Para a Copel, está na hora de mudar o modelo do SEB
Maurício Corrêa, de Brasília —
Até recentemente, quando havia enorme possibilidade de um racionamento, o modelo do setor elétrico não funcionou direito no momento da escassez. Agora, quando há enorme sobra de energia elétrica, ficam também evidenciadas as dificuldades do modelo. Isso mostra claramente que não basta ficar remendando aqui e ali. Ao contrário, está na hora de anunciar que o atual modelo já deu água, chamar todo mundo para um ambiente de diálogo e tentar construir um novo modelo, que seja mais adequado às necessidades reais do País.
Essa opinião não é de um amador, mas de alguém que conhece o que está falando: Antônio Sérgio de Souza Guetter, presidente da Copel Distribuição. Além de suas qualificações pessoais, Guetter integra a direção de uma empresa que é considerada uma das principais escolas da área de energia elétrica do Brasil. “Está na hora de revisitar o modelo do setor elétrico, pois há muita coisa para acertar, seja na geração, seja na distribuição, na transmissão ou na comercialização. “O modelo atual não tem respondido mais às nossas necessidades”, acrescentou, em conversa exclusiva com este site.
Para Guetter, há muito detalhe para consertar. Na área de Distribuição, por exemplo, ele cita o cenário pouco favorável ao negócio, que se caracteriza não só pela forte recessão econômica, que automaticamente reduz o consumo de energia elétrica, mas, também, de situações específicas que afetam o segmento, como a maciça migração de consumidores cativos para o mercado livre, deixando as distribuidoras com enorme volume de energia nas mãos, sem ter para quem vender. “Veja bem: e ainda temos a geração distribuída, que vai entrar com força no mercado, e isso também vai provocar um forte impacto no mercado das distribuidoras”, observou o presidente da Copel Distribuição.
Ele não é contra a modernização. Só entende que é preciso fazer com que os vários segmentos sejam beneficiados. “É preciso reconhecer que o mercado mudou e há muita energia na prateleira. O modelo atual, vale lembrar, não permite repassar os eventuais ganhos para os controladores. Na geração, por exemplo, os riscos ambientais são absorvidos pelos empreendedores. Então, há várias questões sobre as quais precisamos repensar. Imagine a Distribuição como uma espécie de entregador de pizza. O cliente encomenda a pizza, mas depois muda de ideia e não quer mais. Só que no atual modelo, quem mica com a pizza é o entregador, no caso os distribuidores”, argumentou.
A Copel, conforme salientou, tem investido pesadamente nos últimos anos, tentando recuperar o terreno, pois durante muito tempo, por questões da política interna do Paraná (a empresa tem controle acionário do Governo do Estado) estava impedida de repassar aos consumidores os reajustes autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Isso talvez fosse motivo de alegria para os consumidores, mas para a empresa foi fatal, contribuindo para deteriorar a qualidade dos serviços oferecidos pela distribuidora. Agora, livre das amarras, a Copel está investindo novamente, pois entende que os consumidores acabam sendo beneficiados pela melhor qualidade dos serviços oferecidos.
A Copel, tanto quanto outras empresas, entende que há uma dificuldade hoje no setor elétrico que é a carência de lideranças fortes. Apesar disso, Antônio Guetter acredita que há espaço político na área empresarial para que, através das associações que representam os vários segmentos, possa surgir uma discussão interna que leve à edificação do tão sonhado novo modelo.
Este site apurou, contudo, que a eventual revisão do modelo não significa necessariamente que seja preciso alterar também a chamada Lei Geral das Concessões (Lei 8.987, de 1995). Embora já tenha passado dos 20 anos de idade, a Lei Geral ainda atenderia às necessidades do setor elétrico, mesmo que seja preciso fazer uma outra atualização, segundo especialistas do setor.
Na opinião do consultor Paulo César Fernandes da Cunha, do Centro de Estudos de Energia da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, “ainda que toda obra do engenho humano sempre possa ser aprimorada, não transparecem na Lei Geral insuficiências ou desatualizações que indiquem a necessidade de sua revisão”, afirmou.
“As previsões e principais gerais para as licitações, as outorgas, os direitos e obrigações dos agentes, a adequação dos serviços, entre outros, permanecem válidos e idôneos para a ordenamento das concessões”, disse o consultor da área de Energia da FGV.
O advogado Yuri Schmitke Belchior Tisi, sócio do Escritório Girardi Advogados Associados, de Brasília, tem um pensamento análogo ao do consultor da FGV. Na sua visão, a Lei 8.987, apesar de ser antiga, “atende aos setores de infraestrutura que a utilizam para a implementação de concessões do serviço público. A idade de uma legislação não indica, de per si, a sua desatualização, principalmente no que se trata de conceitos e dos aspectos gerais aplicáveis a todos os regimes de concessões de serviços público. As especificidades, neste caso, devem ser tratadas em normas específicas e no próprio contrato de concessão, que é a lei entre as partes”, explicou o advogado.
Ele reconhece, entretanto, que o setor elétrico hoje se assemelha a uma verdadeira “colcha de retalhos”, constantemente enxertada por medidas provisórias, que normalmente trazem disposições estranhas ao objeto da norma em si. Nesse sentido, Yuri Schmitke acredita que a única forma de se resolver essas questões seria a edição de um Código de Direito de Energia Elétrica, para tratar especificamente de um setor tão complexo.