Gás da Bolívia pode ser problema em quatro anos
Maurício Corrêa, de Brasília —
Inaugurado em 1999, com toda a pompa e circunstância, em um dia que o protocolo diplomático exigiu dos homens terno e gravata, no meio do fortíssimo calor do Pantanal, o gasoduto Bolívia-Brasil poderá oferecer sérios problemas no médio prazo. O contrato vence em 2019, mas, mesmo que renovado, a Bolívia não dispõe de reservas de gás suficientes para atender ao suprimento que o Brasil necessita e que o gasoduto está em condições de transportar: 30 milhões de metros cúbicos por dia, que correspondem a 24 milhões de metros cúbicos por dia firmes.
O alerta foi dado nesta quinta-feira, 16 de junho, pelo professor Edmar Almeida, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no evento “Gás natural: desafios e oportunidades para o Brasil”, promovido em Brasília pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), com apoio da Embaixada Britânica.
Em sua apresentação, o professor da UFRJ garantiu que todos os agentes do setor já se convenceram que é necessário ter um novo modelo para o desenvolvimento do mercado de gás natural. Ele lembrou que a Petrobras vai desinvestir e consequentemente vai reduzir o seu papel na área de gás. “A questão que fica é quem vai carregar o bastão no lugar da Petrobras?”, indagou.
No seu entendimento, o Brasil continuará sendo um país importador do insumo nos próximos 10 anos, razão pela qual é fundamental estimular a oferta de gás doméstico. “Não é desejável ter dependência energética com os recursos gasíferos que temos”, argumentou, frisando que o outro lado da moeda consiste exatamente em criar um ambiente de negócios adequado para que outros ofertantes possam importar o gás natural, já que o gás produzido na camada de pré-sal não ficará totalmente disponível para atender ao mercado doméstico brasileiro.
Nesse contexto é que aparece o problema chamado “Bolívia”, já que o contrato de fornecimento ao Brasil se encerra em 2019. “Seria desejável renovar o contrato, mas haverá gás suficiente na Bolívia para atender ao Brasil? Nas bases atuais, de 30 milhões de metros cúbicos por dia, não. A Bolívia precisaria investir em exploração”, disse o professor.
Ele calcula que o país vizinho precisaria investir algo entre US$ 5,4 bilhões e US$ 7,1 bilhões adicionais para encontrar novas reservas de gás e só então haveria condições para cumprir um novo contrato com o Brasil. Conforme explicou, a Bolívia nacionalizou os seus campos gasíferos em 2006, mas as reservas vêm caindo rapidamente desde então, pois não houve novos investimentos. “De fato, a Bolívia tem problemas com as suas reservas de gás”, assinalou.
Para Edmar Almeida, o Gasbol é uma espécie de casamento sem direito a divórcio, pois o gasoduto foi construído, mas se não ocorrer o transporte de gás ele não serve para absolutamente nada. “Até 2020, a situação do gasoduto é relativamente confortável para o Brasil, mas depois complica”, reconheceu, alertando que o se Brasil tem interesse em renovar com a Bolívia precisa se preocupar desde já.
Sem o gás da Bolívia, sem dúvida será um problemão para o Brasil, que precisará indicar fontes de suprimento para atender ao possível déficit dentro de quatro anos. É verdade que a economia brasileira atravessa um momento de forte recessão, mas isso não vai durar para sempre. Quando a economia reagir, precisará dispor de gás natural em grande quantidade e com preços competitivos.
No evento, foi distribuído o estudo “Gás natural liquefeito: cenários globais e oportunidades para a indústria brasileira”, mostrando que o GNL poderá ser a solução para essa questão. “Dadas as incertezas com relação à oferta de gás nacional e boliviano, o GNL deverá desempenhar um papel crescente no suprimento de gás no Brasil, sendo, portanto, imprescindível entender a conjuntura internacional de oferta e preços em médio e longo prazos, bem como as limitações e os obstáculos para sua importação no mercado brasileiro”, assinala o documento.
“O mercado internacional de GNL deverá passar por um período de excesso de oferta e de preços mais baixos até 2021/2022. Tendo em vista essas circunstâncias, os supridores de GNL estão mais flexíveis para negociar suprimentos com compradores de países emergentes e com risco de crédito mais elevado, como usinas termelétricas e consumidores industriais atrelados ao rating do Brasil”, desta o estudo conjunto da CNI e Abrace.
O professor da UFRJ também comentou a questão da agenda regulatória do gás, visando à reestruturação do setor. Ele disse que é fundamental rever as regras de tributação, pois é impossível ter um mercado atacadista com base nas regras atuais; é indispensável ter o consumidor livre de gás; a tarifação de transporte precisa estar alinhada com a expansão do mercado; as térmicas que utilizam o insumo precisam estar devidamente alinhadas com o planejamento setorial, para acabar de vez com a velha história que não tem demanda porque não tem gasoduto e que não tem gasoduto porque não tem demanda.
Além disso, na sua visão, não haverá uma indústria forte de gás natural, no Brasil, se não for permitida a extração em terra utilizando a tecnologia conhecida como “fracking”. Em várias partes do Brasil segmentos da sociedade (sindicatos de proprietários de terras, defensores do meio ambiente, lideranças religiosas, classe política) estão se mobilizando para proibir a prática do “fracking”, sob o argumento que esse tipo de extração prejudica fortemente as reservas subterrâneas de água. Na visão do professor da UFRJ, é preciso melhorar o nível do debate sobre o “fracking”, que atualmente seria “horrível” e “criar uma visão convergente”.
Na abertura do evento, a diretora de Relações Institucionais da CNI, Mônica Messenberg, afirmou que o gás é fundamental na construção de uma agenda de competitividade e de retomada dos investimentos. “O desenvolvimento nacional não pode prescindir de um setor industrial forte, dinâmico e competitivo. É nesse contexto que a modernização e o maior dinamismo da cadeia de produção e comercialização de gás natural são fundamentais para que o país cresça de forma sustentável e gere empregos de qualidade”.
Para a diretora da CNI, é fundamental “criarmos mecanismos para remover entraves que geram incertezas e custos aos investidores, à indústria nacional consumidora e a toda a sociedade brasileira. Até o momento, como todos sabem, a Petrobrás vem desempenhando papel de protagonista no mercado de gás natural. Entretanto, devido ao momento delicado pelo qual passa atualmente a empresa e, ao anúncio do plano de desinvestimento, a Petrobrás deverá se desfazer de grande parte de suas operações de gás e priorizar seus recursos na produção de petróleo. Nesse contexto acreditamos que o setor privado deverá ocupar os espaços deixados pela estatal, assumindo os compromissos no mercado nacional de gás natural”.
“É preciso uma profunda revisão de todo o quadro regulatório e legal, capaz de alcançar toda a cadeia de suprimento, transporte e distribuição de gás natural. Ademais, para atrairmos os investimentos na cadeia de valor do gás natural, é fundamental termos uma política governamental com regras claras e previsíveis e que promovam um melhor ambiente de negócios. Enquanto países como: Argentina, Colômbia, Peru, Inglaterra, Índia e Bolívia modernizaram suas legislações para atrair investimentos e colherem os benefícios sociais, ambientais e econômicos que a oferta segura de gás natural pode oferecer; no Brasil ainda convivemos com uma regulação complexa e burocrática, uma política de conteúdo local que necessita de aprimoramentos, bem como, uma estrutura tributária que inibe o desejo de investir”, assinalou Mônica Messenberg.