Fitch: crédito mais caro para setor elétrico
Maurício Corrêa, de Brasília —
O segundo rebaixamento da nota de crédito do Brasil já era esperado para janeiro ou fevereiro de 2016, mas foi antecipado pela maior intensidade e mais rápida deterioração da economia do País. Essa é a avaliação de Andrew Frank Storfer, diretor da América Energia. Profissional com experiência em ambos os campos (o mundo financeiro e a energia elétrica), Andrew entende que até o final de 2016 a Moody´s — uma das três maiores agências de classificação de risco — também deverá se manifestar e provavelmente também rebaixará o Brasil para o grau especulativo.
“A situação é crítica e nem chegamos ainda, infelizmente, ao fundo do poço”, argumentou, lembrando que o PIB, neste ano, deverá ser negativo em torno de 3,7% e já se projeta uma queda de 3% para o próximo ano, sem contar um PIB estável ou ligeiramente negativo para 2017. O cenário “não é agradável”, considerando as variáveis negativas que se apresentam para o Brasil: inflação muito alta, desequilíbrio das contas públicas, juros nas alturas, aumento da carga tributária, desemprego crescente, queda da renda e aumento da inadimplência, além dos estoques em níveis altos. “Nesse contexto, o investimento, que já era minúsculo, simplesmente sumiu”, disse Andrew.
Ele não tem dúvidas que o dinheiro ficará mais escasso e mais caro, sem contar que aumentarão as exigências para os tomadores de crédito. Na sua avaliação, a decisão da Fitch agrava a questão do risco soberano do Brasil por uma questão muito simples: os fundos de pensão de atuação global proíbem investimentos em países que não tenham o grau de investimento em pelo menos duas das três principais agências de classificação de risco. Para o diretor da América Energia, a consequência é imediata: “uma retração no investimento e o aumento do já enorme custo do crédito”.
Em relação ao setor elétrico, Andrew Storfer avalia impactos de modo diferente. Alguns investidores certamente se retrairão. “Nem todos, é verdade, mas além dos que são estatutariamente vetados, ainda haverá dentre os demais um apetite bem menor”, explicou. Quanto aos investidores nacionais, esses terão mais dificuldades em obter créditos para investimentos.
No caso das licitações, Andrew entende que o Governo obrigatoriamente deverá rever para cima os retornos máximos permitidos e os preços-teto propostos. Quanto à oferta de energia, na sua avaliação, a retração não influencia o médio prazo por conta da forte queda da carga, que tem derrubado os preços no mercado livre devido à sobra estrutural. “Mas afetará em um horizonte mais longo, se esta condição ruim permanecer por mais tempo”, alertou, frisando que “poderemos ter problemas na transição quando da retomada do crescimento, daqui a três ou quatro anos. No caso da transmissão, há que se tomar muito cuidado porque os investimentos são urgentes e necessários”, disse.
Para o especialista, o desarranjo macroeconômico tem sido muito forte e por tempo muito prolongado, sem contar que a crise política potencializou a crise econômica e dificulta a correção de rumo. Quanto tempo vai durar, ele não sabe dizer naturalmente. De qualquer forma, acredita que os tempos são muito difíceis para o Brasil, o que exigirá uma solução traumática para recuperar não só a credibilidade, mas, também, os fundamentos da economia. “Empresários mais sintonizados já perceberam que não há solução econômica por acomodação. Tanto que já existe um trauma político em gestação”, explicou, referindo-se ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Para o presidente executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Reginaldo Medeiros, o rebaixamento anunciado pela agência Fitch é uma notícia muito ruim para a economia nacional como um todo e principalmente para o setor elétrico, que depende de investimentos elevados para seus projetos.
“Do ponto de vista do setor elétrico brasileiro, que ninguém duvide: haverá uma diminuição no acesso ao mercado de capitais. O setor exige capitais intensivos e com o rebaixamento da nota do Brasil o crédito ficará mais caro”, declarou. Entretanto, Medeiros ainda vislumbra uma situação em que as condições políticas melhorem, influenciando o mundo da economia. “Todos nós torcemos para que o mundo político se estabilize, de modo que a lógica econômica volte a funcionar normalmente. Essa estabilidade política é fundamental para que o País volte a crescer”, afirmou.]
Na mesma linha de entendimento, Mikio Kawai Jr., diretor da Safira Energia — outro profissional do setor elétrico que já passou pela área financeira — a decisão da Fitch simplesmente ratifica a visão das agências internacionais de classificação de risco a respeito do que ocorre no Brasil. “Temos uma instabilidade econômica baseada em estagflação, com o índice de confiança dos investidores, tanto nacionais quanto internacionais, despencando. Sem confiança dos investidores, não há como o País voltar a ter PIB com crescimento positivo e expressivo. Tivemos uma bipolaridade na sinalização ao crédito, com política monetária restritiva (alta dos juros) e política fiscal expansionista (com isenção em vários impostos, redução de alíquotas, BNDES expandindo o crédito, etc. Esses sinais díspares acabaram gerando a instabilidade política e a situação em que estamos hoje”, afirmou Mikio.
Ele acredita que os investidores, diante da magnitude dos problemas brasileiros, talvez prefiram olhar para oportunidades de investimentos em outros países, como a China e os Estados Unidos. “A crise política tem demonstrado que a economia e o seu potencial avanço estão, definitivamente, num terceiro ou quarto plano, o que não é bom para o País”, complementou o diretor da Safira.