Samarco ainda não sabe o que fazer com a energia
Maurício Corrêa, de Brasília
Desde a calamidade ocorrida com a barragem de rejeitos de minério de ferro, em Mariana (MG), há um mês, a Samarco está totalmente envolvida com ações humanitárias relacionadas com as famílias atingidas, com o resgate de espécies e a qualidade da água do rio Doce, sem contar os impactos ambientais causados à região de Regência, no litoral do Espírito Santo, onde uma mancha barrenta tira a beleza do mar. Inteiramente paralisada na sua atividade industrial e comercial, a Samarco só agora começa a despertar para outras questões. Em uma delas, por exemplo, a empresa só tem dúvidas e, por enquanto, não sabe o que fazer: como tratar os contratos de longo prazo de energia elétrica que lhe pertencem? É uma dúvida que, pelo porte da Samarco, vale muito dinheiro.
A tragédia de Mariana, que pegou a Samarco no contrapé, agora causa uma dificuldade adicional no planejamento da empresa para 2016. Segundo confidenciou uma fonte que participa das discussões sobre a questão, com exceção das atividades relacionadas com as consequências do rompimento da barragem “está tudo parado. Não há a mínima condição para pensar, neste momento, em voltar a produzir. Não sabemos o que fazer com a nossa energia”.
Como a mina não funciona, o mineroduto de 400 km de extensão que leva o minério de ferro para a Ponta de Ubu, em Anchieta, no Espírito Santo, também não opera. Sem o minério que vem de Minas Gerais, a usina de pelotização na beira do mar também não trabalha, bem como o terminal marítimo que se situa nas proximidades da unidade de produção de “pellets”. Nesse quadro de pessimismo generalizado, a Samarco não tem o que fazer com a grande quantidade de energia elétrica própria ou comprada no mercado, à sua disposição.
A Samarco não é um consumidor qualquer de energia elétrica. Ao contrário, a empresa é não apenas um grande consumidor industrial, como também é autoprodutor. Hoje, a Samarco tem em seu patrimônio a totalidade da usina de Muniz Freire, uma UHE com 25 megawatts de capacidade instalada, localizada no Espírito Santo. A empresa também é possuidora de 49% da hidrelétrica Guilman-Amorim, construída em Minas (no rio Piracicaba, em Nova Era, por sinal um afluente do rio Doce), uma usina de 140 MW que tem a Arcelor Mittal como sócio majoritário. A participação da Samarco nas duas usinas corresponde a 30% da energia que era consumida pela mineradora.
No sensível mercado de energia elétrica do Brasil, hoje, a informação que vale 1 milhão de dólares é saber o que a Samarco pretende fazer com a sua enorme quantidade de energia excedente. A mineradora tem três opções: pode simplesmente liquidar os volumes de energia com base no PLD, pode fazer uma cessão de direitos a qualquer empresa interessada em comprar essa energia ou tem ainda a oportunidade de vender para o mercado livre.
O mercado livre, logicamente, olha para a energia da Samarco com os melhores olhos e acompanha atentamente todos os movimentos da mineradora. Walter Fróes, diretor da CMU Comercializadora, de Belo Horizonte, disse que se essa for a opção da Samarco “será muito bem-vinda”. Ele lembrou que, em agosto de 2012, a Samarco e a Cemig assinaram um contrato válido para o período de 2014 a 2022, calculado na época em torno de R$ 2 bilhões, através do qual a mineradora receberia um suprimento no montante de 400 MW. O consumo da unidade operacional de Germano, em Minas, representa cerca de 46% do total da empresa, enquanto a Ponta de Ubu fica com 49%. O restante está diluído em áreas menores.
No cipoal de dúvidas que envolvem o futuro da Samarco, no momento, entra inclusive a hipótese mais radical de extinção da empresa, considerando que a tragédia afetou bastante as imagens dos seus dois controladores, a Vale e a BHP Billiton. Nesse contexto do que fazer com a empresa, uma das variáveis mais difíceis é o planejamento energético para 2016. “Já estamos no final de 2015 e não temos a menor ideia do que fazer, na área de energia, em 2016. É terrível, pois não temos resposta para isso”, confidenciou a mesma fonte, lembrando que o planejamento da carga para o próximo ano precisa ser registrado na CCEE e a empresa nem sabe se vai continuar a existir ou não.
No próprio mercado, uma das apostas mais fortes diz que a Samarco, como uma empresa tipicamente mineira, provavelmente agirá com prudência e liquidará a energia excedente, aos poucos, ao preço do PLD e, enquanto isso, vai ganhando tempo para definir qual será o seu futuro.
Possuidora de clientes em muitos países, a Samarco é uma das maiores exportadoras do Brasil, com grande destaque na área de pelotização de minério de ferro. A sua capacidade de produção total de pelotas era de quase 25 milhões de toneladas antes do acidente mediante um processo altamente sofisticado, que passa pela mina, escoa para o Espírito Santo através do mineroduto, é beneficiado na usina localizada em Ubu e, finalmente, no terminal marítimo próprio, o produto é embarcado para o exterior. O faturamento da Samarco depende dos humores do mercado internacional, mas se situa na faixa superior a 4 bilhões de dólares.
Esse projeto tão grandioso, dotado de um sistema de gestão da energia elétrica bastante eficiente e moderno, que utiliza inclusive sinais de satélite, esbarrou, conteúdo, na força de um mar de lama. Essa empresa sofisticada, que pensou em tudo, não soube gerenciar as condições de funcionamento de uma barragem de rejeitos de minério de ferro, o que resultou na tragédia de Mariana e causou custos que poderão inclusive inviabilizar a continuidade do negócio.