Em defesa da Eletrobras
José da Costa Carvalho Neto (*)
O engenheiro Vicente Falconi, ex-conselheiro da Eletrobras, publicou recentemente um artigo no jornal “Valor Econômico” (“Capitalizar a Eletrobras”) no qual analisa algumas questões relacionadas com a empresa. Tenho respeito pelas opiniões manifestadas pelo engenheiro Falconi, mas gostaria de fazer um contraponto, aproveitando este espaço do site “Paranoá Energia”.
Não pretendo analisar a proposta de privatização defendida, mas fazer considerações sobre algumas informações e dados prestados relacionados a administração anterior, que são bastante diferentes do que realmente ocorreu.
Presidi, com muita honra, a Eletrobras de fevereiro de 2011 a julho de 2016, depois de atuar 33 anos na Cemig e 10 anos na iniciativa privada.
Em 2011, a Eletrobras apresentou um lucro de R$ 3,7 bilhões (R$ 5,9 bilhões em moeda de hoje) e caminhava para um lucro bem superior a este valor em 2012.
Com a edição, em 2012, da MP-579, sobre a renovação das concessões, a Eletrobras perdeu repentinamente R$ 8,75 bilhões de receita anual (R$ 13,4 bilhões em moeda de hoje), o que impactou fortemente seus indicadores econômico-financeiros.
Internamente já estávamos trabalhando estrategicamente sobre o assunto, que deveria acontecer em 2015 e imaginávamos com uma perda de receita bem inferior. Entretanto, editada a MP, reforçamos nossa atuação em dois sentidos: o primeiro de aumentar a receita, pela reconsideração no cálculo dos preços de ativos de geração e principalmente de transmissão não amortizados, hoje plenamente reconhecidos no valor de R$ 46 bilhões.
E o segundo pelo aumento de outras receitas e redução dos custos, a partir de diretrizes consubstanciadas em um Plano Estratégico de Longo Prazo e em Planos Diretores de Negócio e Gestão-PDNG, com horizonte quinquenal e revisão anual.
Estas diretrizes geraram metas e ações operacionais e econômico-financeiras, desdobradas para as empresas subsidiárias , através dos Contratos de Metas e Desempenho Empresarial-CMDE e daí para os diversos órgãos das empresas, através dos indicadores para o Sistema de Gestão de Desempenho-SGD.
Assim não configura uma homenagem à verdade a afirmação absurda que a empresa não tivesse um fluxo de caixa ou indicadores.
Nem tampouco que pagássemos juros escorchantes. Pelo contrário, mesmo durante a crise financeira fizemos uma captação de R$ 6 bilhões com juros de 118% do CDI, a época compatível com os valores praticados no mercado.
Outra inverdade que tenho a obrigação de rebater é que também considero totalmente absurda, a afirmação de que não tínhamos relação com o mercado financeiro.
Não tem a menor procedência. A Eletrobras, como uma empresa de capital aberto, listada na B3 , na Bolsa de Nova Iorque e na Bolsa de Madrid, sempre teve compromisso com o mercado.
Assim participou de forma sistemática em teleconferências, eventos, apimecs, reuniões com analistas e investidores no Brasil e no exterior , dando ampla divulgação ao mercado, mesmo nos períodos adversos.
Uma das ações realizadas foi a implantação de programas de incentivo ao desligamento de empregados, que permitiu a redução harmoniosa do quadro de 4 mil empregados. Quando deixamos a presidência da Eletrobras o número de empregados era inferior a 23 mil e não de 26 mil como assinalado naquele artigo aqui mencionado.
Outra diretriz aprovada foi a privatização das distribuidoras, iniciada com a Celg e depois com as outras seis distribuidoras do Norte e Nordeste. Estas ações, nem todas de responsabilidade da Eletrobras, não foram concluídas no período de nossa gestão, mas devidamente encaminhadas e atualmente concluídas, o que demonstra a assertividade nas estratégias que vinham sendo adotadas pela companhia.
Se computássemos o efeito da privatização, o quadro se reduziria para cerca de 16.500 empregados ao final de nosso mandato.
Naturalmente que não cabe aqui descrever todas as ações tomadas, mas queremos ressaltar as providências iniciais para a implantação do sistema computacional de gestão empresarial PRO-ERP, abrangendo todas as empresas do grupo, a automação dos processos operacionais e a informatização dos processos administrativos.
O desempenho operacional de nossas empresas no Sistema Interligado Nacional, medidos pelos índices de defeito/Km ou de robustez, melhorou mesmo neste cenário de escassez de recursos, com resultados superiores ao conjunto dos outros agentes do setor. Também as distribuidoras registraram melhorias em sua performance operacional, medidos pelos indicadores de duração e frequência de interrupção por consumidor.
Tivemos que reduzir nossa participação em leilões, reavaliar prioridades, ajustar cronogramas, mas, mesmo assim, ao contrário do propalado, a expansão foi significativa. A capacidade de geração foi acrescida de 6 mil MW, o sistema de transmissão de 9 mil km de linhas e ligamos cerca de 1 milhão de novos consumidores, o que contribuiu significativamente para se atingir a quase 100% de universalização de nossos serviços.
É o serviço público mais universalizado em nosso País, supridos por um sistema elétrico dos mais seguros e limpos do mundo, o que deve ser motivo de muito orgulho para todos nós que militamos profissionalmente no setor elétrico brasileiro.
A maior parte da expansão em geração e transmissão foi feita em empreendimentos conjuntos com a iniciativa privada, nos quais a Eletrobras detinha cerca de 50%.
Desta forma o total da expansão em geração e transmissão disponibilizado para o Brasil é quase o dobro do valor acima apresentado. Além disto só estamos computando nos números as instalações que entraram em operação, e não aquelas em fase final de conclusão.
Somente estes ativos, em sua fase pós-financiamento, deverão gerar um fluxo de caixa líquido anual para a Eletrobras, superior a R$ 10 bilhões.
Como consequência da já mencionada redução de receita, acentuada pela perda em ações jurídicas sobre o empréstimo compulsório, ocorrido na década de 1960, tivemos acentuados prejuízos de 2012 a 2015, mas que foram revertidos no primeiro semestre de 2016, fruto das ações tomadas e principalmente com a reconsideração dos ativos não remunerados anteriormente.
No primeiro semestre de 2016, tivemos um lucro recorde na história da Eletrobras de R$ 8,9 bilhões (R$ 10,1 bilhões em moeda de hoje). Calculando-se o endividamento pela relação dívida líquida/Ebtida com os dados do balanço do primeiro semestre de 2016, o indicador seria inferior a 1,0.
Gerencialmente é normal se retirar o efeito não recorrente da receita empresarial, mas de qualquer forma este efeito está refletido nos balanços atuais. O valor de mercado da Eletrobras em julho de 2016 foi substancialmente elevado para R$ 23,3 bilhões.
Não se pretende aqui alterar a História e dizer que a empresa operava com padrões ótimos. Pelo contrário, tínhamos consciência do muito ainda a ser feito, conforme estabelecido na última revisão de nosso PDNG 2016-2020. O importante é deixar claro que muita gente trabalhou e tem trabalhado para fazer da Eletrobras uma empresa sempre melhor.
Além disso, é preciso reconhecer o mérito da atual administração, que tem feito enorme esforço para ajustar a Eletrobras aos tempos que vivemos, tornando-a mais eficiente.
Só é importante reconhecer que, se existem méritos nos dias atuais, eles também existiram em momentos anteriores
Então, por uma questão de respeito profissional aos conselheiros, diretores, gerentes e empregados que tanto esforço deram à empresa ao longo de toda a sua História, principalmente neste período tão conturbado, é preciso repor os fatos na sua real dimensão.
Não é por acaso ou sorte que a Eletrobras é a maior empresa de energia elétrica da América Latina e uma das maiores do mundo.
(*) José da Costa Carvalho Neto, engenheiro, empresário e consultor, foi presidente executivo da Eletrobras entre 2011 e 2016.