MME: abrir mercado ou proteger distribuidores?
Maurício Corrêa, de Brasília —
Números inquestionáveis mostrados ao ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, na última quinta-feira, dia 18 de fevereiro, pela associação dos comercializadores de energia, a Abraceel, sem dúvida deixam o titular do MME em um dilema. Pessoalmente, o ministro acredita que o mercado livre de energia elétrica contribui para aumentar a competitividade da economia. Ele, entretanto, é parte de um Governo que simpatiza quase nada com os mercados em geral e que ainda protege ao máximo o segmento da Distribuição, que é totalmente dependente do Governo.
Da mesma forma como já havia feito antes na Confederação Nacional da Indústria (CNI) e na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a associação apresentou ao ministro Eduardo Braga os números nos quais se baseia para reivindicar a ampliação do mercado livre de energia elétrica a todo o setor industrial brasileiro. Este site teve acesso ao trabalho “Proposta para reduzir o custo de energia elétrica para a indústria brasileira que está no mercado regulado”, que mostra, na visão dos comercializadores, como o País sairia ganhando se toda a indústria pudesse optar por ser livre.
Hoje, o mercado brasileiro é dividido em percentuais que praticamente não se alteram de ano para ano. A parte regulada (o ACR) tem 75% e a energia livre (o ACL) conta com 25% do mercado. Nas contas da Abraceel, o potencial máximo atual para o mercado livre é de 48% da carga nacional com base nos limites de carga e tensão fixados pelo próprio Governo. Mas, graças a essas restrições, das 330 mil indústrias que existem no País, apenas 15 mil têm condições de ter acesso ao mercado livre.
Os números apresentados pelos comercializadores ao ministro Braga, à CNI e à Fiesp revelam que os 25% que cabem ao ML são divididos da seguinte forma: 22% são de consumidores livres, autoprodutores e eletrointensivos, enquanto os 3% restantes correspondem aos chamados consumidores especiais (que podem se beneficiar do mercado livre, desde que adquiram energia elétrica produzida por fontes renováveis). Nesse contexto, os classificados como potencialmente livres somam 7% e como potencialmente especiais atingem 16%, chegando-se então aos 48% do potencial máximo da carga atual para o ML.
O trabalho mostrado ao ministro é, ao mesmo tempo, um quadro dramático sobre o encolhimento da indústria brasileira como um todo. O consumo total da indústria, em 2004, por exemplo, foi de exatos 17.599 MW médios, subindo para 20.956 MW médios em 2011 e caindo espetacularmente para 19.479 MW médios no ano passado. No ACR, o consumo total da indústria foi de 12.350 MW médios em 2004 e caiu para 7.286 MW médios em 2015. Mas, neste caso, a culpa não é totalmente da recessão. Também contribuiu a forte migração que houve do mercado regulado para o mercado livre no período.
Quando se olha para o consumo total da indústria no ACL, foi de 5.248 MW médios em 2004, subindo para 11.413 MW médios em 2007. Em função da crise financeira internacional que se iniciou em 2008, com a quebra de bancos, esse número reduziu-se para 9.699 MW médios em 2009. Aí, em consequência do artificialismo imposto à economia brasileira — que resultou na crise atual — o consumo total da indústria subiu para 13.414 MW médios em 2013, caindo no ano passado para 12.192 MW médios, quando não era mais possível sustentar a denominada “contabilidade criativa” produzida pelo Ministério da Fazenda e pelo Tesouro Nacional.
Caso aconteça uma eventual abertura do mercado livre para a indústria, os comercializadores calculam que o potencial máximo do ML passaria para algo em torno de 57% da carga nacional.
A associação fez as contas junto com a Consultoria Dcide e concluiu que, no início de dezembro de 2015, a média ponderada das tarifas de energia publicadas pela Aneel para as 10 maiores concessionárias de distribuição do País era de R$ 288,09 o MW/hora, que se compara com os R$ 155,51 por MW/hora, que é o valor encontrado ao se examinar a energia convencional em contratos de longo prazo no ACL.
Os 46% de diferença entre um e outro representam a distância abissal que separa os mercados livre e regulado e mostram a razão pela qual centenas de empresas que hoje já podem aderir ao ML o estão fazendo em larga escala, tentando exercer a opção de ser livres, apesar do jogo duro das distribuidoras, que resistem a perder clientes.
No trabalho apresentado para o ministro, a Fiesp e a CNI, a associação utilizou os resultados de uma pesquisa feita nos Estados Unidos pela organização “Compete Coalition”, que se preocupa com as questões de competitividade envolvendo a economia americana.
Segundo os números da “Compete Coalition”, a variação média de preços e tarifas de energia elétrica, nos Estados Unidos, entre 1979 e 2013, representa uma vitória enorme dos estados que dão aos consumidores a opção de escolher os supridores da energia. Quando se olha para todos os setores da economia, nos estados em que há livre escolha dos consumidores, o preço da energia elétrica caiu 3,6% no período examinado. Em comparação, os estados onde não há livre escolha, o preço aumentou 8,2%.
No mesmo período, em relação ao consumo residencial, onde há livre escolha caiu 5,8% e onde não há subiu 4,3%. Quando se olha só para o consumo comercial, a livre escolha permitiu um ganho de 12,1%, enquanto o mercado regulado registrou uma alta de 2,1%. Finalmente, os números do setor industrial: queda de 2,5% nos estados onde existe livre escolha e alta de 11,4% nos estados sem livre escolha.
No Brasil, nos últimos 13 anos, a Abraceel calcula que a opção pelo mercado livre permitiu às indústrias um ganho de R$ 45 bilhões na forma de redução de custos. Esse benefício poderia, hoje, ser estendido às demais indústrias que ainda permanecem no mercado regulado com um simples decreto gerado no âmbito do MME. Afinal, a Lei 9.074, de 1995, diz que, após oito anos (ou seja, em 2003), o Poder Concedente (o Ministério de Minas e Energia) poderia diminuir os limites de carga e tensão.
Mas essa decisão aparentemente tão simples nunca vai para a frente no MME. Afinal, quando a Lei 9074 foi editada o Governo Federal na época era amplamente favorável aos mercados: entre outras decisões históricas, criou a Aneel, privatizou distribuidoras, permitiu a existência do mercado livre e tomou muitas medidas que representavam a liberalização da área de energia elétrica. Em 2003, o Governo já era do PT, com a sua desconfiança dos mercados e uma ainda forte admiração pela intervenção do Governo em áreas de infraestrutura, sem contar o absoluto desprezo pela instituição das agências reguladoras.
Questões ideológicas à parte, a Abraceel deixou números com o ministro de Minas e Energia que certamente o farão pensar profundamente na hora de tomar uma decisão a respeito da ampliação ou não do mercado livre para toda a indústria brasileira. Essa decisão, de fato, não é fácil, quando vista sob o ângulo do contexto político. Afinal, o ministro precisará fazer uma opção entre a racionalidade econômica e a camisa de força imposta pelas limitações ideológicas do petismo, que, afinal, regem a coalizão que dá apoio político-partidário ao Governo.
Os números falam por eles mesmos. No setor de alumínio, o peso da energia elétrica corresponde de 35 a 40% do preço final dos produtos; na siderurgia, de 15 a 20%; no cimento, de 20 a 25%; na química e petroquímica, de 8 a 12%; na mineração, de 18 a 22%; no segmento de ferroligas, de 25 a 30% e, finalmente, nos gases industriais, a conta de energia elétrica significa de 70 a 75% do preço final dos produtos. E por aí vai. A indústria que não pode sair do mercado regulado, simplesmente está no vinagre.