Com biogás, País combate desperdício e aumenta eficiência
Maurício Corrêa, de Brasília —
Enquanto o País está mergulhado em uma crise política que parece não ter fim, uma mudança silenciosa de cultura avança rapidamente e prepara as bases para o Brasil do futuro no campo energético. Trata-se do aproveitamento do potencial de biogás e biometano, que eliminará grande parte do desperdício hoje existente e tornará a economia muito mais eficiente.
No Ministério das Cidades, o engenheiro Ernani Ciriaco de Miranda, diretor do Departamento de Articulação Institucional da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, aposta no trabalho de longo prazo através do qual se busca, ao mesmo tempo, a conscientização das pessoas e instituições, a elaboração de políticas adequadas e a qualificação de profissionais que possam trabalhar no aproveitamento energético do biogás.
Um dos principais instrumentos de aplicação dessas políticas públicas é o Probiogás, um projeto de cooperação técnica desenvolvido em parceria com a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ), que dispõe de um orçamento no valor de 5 milhões de euros para o período 2013 a 2016.
“Através do Probiogás, temos um intercâmbio técnico com a Alemanha, com o qual formamos mão-de-obra altamente qualificada. E já temos um desdobramento concreto disso, pois estamos em estado avançado de entendimento com o Ministério da Educação, visando a introdução da disciplina “Biogás” em cursos técnicos de eletromecânica. Na verdade, a nossa estratégia passa por preparar as bases para um salto, através da capacitação técnica e da formação de quadros. Quando? Não deve ser demorado, pois há uma enorme pressão da sociedade nessa direção”, afirmou Ernani Miranda.
Na sua avaliação, há o entendimento que o apoio das parcelas mais jovens da sociedade se torna efetivo de uma forma mais direta, pois a proteção ambiental é um tema que já vem fazendo parte da educação básica em todo o País há algum tempo. Nesse aspecto, torna-se muito mais fácil difundir o conceito referente ao aproveitamento do biogás, ao mesmo tempo em que se tornam mais agudas as cobranças em favor de um melhor tratamento dos resíduos gerados pela sociedade.
Em um país que é às vezes mais conhecido por ser um dos campeões mundiais em desperdício, o técnico do Ministério das Cidades tem uma visão otimista e acredita firmemente que está em gestação uma mudança de conceitos por parte da sociedade, que não ignora mais a riqueza energética que existe nos rejeitos gerados pela própria sociedade ou então através de processos industriais. “Sem dúvida, estamos em um caminho sem volta. E não acho que esteja longe o dia de chegar aos nossos objetivos, que se configura no aproveitamento máximo do lixo. Isso é algo que não se questiona mais”, afirmou Miranda a este site.
De fato, o Probiogás tem procurado promover um intenso debate entre os agentes da sociedade, com ênfase nas universidades e instituições de pesquisa, os vários níveis do governo e a área empresarial, elegendo alguns segmentos principais para a discussão do tema: saneamento, agropecuária, energia e indústria de alimentos.
Para o Ministério das Cidades, a Lei 12.305, de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, aumentou o desafio, enquanto busca-se também a participação dos estados, na forma de políticas tarifárias que permitam desonerar impostos sobre equipamentos e instalações que utilizam o biogás.
Cícero Bley, presidente da Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (Abiogás), tem viajado pelo País, mas já percebe que não está pregando no deserto, como ocorria há pouco tempo. “O cenário tem se transformado rapidamente e pode-se perceber que, nos últimos dois anos, houve um grande avanço em consequência de iniciativas tomadas pelas agências governamentais, como a Aneel e ANP e a própria EPE. O biogás já não é visto mais como uma fonte marginal, que nem entrava na matriz energética”, explicou.
Graduado em Agronomia, com mestrado em Engenharia Civil, Bley se aposentou do quadro da Itaipu Binacional e está envolvido de corpo e alma no aproveitamento energético do biogás.”O Brasil acordou para o fato que não pode mais jogar essa riqueza energética fora, como fazia”, explicou. “E por que jogamos fora? Porque as indústrias têm foco na produção de alimentos e não de energia”, esclareceu.
Ou seja, deverá ocorrer com o biogás uma situação análoga ao que acontecia no processo industrial de aproveitamento da cana-de-açúcar, quando a planta era moída para produção de açúcar e álcool e simplesmente se jogava o bagaço fora, pois se ignorava a sua riqueza energética. Hoje, as usinas do setor sucroalcooleiro que contam com os melhores resultados são exatamente aquelas que, ao final do processo, queimam o bagaço nas caldeiras e geram energia elétrica, não só para o consumo próprio, mas também injetando grandes volumes na rede elétrica. A bioeletricidade, hoje, é uma das principais fontes de geração elétrica do País.
Aparentemente, o biogás segue os mesmos passos pedagógicos do processo industrial da cana-de-açúcar. Nas contas da associação, apenas a energia do biogás decorrente da degradação de material orgânico tem potencial para abastecer cerca de 12% de toda a necessidade de energia elétrica do País. A produção anual do biometano poderia chegar a 23 bilhões de metros cúbicos, equivalentes a 37 milhões de MW ou pouco mais de um terço da energia gerada pela binacional Itaipu.
O presidente da Abiogás explicou a este site que dos 23 bilhões de metros cúbicos de biometano que são produzidos anualmente, 8 bilhões têm origem na produção de alimentos (porcos, bovinos, aves, mandioca, etc), 12 bilhões estão na cana-de-açúcar e 3 bilhões no campo do saneamento urbano (lixos orgânicos, esgotos domiciliares e esgotos industriais). Diante de todo esse potencial, é inacreditável que, por enquanto, apenas 79 MW de capacidade instalada estejam em condições de gerar energia elétrica a partir de biometano.
Uma das dificuldades enfrentadas pelo Brasil, na avaliação de Bley, é que o País não consegue enxergar direito o micronegócio na vocação empresarial que surge com o aproveitamento energético do biogás e do biometano. É nesse nicho que, segundo ele, a Abiogás tem um papel relevante a cumprir, junto com o Probiogás, pois procura sensibilizar as camadas empresariais que demonstram interesse pelo tema. Assim, já começam a surgir produtores e vendedores de energia elétrica a partir do biogás e na nova cadeia de negócios despontam até mesmo comercializadores especializados nesse tipo de energia elétrica.
Um deles é a Tradener, de Curitiba. Depois de ter sido a primeira comercializadora de energia elétrica do País e de ter participado da assinatura do primeiro contrato de suprimento voltado para o mercado livre, em 1999, a empresa agora aposta suas fichas no desenvolvimento do mercado de energia elétrica que surge com o biogás, conforme explicou o presidente da Tradener, Walfrido Ávila.
Tudo isso, entretanto, passa naturalmente pela intensificação da eficiência energética. Quando se olha o Brasil pela visão estreita do desperdício, é verdade que ainda pode existir algum desânimo. Entretanto, quando se amplia um pouco o campo de visão e se observa que o setor agroindustrial brasileiro é seguramente um dos mais eficientes do mundo, é possível aumentar a esperança.
“O nosso setor agroindustrial gera mais de um terço do PIB do País, sendo responsável por grande quantidade de empregos gerados. O setor ainda consome 34% da disponibilidade interna de energia. Tem acontecido de às vezes demandar energia para crescer e não encontrar, sem contar que o custo da energia elétrica aumentou 51% no Brasil no ano passado. É nesse espaço que surge o biogás como alternativa. E é por aí que vamos crescer”, afirmou o presidente da Abiogás.