Preço horário causa divisão entre agentes
Maurício Corrêa, de Brasília —
Em janeiro de 2020, o Governo pretende colocar em vigor uma nova forma de precificação da energia elétrica no mercado de curto prazo, que deixará de ser semanal para ser indicado em bases horárias. O tema está sendo conduzido dentro da Comissão Permanente para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico (CPAMP), do MME, cujo prazo para tomar uma decisão sobre a adoção do preço horário é 31 de julho.
Está tudo tranqüilo e as áreas empresariais do setor elétrico estão decididas e devidamente preparadas para aguardar o preço horário? Negativo. Ao contrário, há uma enorme indefinição e sobram profundas divergências entre os agentes, conforme ficou evidenciado na sessão pública que discutiu o assunto, nesta segunda-feira, 27 de maio, no auditório do MME, em Brasília.
O evento foi promovido pelo MME, mas em alinhamento com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). As contribuições à consulta pública aberta pelo Governo poderão ser encaminhadas até esta quarta-feira, dia 29 de maio.
Trata-se de uma mudança e tanto nas normas que regem o mercado de curto prazo. A data anterior para que o preço horário entrasse em vigor era janeiro de 2019. Foi postergado em um ano, mas está claro que ainda não há consenso em torno do assunto.
No fundo, há apenas uma questão pendente: quem perde e quem ganha com a mudança na metodologia de precificação da energia elétrica no mercado de curto prazo. Através do presidente do seu Conselho de Administração, Renato Volponi, a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), garantiu que a entidade não é contra o preço horário, que ele considera uma conquista que precisa ser implementada.
Volponi, entretanto, ressalva que existem pendências regulatórias que na sua visão não estão sendo analisadas e que comprometem a indústria da energia eólica. “É uma mudança muito radical passar para o preço horário. Bato palmas para o esforço, mas é preciso cuidado, pois há questões que não estão sendo estudadas”.
Antes do início do evento, circulou entre os participantes um panfleto apócrifo, sem assinatura e sem dono, que foi atribuído pelos participantes a uma empresa vinculada à Abeeólica. Nesse documento, está claro que os geradores eólicos negociaram produtos considerando o PLD semanal. Os financiamentos para esses projetos eólicos consideraram o modelo de negócios existente. Com a mudança, esses projetos ficariam inviabilizados sob o aspecto econômico, gerando insegurança jurídica e produzindo maior volatilidade ao mercado.
O tal documento apócrifo foi descartado por Renato Volponi, que disse a este site que as premissas nele consideradas não refletem corretamente o que pensa a indústria da energia eólica. “É uma questão que precisaremos resolver no âmbito do Conselho da Abeeólica”, antecipou.
A entrada em operação do preço horário em janeiro de 2020 foi apoiado por outras associações como a Abiape, a Abraceel e Apine. Entretanto, outras associações, como a Abraget e a Absolar se posicionaram contrárias. Outras, como a Abradee e a Abrage, ficaram em cima do muro, mas com viés também contrário.
O representante da Absolar sintetizou bem a posição da sua associação. “A Absolar é a favor do preço horário, mas considera que ainda é preciso estudar o assunto em alguns pontos. O novo modelo não está pronto para entrar em operação e pode trazer mais problemas do que agregar soluções. Não sabemos o que vai acontecer”.
Rui Altieri, presidente do Conselho de Administração da CCEE e defensor do preço horário, está com um pé atrás em relação à efetiva vontade dos agentes de entrarem em 2020 com uma nova metodologia de precificação do PLD.
Como explicou, o objetivo da mudança é aproximar a precificação da operação do sistema elétrico, gerando benefícios como a redução dos encargos e a criação de novos produtos. “Estamos devidamente preparados para operacionalizar o novo modelo a partir de janeiro de 2020”, garantiu.
Ele listou uma série de iniciativas no âmbito da CCEE visando preparar os agentes para a mudança. Foram inúmeros seminários e workshops para mostrar como vai funcionar o novo modelo e tirar dúvidas. Desde abril de 2018, por exemplo, a CCEE disponibiliza o chamado preço horário sombra e, em dezembro de 2018, foi disponibilizada a contabilização sombra.
Entretanto, com enorme desalento Altieri constata que entre os agentes não existe assim tanto interesse em relação às mudanças. Ele explicou que, em abril de 2018, quando foi lançado o preço horário sombra, houve 3.506 acessos à CCEE sobre o assunto. Neste mês, os acessos somaram apenas 615 e, na média, os acessos somam somente 757 acessos por mês.
“O mercado não está reagindo da forma esperada. Não chega a 1 mil acessos por mês, o que é muito pouco”, afirmou Altieri, lembrando que na CCEE estão cadastrados quase 8 mil agentes. “Isso era um pleito dos agentes, mas utilização tem sido baixíssima”, lembrou.
Luiz Eduardo Barata Ferreira, diretor-geral do ONS, esclareceu que o preço horário não é atribuição da organização que dirige e, sim, da CCEE. “Para a operação, a mudança não é tão grande. A grande mudança se dará é na comercialização”, frisou.
Com um exemplo, Barata explicou com clareza porque a adoção do preço horário é fundamental. Na greve dos caminhoneiros, por exemplo, a variação da carga bateu em 30% e o preço ficou totalmente descolado da realidade. Em menor escala, o mesmo aconteceu na semana passada, pois a usina nuclear Angra 2 prorrogou a manutenção dos seus equipamentos e ocorreu um novo descolamento.
Segundo Barata, vários países adotam o preço horário e o Brasil está atrasado. São os casos do Uruguai, Argentina, Chile, Colômbia e até o Vietnã, um país comunista de economia centralizada. Por isso, ele não aceita as ressalvas oferecidas por vários agentes, que colocam dificuldade de toda ordem para que o preço horário entre em vigor.
“Os processos são dinâmicos e vão sendo aprimorados. Não podemos continuar insistindo que temos um país hidrotérmico, pois não é mais assim. Entendo as resistências, mas precisamos mudar. Sei que não é fácil”, afirmou, salientando que, na próxima reunião da Cpamp, o seu discurso será no sentido de que é preciso avançar.
“Está praticamente impossível operar o sistema. Temos um processo evolutivo. Vamos para a perfeição? Não, pois a perfeição é utópica. Só que precisamos avançar”, afirmou Barata.