Bioeletricidade é parte da modernização do SEB
Zilmar José de Souza (*)
No último trimestre do ano passado, foram lançadas duas importantes consultas públicas pelo Ministério de Minas e Energia (MME): a Consulta Pública 137, de 03 de outubro, referente ao processo de abertura de mercado para consumidores na baixa tensão, e a Consulta Pública 146, aberta em 14 de dezembro, tratando de propostas metodológicas para o tema “Separação Lastro e Energia”. Esta receberá contribuições até 14 de março próximo.
Antes dessas consultas públicas, em 12 de dezembro de 2019, foi editada a Portaria MME 465, trazendo novos limites para a migração de consumidores, chegando à carga igual ou superior a 500 kW, em qualquer tensão, a partir de janeiro de 2023. Além disto, em 27 de setembro de 2022, foi editada a Portaria MME 50 que definiu a abertura do mercado dos consumidores do Grupo A, a partir de janeiro de 2024.
Resultado do amadurecimento com relação aos temas depois de recorrentes debates institucionais entre os agentes do Setor Elétrico Brasileiro (SEB), todas essas ações envolvem a continuidade da modernização do setor e da abertura do mercado de energia elétrica, importante diretriz para o fortalecimento do mercado livre de energia no Brasil e, acreditamos, por consequência, para a expansão da bioeletricidade e do biogás no SEB.
Pela relevância desse processo para o desenvolvimento da bioeletricidade e do biogás na matriz energética brasileira é importante a continuidade desse processo de modernização do setor e de abertura do mercado, cuidando de observarmos determinados pontos de atenção para os produtores de energia renovável, dentre eles podemos citar alguns pontos já conhecidos do setor, mas que sempre vale a pena a lembrança:
1. A importância da manutenção dos Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado (CCEARs): geradores celebraram contratos de longo prazo com as distribuidoras de energia, nos leilões de energia nova do Ambiente Regulado, com o propósito de construir uma nova planta de cogeração e/ou ampliar uma unidade existente. A viabilização desses projetos passa pela receita advinda dos citados contratos, a fim de que seja possível a amortização dos contratos de financiamento referentes aos investimentos efetuados.
Na eventualidade do descumprimento dos CCEARs pelas distribuidoras, mesmo que parcial, os geradores sofrem impacto negativo em seu fluxo de caixa para fazer frente aos compromissos com fornecedores e financiadores. Por isso, ao longo do processo de abertura de mercado, é necessário continuar garantindo o cumprimento por parte das distribuidoras de seus CCEARs firmados com os geradores, com ações estruturadas e sistêmicas por parte do MME e da Aneel, a fim de se manter a harmonia entre os participantes do setor elétrico.
2. Continuar reforçando o processo de segurança de mercado: paralelamente ao processo de abertura de mercado, continuar fomentando ferramentas de gestão e recursos regulatórios para dar segurança ao mercado, garantindo a confiabilidade, a liquidez financeira e a própria rentabilidade das negociações no mercado livre, que será ainda mais representativo no futuro com a respectiva abertura de mercado.
3. Prover o funcionamento adequado da liquidação financeira do Mercado de Curto Prazo (MCP): a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) finalizou no início deste ano, as operações financeiras no MCP referentes a novembro de 2022. No processo, houve a liquidação de R$ 441 milhões do total de R$ 1,57 bilhão contabilizado, sendo que, do valor não pago, R$ 940 milhões ainda estão relacionados às liminares contra o pagamento do risco hidrológico (GSF, na sigla em inglês) no mercado livre.
Naquela liquidação, os agentes credores que não possuem liminares receberam em torno de 22% de seus créditos na liquidação de novembro de 2022, ocorrida em janeiro deste ano. Em 2022, a média de recebimento dos credores que não possuem liminares foi de apenas 23% de seus créditos, surpreendentemente abaixo da péssima média do ano passado (30%).
Embora a dívida absoluta tenha diminuído com o esforço do MME, da Aneel e da CCEE, o funcionamento inadequado das liquidações mensais no MCP ainda persiste e acaba prejudicando a imagem institucional do setor elétrico na atração de investimentos em bioeletricidade e biogás.
A transição energética e a evolução tecnológica não se coadunam com um modelo regulatório do setor elétrico que conhecemos no início dos anos 2000 e os agentes institucionais têm competência e estão se esforçando para prover a dinâmica regulatória que o mercado brasileiro de energia precisa nos próximos anos.
Nessa linha, entendemos que os pontos discutidos acima são alguns dos importantes pilares para o sucesso do processo de abertura de mercado, da “Separação Lastro e Energia”, do fortalecimento do mercado livre, ou seja, da própria modernização do setor elétrico brasileiro, processos que são relevantes continuarem e estimularão a expansão das renováveis, em especial a bioeletricidade e o biogás, fortalecendo o perfil renovável e sustentável da matriz elétrica brasileira.
(*) Zilmar José de Souza é professor em diversas Instituições e gerencia a área de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia – Unica.