Transição energética não é só troca de fonte de energia
Raphael Sampaio Vale (*)
“Nesse mundo de mudanças velozes, dinâmicas e transformadoras, o cooperativismo tem um papel fundamental. A força do trabalho conjunto e harmônico dos cooperados possibilitará a integração tecnológica, econômica, social e ambiental na quarta revolução industrial/tecnológica.
Quando fundamos a Cooperativa Brasileira de Energia Renovável e Desenvolvimento Sustentável (Coober), na cidade paraense de Paragominas, em fevereiro de 2016, fomos a primeira cooperativa no Brasil com uma usina solar fotovoltaica conectada da rede elétrica a compensar a geração de energia nas contas de energia de seus cooperados.
Com o espirito PEI (Pioneiro, empreendedor e inovador) imaginávamos que as mudanças no Setor Elétrico Brasileiro seriam mais rápidas, o que foi um grande engano. Ignoramos que no setor elétrico mundial as mudanças não acompanharam a velocidade dos setores bancário, automotivo e aeroespacial. É um setor CLT (Conservador, lento e tradicional).
Ao longo desses últimos oito anos, nosso exemplo se espalhou por todo o Brasil e hoje existem 30 cooperativas de possumidores (produtor + consumidor) de energia elétrica. Porém, acreditamos que estamos mais próximos da grande luz no fim ou seria no inicio do túnel?
Essa minha esperança foi potencializada ao participar em Brasília (entre os dias 14 e 16 maio de 2024) do 15º CBC (Congresso Brasileiro de Cooperativismo), anunciado como o maior evento cooperativista do mundo, onde, para além das pautas cooperativista, foi cheio de palestras sobre inovação, mudanças, adaptações e futuro.
E especialmente sobre futuro, destaco a palestra da professora Martha Gabriel e transcrevo um trecho do seu livro, “O futuro é Coop”, sobre a transição energética e as cooperativas, página 160:
“As cooperativas podem se posicionar como líderes na transição para fontes de energia renováveis, oferecendo serviços relacionados à energia limpa e promovendo práticas sustentáveis em suas comunidades. Isso pode aumentar sua relevância e reputação como agentes de mudança positiva.”
Essas práticas sustentáveis passarão necessariamente pelos RED’s (Recursos Energéticos Distribuídos), nos quais temos a Geração Distribuída, armazenamento de energia, off grid urbano, veículos elétricos, eletrovias, eficiência energética, gerenciamento pelo lado da demanda. E as cooperativas são entidades aptas a potencializar a transição necessária.
Transição Energética
A transição energética não se resume apenas à troca de fontes de energia. Ela também engloba: o aumento da eficiência energética, mudanças positivas nos hábitos de consumo, desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias e a criação de um novo modelo energético.
Transformar o sistema energético em um sistema mais descentralizado, democrático, digitalizado, descarbonizado e resiliente, com maior participação da sociedade civil e das comunidades locais.
Acreditamos que as cooperativas são o caminho para um uma transição energética mais justa, transparente e com menor custo, atendendo assim os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis).
Principalmente com as constantes evoluções tecnológicas e mudanças de paradigmas. Devemos ter em mente dois fatores que estação crescendo e trarão impactos no setor elétrico: o armazenamento de energia elétrica em baterias e a mobilidade elétrica (ou eletrificação do transporte). Ambos estão avançando, crescendo e demandando mais adaptações e mudanças.
Pobreza Energética
Em 2024, em todo o mundo temos aproximadamente 773 milhões de pessoas sem o fornecimento regular de energia elétrica, segundo relatório de março/2024 publicado pela Agência Internacional de Energia Renovável (Irena). Esse é o núcleo do ODS 7: energia limpa e acessível. Lembrando que não há dignidade da pessoa humana sem energia elétrica.
No Brasil estima-se menos de 1 milhão de pessoas sem acesso regular a energia elétrica, segundo dados do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) (https://outraspalavras.net/outrasmidias/retrato-das-injusticas-no-acesso-a-energia-eletrica/).
Para além desse terrível cenário temos um outro grave problema: situação muito indigna é a pobreza energética daqueles que tem conexão e não consomem por falta de capacidade financeira.
É algo quase invisível para a maioria da população brasileira. Porém, o estado do Pará, segundo maior produtor de energia elétrica do país, tem a maior tarifa de energia elétrica do Brasil, o que torna ao consumo de energia elétrica algo caro para a população que tem um poder aquisitivo baixo (nosso PIB per capita é o 15º e o IDH é o 24º).
Esse cenário gera um outro fator: o alto percentual de PNT (Perdas não técnicas), popularmente conhecido como gato (o furto de energia elétrica). É comum o consumidor que fica inadimplente com a distribuidora de energia elétrica realizar uma ligação irregular, o que cria um ciclo vicioso de não pagamento e o consequente furto de energia elétrica.
O modelo que ai está é injusto e ineficaz, e precisa de uma reformulação para diminuir essas mazelas. Acreditamos que as cooperativas de energia renovável são um instrumento de melhoria no consumo de energia elétrica, responsabilidade compartilhada com o consumidor que passa a produzir o que consome e também a diminuição das Perdas Não técnicas no sistema.
Os sem telhado
As cooperativas são uma excelente opção para aqueles consumidores conhecidos como os “sem telhado”, que são aqueles que: tem sua residência e/ou comércio em: um edifício, ou em um imóvel alugado ou seu imóvel tem algum sombreamento que não viabilize a instalada de uma microusina solar fotovoltaica.
O cooperativismo é um sistema socioeconômico baseado na colaboração e na associação de pessoas com interesses em comum. No cooperativismo, os indivíduos se unem para gerir negócios ou prestar serviços de forma conjunta, buscando benefícios mútuos e o desenvolvimento da comunidade.
Entendemos que as cooperativas de energia renovável são uma alternativa promissora para um futuro mais sustentável e democrático. Elas oferecem diversos benefícios para seus membros e para o meio ambiente, e podem ser um importante instrumento para o desenvolvimento local, permitindo que as comunidades tenham mais autonomia e controle sobre o seu consumo de energia, além de promover a sustentabilidade e a redução da emissão de gases de efeito estufa.
Enfim, há desafio imenso pela frente, no setor que está presente em todos os outros e é ao mesmo tempo invisível e essencial.
(*) Raphael Sampaio Vale é advogado e co-fundador da Cooperativa Brasileira de Energia Renovável e Desenvolvimento Sustentável (Coober).