no preço dos combustíveis ou mesmo alterações nas condições de operação levam a percepções diferentes de preços em relação àqueles definidos em leilão.
De modo similar, a precificação da água pelas usinas pode ser distinta do modelo. Por esses e outros motivos, a ampla maioria dos mercados no mundo tem os preços de curto prazo das usinas não regulados ─ refletindo melhor as percepções dos agentes quanto ao custo de curto prazo.
Em tese, incentivar a oferta de preços traz benefícios, mas o caminho para implementar tal inovação requer cuidados indispensáveis.
Recentemente foram regulamentados no Brasil mecanismos inovadores em relação ao modelo Tight-Pool, com possibilidades imperfeitas de oferta de preços no curto prazo pelos agentes, como se vê a seguir.
1. Em 2017, iniciaram-se ofertas de importação de energia do Uruguai e Argentina. Destacam-se dois momentos: no primeiro, as ofertas eram representadas nos modelos de formação de preço; no segundo, as ofertas de importação passaram a ser acionadas em substituição ao despacho termelétrico, caso fossem economicamente vantajosas. Vale ressaltar ainda que, inicialmente, apenas a Eletrobras tinha autorização para realizar as ofertas de importação. Mais à frente, permitiu-se a participação de outros agentes nos certames de importação.
2. No final de 2017, foi lançado o projeto-piloto de resposta da demanda de consumidores do Nordeste e Norte com o objetivo de substituir o despacho termelétrico fora da ordem de mérito. Em vez de acionar uma usina termelétrica, os consumidores são remunerados ao reduzirem sua carga.
3. Em outubro de 2018, inaugurou-se o despacho termelétrico para preservação da Reserva de Potência Operativa (RPO) em que as termelétricas puderam ofertar preço limitado a 130% do seu CVU. A criação desse mecanismo foi incentivada pelos agentes termelétricos queargumentavam a necessidade de cobrir custos operacionais adicionais ao valor do CVU regulado.
Em 2020 está previsto o início de outros dois mecanismos, a saber:
4. Oferta de preços, inferior ao seu CVU, pelas usinas termelétricas iniciada em janeiro. Se os custos reais forem inferiores ao CVU e for do interesse das usinas, elas podem ajustar o preço nos modelos.
5. Exportação de energia, por usinas termelétricas, para a Argentina e Uruguai com início em fevereiro de 2020. Aproveitando melhor seus recursos energéticos, as termelétricas poderão vender para outros países.
Quanto à importação de energia do Uruguai e Argentina, o aumento do número de importadores permitiu que, a partir de 2019, as ofertas de importação se descolassem do custo marginal (CMO/PLD) ─ sinal de que o aumento da competição trouxe menores preços nessa modalidade.
No caso da Resposta da Demanda, foram registradas pouquíssimas ofertas sendo que nenhuma foi efetivada. O insucesso se deveu principalmente à elevada inadimplência no Mercado de Curto Prazo (MCP), já que os recebíveis tinham chance reduzida de serem saldados. Entretanto, também se discute a necessidade de melhorias, por exemplo, do uso da linha base para comprovação da redução e retomada da demanda, o escopo reduzido de consumidores participantes (apenas no Nordeste e Norte) e a possibilidade de as ofertas serem representadas na formação de preço.
No despacho termelétrico por RPO, infelizmente, a competição entre os agentes termelétricos não ocorreu como esperado. As ofertas de preço dos agentes foram quase sempre iguais ao valor máximo. Isso fez com que o encargo para custear esse despacho aumentasse de R$ 1 bi para R$ 1,5 bilhão desde outubro de 2018. O aumento do encargo evidencia que alguns casos merecem mais atenção. Identificar a influência da concentração de mercado, modelagem dos incentivos e os critérios de participação são pontos fundamentais para uma reformulação da REN 822/2018, ou revogação desta. Cabe ainda avaliar a criação de um mercado de serviços ancilares como forma de ampliar a competição e melhor alocar os recursos do sistema.
São legítimas as preocupações com eventual poder de mercado. A exemplo da RPO, a regulação tem o desafio de aprimorar e monitorar a efetividade desses mecanismos, para que boas iniciativas não sejam prejudicadas e percam sua efetividade prematuramente.
Tendo em vista o estágio inicial dos mecanismos de oferta de preço no curto prazo, alguns aprimoramentos são vitais para o amadurecimento do mercado brasileiro. Nesse sentido, é importante acompanhar tais mecanismos a fim de garantir a competição e evitar abuso quando esta não se faz presente.
Ressalta-se que o desenvolvimento da indústria eletrointensiva necessita de preço do insumo energia competitivo e razoabilidade de encargos associados. Promover a competitividade no mercado de curto prazo pode ser um estímulo para expansão e fortalecimento da indústria.
Por fim, a modernização do Setor Elétrico ─ tratada nos Projetos de Lei 232 do Senado Federal e 1.917 da Câmara dos Deputados ─ propõe que seja estudada a implantação do despacho por oferta de preço (Loose Pool) no SIN.
A proposta de modernização busca o tratamento definitivo para a alocação de custos, atribuindo aos agentes a responsabilidade pelo gerenciamento de seu ativo. Sinalização econômica mais eficiente e menores encargos para o sistema são alguns dos benefícios esperados da modernização do mercado de energia brasileiro.
(*) Pedro Prescott e Paulo André Sehn são especialistas da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape).