Gás natural leva Cade a investigar Petrobras
Maurício Corrêa, de Brasília —
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), vinculado ao Ministério da Justiça, abriu inquérito contra a Petrobras, no dia 15 de junho passado, atendendo à representação feita pela Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), que reclamou de supostas práticas anticoncorrenciais abusivas praticadas pela estatal na comercialização do gás natural.
As condutas são passíveis de enquadramento nas hipóteses do art. 36, inciso I (limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa), II (dominar mercado relevante de bens ou serviços) e IV (exercer de forma abusiva posição dominante); combinados com o §3º, incisos III (limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado), IV (criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços).
Além disso, a Petrobras poderá ser enquadrada pelo Cade nos incisos V (impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição), VII (utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros), X (discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços) e XI (recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais), da Lei Federal nº 12.529/2011.
A Associação Paulista das Cerâmicas de Revestimento (Aspacer) e a Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro) também tiveram participação na iniciativa, representando dois segmentos da economia que utilizam o gás natural em larga escala nos respectivos processos de fabricação das empresas associadas.
Na representação, a Abegás alega que a Petrobras, por meio de sua política de preços e condições de contratação no mercado de distribuição e comercialização de gás natural, estaria incorrendo em condutas com efeito anticompetitivo de aumento arbitrário de lucros, exercício abusivo de posição dominante e falseamento ou prejuízo à concorrência, com suposto tratamento discriminatório e falta de transparência. Tais condutas teriam culminado na decisão da Petrobras de retirar descontos que vinham sendo concedidos de forma regular e ininterrupta, há mais de quatro anos, sobre o preço do gás natural.
O fornecimento do gás natural compreende uma cadeia que pode ser dividida em três níveis: exploração, desenvolvimento e produção (upstream); processamento e transporte (midstream); e comercialização e distribuição local (downstream). O Cade acatou uma ponderação da Abegás, segundo a qual a Petrobras é monopolista nos mercados upstream e midstream e detém participação em empresas que atuam no mercado downstream, o que justifica a abertura da investigação.
“A Abegás alega que, diante desta condição de monopolista na cadeia de produção, transporte e distribuição de gás natural, a Representada (Petrobras) estaria abusando de sua posição dominante para supostamente adotar uma política comercial discriminatória em que predomina um modelo contratual sem transparência e previsibilidade, particularmente no que tange a preços”, diz a nota técnica elaborada pelo Cade.
O mesmo documento cita ainda que “a suposta falta de transparência teria culminado na decisão da Petrobras de retirar os descontos que vinham sendo concedidos de forma regular e ininterrupta, há mais de quatro anos, sobre o preço do gás natural comercializado por meio dos contratos do tipo NPP, firmados em meados de 2007, com as Companhias de Distribuição Local (CDL)”.
Em sua defesa preliminar, a Petrobras argumentou que a divergência é de natureza privada e que o Cade não deveria ser utilizado como substituto das vias adequadas para a resolução de disputas puramente comerciais e bilaterais. Por isso, segundo a estatal, o pleito apresentado pela Abegás “colide com a jurisprudência do Cade como órgão de defesa da concorrência, e não como regulador de preços”.
Quanto aos descontos indicados pela associação, a Petrobras esclareceu ao Cade que estes são de caráter temporário, válidos somente para períodos previamente indicados, razão pela qual não poderiam ser apontados como mudança na fórmula de preços definida nos contratos firmados com as distribuidoras de gás canalizado.
“Sendo assim, conforme alega a Petrobras, não haveria que se falar em aumento arbitrário de preço, uma vez que este se encontra estabelecido por meio de fórmulas contratuais, negociadas e pactuadas legitimamente entre as partes. Também não caberia a alegação de tratamento discriminatório pela empresa, uma vez que os descontos têm sido concedidos de forma linear a todas as distribuidoras com contratos de mesma característica”, revela a nota técnica do Cade.
Na sua avaliação, o Cade entendeu que “é inequívoca a posição dominante da Petrobras no setor de gás natural, conferindo-lhe grande poder de mercado. Ademais, sua atuação fortemente verticalizada e concentrada tende a produzir fortes incentivos para a adoção de condutas anticompetitivas”, decidindo então a favor da abertura do inquérito.