O mês mais seco em 90 anos
Zilmar José de Souza (*)
Segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), o mês de outubro de 2020 foi considerado o pior mês em termos de afluências em todo o histórico de 90 anos no Brasil. Simultaneamente, as temperaturas permaneceram elevadas, especialmente no Sudeste e Centro-Oeste, o que, aliado à continuidade do retorno gradual das atividades econômicas e à flexibilização do isolamento social, contribuiu para a alta da carga verificada no país. Para outubro, o ONS indica um incremento que deverá ser de 3,3% na carga, comparando com o mesmo mês de 2019.
Tal situação determinou o despacho, desde 17 de outubro, de um volume adicional de usinas térmicas fósseis e mais onerosas, com o despacho fora da ordem de mérito, além da importação sem substituição a partir da Argentina ou do Uruguai. O objetivo é economizar a água dos reservatórios das hidrelétricas, principalmente as instaladas nos submercados Sudeste/Centro-Oeste e Sul.
Nesse cenário é sempre interessante destacar a contribuição de um recurso energético para geração de energia elétrica renovável, predominante no período seco, não intermitente e distribuída ainda pouco aproveitado no país: a biomassa, em especial a existente no setor sucroenergético.
Apenas no mês de outubro/20, a bioeletricidade ofertada para o Sistema Interligado Nacional (SIN) foi de 3.050 GWh. Embora represente uma queda de 6,8% em relação a outubro de 2019, essa geração renovável foi mais que o dobro da geração pelo carvão mineral no último mês e 60% da geração total pelas térmicas a gás no país em outubro de 2020.
No acumulado – de janeiro a outubro deste ano – a oferta de bioeletricidade em geral para o sistema nacional foi de 23.764 GWh, representando um aumento de 2% em relação a igual período em 2019. Volume equivalente a atender 14,2% do consumo industrial de energia elétrica do país durante todo o ano passado ou 12,3 milhões de unidades residenciais.
Chama a atenção que os meses de abril a outubro de 2020 representam sozinhos 90% do total da geração de bioeletricidade para a rede de janeiro a outubro de 2020. Isto ressalta a relevância da safra canavieira na Região Centro-Sul, tradicionalmente iniciada em abril de cada ano. A geração de energia elétrica pelo setor sucroenergético, para a rede nacional, costuma representar mais de 80% da geração anual pela bioeletricidade em geral.
O evento de outubro mostra que a bioeletricidade é estratégica para o SIN, mas pode avançar ainda [muito] mais na matriz elétrica dado seu potencial subaproveitado. De acordo com a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Única), o potencial técnico de geração de bioeletricidade sucroenergética para a rede, com base em dados da safra 2019/20, pode ser estimado em quase 200 mil GWh.
Considerando que a geração sucroenergética no ano passado para a rede foi de 22,5 mil GWh, aproveita-se apenas 11% do potencial de geração de bioeletricidade sucroenergética para a rede, sem qualquer expansão dos canaviais. Há espaço para o setor sucroenergético contribuir [ainda mais do que já contribui] para a segurança, a modicidade e a sustentabilidade ambiental do setor elétrico brasileiro!
(*) Zilmar José de Souza é gerente de bioeletricidade na União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica).