Governo coloca formação de preços na mira e resolve atacar PLD
Maurício Correa, de Brasília —
Um comunicado distribuído pelo Ministério de Minas e Energia, na última quinta-feira, 22 de setembro, indica que pode estar começando a chegar ao fim o longo período de intervenção do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) na formação de preços da área de energia elétrica. Segundo o MME, a Comissão Permanente Para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico (CPAMP) definiu o calendário indicativo de alterações estruturais nos modelos computacionais de operação e de cálculo do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD). Ao final desse calendário, já existe uma enorme expectativa do mercado segundo a qual, finalmente, poderá acabar a ditadura da definição de preços através dos programas computacionais do ONS (Newave e Decomp), abrindo caminho para o tão sonhado bid no valor da água. Em outras palavras: está chegando a hora da oferta de preços, como ocorre nos verdadeiros mercados.
O mercado vive essa expectativa há muitos anos, desde as mudanças introduzidas no setor elétrico nos anos 90. Aí ocorreu o racionamento de 2001/2002, depois veio o Governo do PT e a intervenção do ONS na formação de preços ganhou a parada durante longos 15 anos. A política mudou, o MME mudou e o mercado está onde sempre esteve, mas agora com uma expectativa diferente. “Hoje, o modelo não reage a nada e está totalmente ultrapassado”, comentou um especialista, frisando que “já estava passando da hora de o Governo fazer alguma coisa. Há muito tempo, estamos brincando de mercado, pois a nossa formação de preços é uma autêntica brincadeira. A ditadura no Brasil acabou em 1985, menos no ONS”, ironizou.
A nota do MME é extremamente cautelosa, mas, como comentou a mesma fonte, “para quem sabe ler, pingo é letra. A consulta pública vai refletir corretamente aquilo que o mercado efetivamente deseja que aconteça e não tem sentido o MME fazer algo diferente, Não dá para segurar mais. O mercado brasileiro já está maduro para tomar decisões com base na oferta de preços”.
No que diz respeito à representação da aversão ao risco, a CPAMP decidiu que deverão ser adotados novos parâmetros do CVaR (valor condicionado em risco) com aplicação para o planejamento da operação e formação de preços a partir de maio do de 2017. A Comissão vai propor ainda a unificação entre os critérios de planejamento e operação, igualando as funções de custos do déficit com a utilização de um único patamar a partir de janeiro de 2017. Esses aprimoramentos serão submetidos em consulta pública ainda no mês de outubro.
Para o próximo ano, o compromisso da Comissão é concluir os trabalhos sobre a implantação da SAR (Superfície de Aversão a Risco) e a revisão da função do custo do déficit, com aplicação a partir de 2018.
“A divulgação desse calendário indicativo se alinha à abertura, prevista para a última semana deste mês, da consulta pública que discutirá a governança dos modelos computacionais, definindo as competências para alterações estruturais no âmbito da CPAMP e para alterações nos dados de entrada conforme regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)”, diz a nota, que assinala ainda que “o material a ser submetido em consulta reforça o compromisso das instituições do setor participantes do CPAMP (ONS, Aneel, CCEE, EPE e MME) de ampliar a transparência e o debate com a sociedade sobre os fundamentos da formação de preço da energia e da política operativa”.
De fato, há muitos anos o Brasil vem convivendo com uma espécie de complexo de inferioridade em relação a países vizinhos (a Colômbia, por exemplo), que conta com um modelo hidrotérmico semelhante ao sistema brasileiro, mas que há muitos anos pratica a oferta de preços, enquanto a principal economia da região depende ainda de complexos modelos computacionais utilizados paternalmente pelo ONS, como se o mercado de energia elétrica fosse praticado por um bando de crianças incapazes de calcular o preço da energia. Nos dias 12 e 13 de setembro, por sinal, o MME promoveu junto com o Banco Mundial e a Fundação Getúlio Vargas, em Brasília, um seminário de discussão sobre o setor energético brasileiro, quando ficou claro que o atual modelo está falido e não admite mais puxadinhos.
Uma fonte explicou para este site que o PLD tem origem no planejamento da operação feita pelo ONS, quando, com base nos programas Newave e Decomp, são consideradas variáveis como a geração hídrica, a geração térmica pela ordem de mérito, o intercâmbio entre os submercados e as restrições que existem que nos próprios submercados. Essas informações são repassadas à CCEE, que retira as restrições dentro dos submercados e fixa o valor do PLD.
Ocorre que quando a operação planejada é diferente da operação real, o PLD consequentemente não reflete o custo da operação. E essa distorção ocorre com frequência, principalmente quando se verificam as afluências reais no sistema e a participação das energias renováveis (que também podem variar bastante entre o planejamento e o cálculo efetivo).
Para “ajustar” o que foi planejado e a operação real, utiliza-se então o Encargo do Serviço de Sistema (ESS). Embora o ESS represente na prática uma espécie de ajuste no sinal de preços, o problema é que ele é definido “ex post”, ou seja, sem permitir a reação dos agentes, o que gera uma série de problemas de tudo quanto é magnitude. Para os tecnocratas do ONS está tudo bem, pois o dinheiro não é deles. Mas, quando se olha para o mercado, os problemas afloram.
As geradoras, por exemplo, têm as suas expectativas de receitas e despesas totalmente desalinhadas. As distribuidoras percebem grandes diferenças entre o nível tarifário e as despesas reais que se realizam no curto prazo. O consumidor livre (que fez a opção para pagar uma conta de luz menor) passa a enfrentar o problema da extrema volatilidade do ESS, sem que às vezes tenha sido alertado para que esse fato pudesse acontecer. E os comercializadores passam a ter enormes dificuldades para gerenciar os riscos. Fechando o processo, o PLD não mostra capacidade para sinalizar a expansão adequada e passa-se a viver perigosamente em cima dos resultados de ações judiciais. Em síntese, esse é o quadro, um verdadeiro vespeiro.
O fato concreto é que o PLD já não sinaliza nada há muito tempo e contribui para gerar incertezas e imprevisibilidades, além de tarifas elevadas e riscos alocados no consumidor final, como ficou claro no seminário MME/Banco Mundial/FGV. Como a equipe atual do MME está trabalhando no sentido principalmente de modernizar o sistema elétrico brasileiro, agora é a hora de atacar a questão polêmica da formação de preços, pois ninguém mais duvida que os problemas atuais nessa área estão associados a questões que existem, na realidade, no planejamento da operação. O que vem em seguida são erros em cascata.