Mulheres no setor elétrico: carreiras em ascensão
Carolina Sousa e Silva, de Brasília. (Colaborou Maurício Corrêa)
O Conselho de Administração da Light indicará o nome do novo presidente executivo da empresa, nesta sexta-feira, dia 11, no Rio de Janeiro. Tudo indica que a economista Ana Marta Horta Veloso, que hoje ocupa o cargo interinamente, será confirmada na função. Se isso acontecer, comprova que lentamente o setor elétrico brasileiro está deixando de ser uma espécie de “Clube do Bolinha”, para assistir à gradativa designação de mulheres para o alto escalão das organizações.
A ascensão das mulheres no setor elétrico já começou há algum tempo, embora ainda ocorra a predominância maciça de homens nas funções de comando. Alguns exemplos já são notáveis, como no caso do Grupo Neoenergia, que é um dos 50 maiores grupos do País, atua em 13 estados e tem mais de 5 mil empregados. O grupo é presidido por Solange Maria Pinto Ribeiro e, na diretoria-executiva, existem outras duas mulheres: Lady Batista de Morais (área de Recursos Humanos) e Elvira Cavalcanti Presta (de Planejamento e Controle).
Embora não seja um grupo que atue exclusivamente em energia, a mineradora Vale é não apenas um dos maiores consumidores brasileiros e também autoprodutor de energia. Nesse contexto, a engenheira Vânia Lúcia Somavilla ocupa uma cadeira na diretoria da Vale que engloba vários assuntos: Recursos Humanos, Saúde, Sustentabilidade e …Energia.
Quando se olha para a CPFL Energia, observa-se que a engenheira de Produção Karin Regina Luchesi, que é uma prata da casa, vem escalando ao longo dos anos todos os níveis que permitem que, hoje, ela seja a diretora vice-presidente da área de Operações do Mercado. Ela começou na CPFL gerenciando contratos de Energia no âmbito da CCEE (que, na época, se chamava MAE e que tinha sido o seu emprego anterior). Karin Luchesi, na CPFL, já passou pelas áreas de distribuição, geração e comercialização de energia, sempre em funções de muita responsabilidade. Claramente, está sendo preparada para ser uma das principais executivas em áreas operacionais do setor elétrico brasileiro.
A mineira Élbia Gannoum é a única mulher a presidir uma associação empresarial do setor elétrico, no caso a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). Trabalhou vários anos na assessoria técnica do MME, de onde foi indicada para ser a primeira mulher conselheira da CCEE. Terminado seu mandato, foi convidada para assumir a Abeeólica.
Quando ainda se olha para a área institucional, oberva-se que há uma mulher (Solange David) ocupando uma cadeira no Conselho de Administração da CCEE. E a Aneel já teve uma diretora, Joísa Campanher Dutra. Nesse quadro, a própria presidente Dilma Rousseff foi ministra de Minas e Energia durante vários anos, de onde passou para a Casa Civil e, depois, se elegeu presidente.
Há uma empresa do setor elétrico com forte tradição de mulheres em funções executivas. De origem americana, a Duke leva ao pé da letra a questão dos direitos iguais para homens e mulheres e, em sua cadeia hierárquica, há várias mulheres, inclusive uma brasileira. A presidência da Duke Energy Corporation, que tem a sede na cidade de Charlotte, na Carolina do Norte, é ocupada por Lynn Good.
A advogada brasileira Andrea Bertone, que fica baseada na cidade de Houston, no Texas, responde pela presidência da Duke Energy International, ou seja, subordinados a ela encontram-se todos os presidentes de unidades da Duke fora dos Estados Unidos. No Brasil, a Duke mantém a tradição de ser uma empresa que não faz distinção de gênero e ainda tem na diretoria financeira Ângela Seixas.
A inserção das mulheres no mercado de trabalho foi tema da dissertação de mestrado apresentada na Universidade de Brasília, em 2011, pela assistente social Anabelle Carrilho da Costa, aproveitando a sua experiência de trabalho na estatal Eletronorte.
De acordo com a dissertação, o aumento da participação de mulheres no mercado de trabalho é atribuído a uma série de fatores complexos (históricos, políticos, econômicos, sociais, culturais), entre eles à necessidade crescente de complementação da renda familiar e às mudanças de comportamento das próprias mulheres, que resultou em maior independência e acesso a espaços antes não ocupados, tais como universidades e empresas.
‘’No entanto, ainda recaem sobre as mulheres trabalhadoras as funções de reprodução social e biológica no âmbito doméstico e do cuidado, que reforçam discriminações ainda existentes’’, argumentou a autora.
Anabelle Carrilho explicou que uma “busca exploratória feita eletronicamente na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD, em agosto de 2010, mostrou que são escassos no Brasil os estudos de pós-graduação que abordem especificamente ações afirmativas de gênero voltadas ao mercado de trabalho.
No caso específico das engenheiras (a Engenharia é uma categoria profissional que existe em larga escala nas empresas do mercado de energia elétrica), o trabalho é muitas vezes de suporte aos homens e as áreas operacionais e estratégicas sendo reservadas aos homens e dificultadas às mulheres.
“Essa restrição acaba internalizada nas próprias engenheiras, que não enxergam em si o perfil para assumir, por exemplo, postos de maior poder ou áreas que exijam viagens constantes e dedicação mais integral ao trabalho”, comenta a autora. No entendimento dessa especialista em política social, a Engenharia muitas vezes exige a presença de profissionais em áreas de risco, geralmente consideradas insalubres. Isso às vezes acaba deslocando as mulheres, que são obrigadas a lidar com falta de alojamentos apropriados nos canteiros de obras, sanitários inadequados, trabalho sujo e pesado, além de necessidade de viagens constantes e relacionamento com a família à distância. Esse tipo de situação, obviamente, acaba abrindo mais espaços para os engenheiros.
A luta de afirmação das mulheres nesse tipo de mercado de trabalho enfrenta várias situações que também são encontradas em outras áreas, levando à precarização das condições de trabalho, terceirização, dupla jornada e até a própria feminilização da pobreza. Para Anabelle Carrilho a luta feminista acaba coincidindo com a luta de classes. De modo pragmático, as mulheres então passam a formar um tipo de gueto ”permitido”, e aceitam, na área da Engenharia, situações que permitam a compatibilização da atividade de engenheira com a vida familiar. Surgem então as funções que exigem menos viagens e dedicação não tão exclusiva, que podem ser razoáveis em determinado momento, mas, no futuro, cobram o preço de discriminar as mulheres em grande parte das funções executivas de maior poder dentro das organizações. Ou seja, na hora das promoções técnicas, os engenheiros acabam levando vantagens.
Um dos segmentos do setor elétrico mais permeáveis à admissão de mulheres em situações de destaque é a comercialização. Em várias comercializadoras são encontradas mulheres em funções gerenciais, como são os casos de Alessandra Amaral, do Grupo Energisa, e Tathiane Simões, da Enel Endesa.
Uma das razões que explica esse quadro é o fato de a comercialização não ser monopolizada elas áreas da Engenharia (nas quais predominam os homens), absorvendo profissionais egressos de outras áreas, como Administração, Economia, Finanças, Direito e consultorias, onde a presença de mulheres já está amplamente disseminada.
Em Brasília, onde está constituída grande parte das associações empresariais do setor elétrico, há uma área em que as mulheres são maioria: a assessoria parlamentar. Em várias associações, profissionais talentosas representam os interesses dos segmentos junto ao Congresso Nacional, como são os casos da Abrace, Abiape, Abraceel e Apine.
As assessoras parlamentares dessas associações conhecem como poucos o trabalho congressual, que não é fácil diante da multiplicidade de partidos, opções ideológicas e partidárias mal definidas e um cipoal enlouquecedor de normas, leis, medidas provisórias e regimentos internos.
Uma das experiências mais interessantes visando à ocupação de espaços das mulheres no setor elétrico brasileiro, foi a constituição, em 2010, do grupo informal “Damas de Energia”, em São Paulo. A iniciativa surgiu a partir de uma ideia apresentada por Bruna Moura, atual gerente da Light Com na cidade de São Paulo. O grupo se reúne a cada três meses para um almoço com o objetivo de formar novas amizades, trocar opiniões sobre o setor elétrico e facilitar os negócios.
Basicamente o grupo “Damas da Energia” é integrado por mulheres que trabalham nas áreas de comercialização das empresas, embora não exista discriminação quanto a profissionais de outros segmentos, como a geração, por exemplo. “O setor elétrico está claramente mudando. Antes, era difícil ver uma mulher trabalhando na área, mas, hoje, há sinais evidentes que as mulheres ocupam cada vez mais espaços neste mercado de trabalho”, comentou Bruna Moura.