Setor elétrico quer diálogo permanente e alerta para colapso
Maurício Corrêa, de Brasília —
Com problemas vazando para todos os lados, que atingem os quatro segmentos que o integram (geração, transmissão, distribuição e comercialização), o setor elétrico brasileiro decidiu encaminhar um memorial a seis autoridades públicas, sintetizando as principais dificuldades e alertando quanto à necessidade de um “diálogo contínuo” envolvendo os agentes, o MME, a EPE e a Aneel “para que sejam encontradas soluções que, ainda que não sejam ótimas, sejam as melhores dentre as possíveis”, pois, sem diálogo, “a gestão do setor pode entrar em colapso, redirecionando-se indesejavelmente as questões ao poder judiciário”.
Este site teve acesso à carta endereçada à presidente Dilma Rousseff, ao ministro Eduardo Braga, ao presidente da Aneel, Romeu Rufino, e ao presidente da EPE, Maurício Tolmasquim. O documento também foi encaminhado aos presidentes do Senado Federal, Renan Calheiros, e da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. O propósito é agendar reuniões com todas essas autoridades, para discutir o conteúdo do documento.
O documento na realidade nasceu em novembro do ano passado, quando foi realizado em São Paulo o 1º Encontro dos Altos Executivos do Setor Elétrico, organizado pela Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE). Ao final, foi elaborada uma carta do evento, refletindo as discussões, preocupações e propostas “para que o setor elétrico continue seu constante aprimoramento, com vistas a um ambiente favorável à retomada dos investimentos indispensáveis para atender à demanda por energia”.
A carta às autoridades foi formatada com base na organização do evento de 2015, ou seja, os temas foram divididos em quatro painéis, contendo as situações que envolvem os segmentos de geração, transmissão, distribuição e comercialização.
Aqui está uma síntese do que foi informado às seis autoridades:
Geração: é fundamental debruçar-se sobre a questão do gás natural liquefeito (GNL), cuja disponibilidade e estabilidade de custo requerem atenção; o gás de xisto também merece atenção; o planejamento deve ter continuidade, ser crível e estável, para que possa ser a base de orientação, de tomada de decisão e de realização de investimentos; é preciso ter conexão entre o que é planejado e o que é executado; as regras devem ser estáveis, para que os investidores tenham segurança jurídica e possam investir com tranquilidade; há necessidade de desregulamentar a geração (e a comercialização); é relevante repensar a participação estatal no setor elétrico, em todos os segmentos; é visível a diferença de eficiência e qualidade dos serviços prestados por empresas públicas e privadas; o licenciamento ambiental precisa também ter regras claras, com previsibilidade de prazos, de custos e maior agilidade na emissão das licenças; da mesma forma, os leilões requerem definições estáveis quanto à realização; há preocupação com a judicialização, mencionando-se os casos da Portaria 455 do MME, da Resolução 03 do CNPE e os problemas gerados pelo GSF.
Transmissão: também tem preocupação com o planejamento, com destaque para a necessidade de escoar a energia produzida; alerta para atrasos significativos na construção de linhas de transmissão; segmento da transmissão tem necessidade de recuperar a capacidade de investimento e uma das principais medidas consiste na homologação e pagamento da indenização dos ativos anteriores a maio de 2000; manifestada preocupação com lotes em leilões de LT´s sem interessados, face ao baixo retorno financeiro oferecido, ao mesmo tempo em que são identificados riscos crescentes para os investidores, por conta da insegurança jurídica e da instabilidade regulatória; preocupação com judicialização crescentes dos processos fundiários; WACC dos empreendimentos de transmissão precisa ser condizente com os riscos de cada projeto.
Distribuição: segmento preocupado com significativo aumento dos custos não gerenciáveis, muito superior à cobertura tarifária; distribuidoras são o elo financeiro mais sensível da cadeia produtiva de energia, constituindo a ponta arrecadadora do sistema, sendo, portanto, responsável pela segurança e continuidade dos fluxos financeiros do setor elétrico; foi mencionado o caso de uma distribuidora não identificada, em que 87% da conta de energia se destinam ao pagamento dos custos de geração e transmissão, encargos e tributos, ficando apenas 13% do total faturado para fazer frente aos custos operacionais e realizar investimentos; custo de captação de recursos financeiros, por parte das distribuidoras, tem cenário adverso; documento propõe a continuidade da política de realismo tarifário; manifestada preocupação com a sobrecontratação de energia por parte das concessionárias de distribuição; necessário aprimorar a metodologia de reconhecimento, nas tarifas, da inadimplência dos consumidores; as perdas regulatórias são outro ponto de preocupação; regras atuais não premiam a eficiência no segmento da distribuição, na medida em que quanto mais eficiente for a empresa, menor é o seu aumento tarifário, devido à política de modicidade tarifária; a geração distribuída é uma tendência inexorável, razão pela qual a regulamentação deve evoluir desde já, para que as alterações não sejam abruptas e, sim, planejadas.
Comercialização: deve ser dada maior liberdade de escolha aos consumidores de energia elétrica, adequando-se a regulamentação do setor para que cada vez mais consumidores possam decidir livremente de quem contratar a energia elétrica, em vez de adquirirem energia elétrica somente das distribuidoras.