Abraceel quer compromisso de presidenciáveis
Maurício Corrêa, de Brasília —
Uma decisão tomada na reunião de Planejamento Estratégico para 2022 da associação dos comercializadores de energia, a Abraceel, mostra que aparentemente o segmento jogou a toalha e se cansou de todas as promessas feitas pelo Governo ou por integrantes do Congresso Nacional, senadores e deputados federais, em relação à abertura do mercado para outros consumidores, ampliando a faixa livre de acesso à energia elétrica.
A reunião de Planejamento Estratégico foi realizada no início de dezembro. Ao final, os associados remeteram três metas para a Diretoria-Executiva a serem cumpridas no próximo ano.
Além das demandas históricas que compõem o trabalho feito pelos comercializadores há anos, como a abertura do mercado para todos os consumidores e o aperfeiçoamento dos mecanismos de formação de preços, as empresas associadas à Abraceel querem que a Diretoria-Executiva trabalhe com determinação, em 22, para tentar incluir o tema “abertura total do mercado de energia” na pauta dos principais presidenciáveis.
Se lida pelo avesso, essa meta do PE da Abraceel revela que a associação não aposta mais um tostão furado que a abertura total do mercado possa acontecer ainda no atual Governo e jogou todas as esperanças para o resultado das urnas no final do próximo ano.
Uma fonte credenciada ouvida por este site explicou que “não é exatamente assim não”. De acordo com o mesmo especialista, é uma aposta complicada. A associação dispõe de informações que o MME poderá tentar, nas próximas semanas, promover a abertura total do mercado através de Portaria. Para isso, teria encomendado um estudo à CCEE. “Se não fosse para fazer nada, não haveria necessidade desse estudo”, ponderou uma fonte ligada à associação.
Só que há um detalhe: a hipótese de abertura total do mercado via decreto se revestiria de uma fragilidade jurídica e a associação entende que não vale a pena correr esse risco. Ou seja, pode sair um decreto que, se o próximo presidente não concordar com ele, também poderá anular a decisão igualmente por decreto. Nesse contexto de dúvidas, a Abraceel pretende “fechar” a questão previamente com os presidenciáveis, para solidificar uma futura iniciativa do Executivo.
Além disso, dois projetos que tramitam no Congresso Nacional e que objetivam oferecer a tão sonhada liberdade de mercado caminham por espasmos, sem definição. O PL 1917, por exemplo, sofreu tanto a ação dos lobbies que ninguém mais sabe dizer em que direção ele vai. Quanto ao PL 414, o relator Fernando Coelho claramente tirou o pé do freio e engavetou a proposta.
É uma caminhada difícil. Examinando a questão apenas sob o prisma político, a hipótese de reeleição de Jair Bolsonaro não está descartada, embora as pesquisas, hoje, lhe sejam desfavoráveis. Até as eleições, ainda há muito chão pela frente e quem vive no mundo da Política sabe que até lá o atual presidente tem chance de se recuperar perante largas parcelas da opinião pública, mesmo com inflação de dois dígitos, 615 mil mortos na pandemia, desemprego em níveis alarmantes, rachadinha ou a quantidade impressionante de idiotices que o presidente da República fala todos os dias.
A rigor, ninguém pode dizer se Bolsonaro é a favor ou contra o mercado livre de energia. É possível que ele nem saiba o que é isso. Entretanto, com certeza, o ministro da Economia, Paulo Guedes, conhece o assunto e defende a abertura do mercado, desde a época em que era chamado de “Posto Ypiranga” e tinha credibilidade. Hoje, é opinião mais ou menos unânime que Guedes, que tem sido um aliado do mercado livre de energia elétrica, se transformou em um ministro fraco e perdeu ao longo dos anos grande parte da credibilidade que tinha em janeiro de 2019.
João Dória é claramente um adepto do mercado livre e tranquilamente colocaria a questão na sua carta de princípios. Nunca escondeu que na sua gestão como governador busca a eficiência na economia de São Paulo. Além disso, não tem qualquer tipo de compromisso político com grupos encastelados há décadas em empresas estatais, que têm verdadeira ojeriza a qualquer coisa que seja moderno, inclusive a ampliação do mercado de energia elétrica.
Moro é uma incógnita sobre o assunto. Não consta que já tenha emitido opinião sobre o setor de energia elétrica. Aliás, não se conhece muito bem o que Moro pensa além do combate à corrupção. Só agora, assumindo a candidatura a presidente, Moro fala alguma coisa além do seu tema preferido. Por enquanto, não passa de uma esfinge a ser traduzida a cada dia.
Se voltar ao Palácio do Planalto, Lula provavelmente vai trabalhar contra o mercado livre. O livre mercado não faz parte do catecismo do PT, que gosta das antigas e ineficientes estruturas estatais, nas quais o partido encontra respaldo para as suas ideias atrasadas sobre o papel do Estado na economia. Além disso, a militância petista se confunde com facilidade com a militância de defesa do modelo quase soviético do setor elétrico que já existiu no Brasil. Muitos petistas são contra a presença de empresas privadas numa área que, na visão do PT, precisa ter a hegemonia do Estado. O PT defende o atraso do atraso na área de energia elétrica. Dificilmente Lula vai colocar a proposta da Abraceel na sua carta de princípios, pois, afinal, eletrossauro é sinônimo de petista.
O presidenciável Ciro Gomes é possuidor de uma metralhadora giratória que depende muito do momento. Não é o tipo de político que o mercado considera como confiável. Ninguém sabe exatamente como funciona a metralhadora e só se conhece como ela é instável.
Dos nomes citados como presidenciáveis, hoje, sobra o do atual senador Rodrigo Pacheco. A princípio, poderia ser um defensor do ML, pois é um político que demonstra simpatia pelo social-liberalismo. Só que Pacheco é político mineiro e políticos mineiros têm uma certa dificuldade para se desgarrar da Cemig, que é uma empresa estatal que trabalha de acordo com o velho modelo do setor elétrico.
Os mineiros costumam ser tradicionalistas e o posicionamento da Cemig costuma grudar em todos os políticos mineiros de expressão. Com Pacheco não deve ser diferente. E a Cemig é uma distribuidora estatal, que, sempre que possível, trabalha contra o mercado livre. Mesmo sendo associada da Abraceel.
Por esses e outros motivos, a associação precisará trabalhar muito, em 2022, para inserir a defesa da tese de abertura total do mercado nas cartas de princípios dos presidenciáveis. É impossível? Não.
A política é algo tão difícil de explicar que inclusive produz os seus próprios milagres. Em plena campanha à Presidência da República, em 2014, uns dias antes do acidente aéreo em Santos, o então candidato Eduardo Campos bateu de surpresa à porta da sede da Abraceel, em Brasília, e pediu uma reunião com a diretoria. Ele captou rapidamente a importância do tema e estava convicto que deveria, como candidato, defender a ideia do mercado livre de energia e fazer da proposta a sua bandeira na campanha à Presidência da República. Levar o assunto para as ruas e incendiar as massas que votam. “Com o mercado livre de energia serei o próximo presidente da República”, disse um entusiasmado Eduardo Campos ao final da reunião na Abraceel, da qual saiu feliz como uma criança. Ele sabia que estava com uma bela carta na mão.
O destino, porém, tem seus caprichos e operou de outro jeito. Mas a ideia está aí, na marca do pênalti, dando sopa, esperando a sensibilidade de outro candidato que queira acreditar na proposta, da mesma forma que Eduardo Campos.