Indicação de Mário Veiga para coordenar P&D Estratégico irrita agentes
Maurício Corrêa, de Brasília —
O nome ainda não foi oficializado, mas é praticamente certo que será. Já foi até comunicado extraoficialmente às associações empresariais do setor elétrico pelo secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Paulo Pedrosa. Se isso acontecer, o consultor Mário Veiga, da PSR, deverá ocupar a estratégica posição de coordenador do trabalho de reestruturação que começa a ser desenvolvido no âmbito de um projeto de P&D patrocinado pelo Instituto Abradee, mas com apoio de dezenas de empresas de todos os segmentos da área de energia.
Este site apurou que a simples menção ao nome de Mário Veiga provoca urticária e enorme descontentamento entre associações, empresas e outros consultores que participaram de uma licitação organizada pelo Instituto Abradee.
Afinal, nos idos de 2012, Veiga foi o principal consultor contratado pelo Governo Dilma para oferecer a base técnica intelectual que levou à emissão da Medida Provisória 579 ( atual Lei 12.783), uma manobra grosseira e casuística destinada a manipular os valores da energia elétrica e assim dar uma força à campanha de reeleição da então presidente Dilma Rousseff.
Na realidade, dentro da estratégia para se reeleger a presidente Dilma, houve um pacote contendo quatro medidas eleitoreiras, que inclusive contribuíram, mais tarde, para derrubar a própria chefe do Executivo. Além da manipulação das tarifas de energia elétrica, a taxa de juros foi artificialmente estipulada pelo Banco Central, houve o represamento dos preços de derivados de petróleo (resultando num gigantesco impacto nas contas da Petrobras) e, amarrando tudo isso, houve um impressionante tratamento de fantasia aos números do déficit público.
“É incrível como o Governo atual age como se as pessoas não tivessem memória. O engenheiro Mário Veiga tem muitas qualidades, mas não há como apagar as impressões digitais dele naquele processo. Ele estava na mesa, em setembro de 2012, quando a MP foi anunciada, ao lado dos principais ideólogos do Governo Dilma no setor elétrico, Maurício Tolmasquim (ex-presidente da EPE) e Márcio Zimmermann (ex-secretário-executivo do MME)”, lembrou uma fonte.
Segundo o mesmo especialista, Mário Veiga ofereceu as soluções que levaram à MP 579, que foi uma das principais responsáveis pelos grandes problemas atuais do setor elétrico brasileiro. “Agora, estranhamente ele é chamado para coordenar um amplo trabalho cujo objetivo é exatamente corrigir aquelas lambanças. Não tem a menor coerência política. O MME está equivocado”.
Esse descontentamento, na realidade, extrapola o simples fato de se gostar ou não do que faz o consultor Mário Veiga. O Instituto Abradee abriu uma licitação para vários campos de trabalho (o projeto de P&D Estratégico é bastante amplo e na verdade pretende passar o pente fino no setor como um todo, que está completamente remendado e com isso se tornou ineficiente) e vários especialistas apresentaram propostas.
Mário Veiga fez parte de um consórcio formado pela própria PSR, pelo Gesel (que é um núcleo de estudiosos em energia elétrica vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pela consultoria Roland Berger. Esse consórcio, entretanto, saiu-se perdedor da licitação, que foi vencida por um grupo constituído pela Bain, Thymos e Fundação Getúlio Vargas. “É difícil aceitar isso, pois é algo sem pé e sem cabeça. O grupo que saiu perdedor então indica o coordenador do trabalho?”, indagou outro especialista renomado do setor elétrico.
No mercado, circula a informação dando conta que o ministro Fernando Coelho Filho teria “imposto” o nome de Veiga ao Instituto Abradee. Não se desconhece que, por uma série de questões, a associação dos distribuidores, a Abradee — que patrocina o instituto — é aquela, entre as associações empresariais do setor elétrico, que sempre é a mais flexível em relação ao que pensa o Governo.
A MP 579 foi um desastre sob qualquer ângulo que seja analisada. Só que, depois de ter participado intensamente da sua formatação, Mário Veiga mudou de lado e passou a ser uma espécie de crítico das autoridades do setor elétrico. A súbita mudança de opinião do principal consultor da 579 é algo que até hoje não foi explicado.
Depois que deixou de ser vidraça para virar pedra, ele se tornou um crítico aberto da MP 579. Quando a MP foi editada, ele apresentou uma série de argumentos totalmente favoráveis à redução artificial das tarifas. Na oportunidade, a PSR trabalhou pesado no cálculo das estimativas do chamado “valor novo de reposição” (VNR) dos ativos de geração e transmissão, que foram comparados com os cálculos gerados pela estatal EPE.
Dilma Rousseff foi reeleita em 2014. Mas deu tudo errado com a MP 579, que gerou uma enxurrada de ações judiciais e hoje se transformou em um “problemão” difícil de ser revertido. Há poucos dias, aliás, o diretor André Pepitone, da Aneel, fez as contas e concluiu que o tamanho do rombo produzido pela 579 é absurdo: o custo total da MP para a sociedade brasileira ficará em torno de R$ 114 bilhões.
No dia 03 de dezembro de 2014, Veiga fez uma palestra na Light, no Rio de Janeiro, quando, depois de ter mudado de lado e já na condição de adversário do regime petista, desconstruiu um dos principais argumentos levantados pelo MME na época.
O discurso oficial do Governo, então, era que o objetivo da MP 579 era nobre, mas que não foi possível segurar mais as tarifas porque São Pedro não colaborou e não despejou água em quantidade suficiente, deixando os reservatórios vazios e levando à geração de energia térmica, muito mais cara. Nesse evento na Light, Veiga afirmou que “não houve seca severa em 2013”, que, na sua visão, foi um “ano médio em termos hidrológicos. Foi mais seco, mas nada catastrófico”.
Na época, depois de ser um dos pais da MP 579, Veiga passou a advogar a tese que “se não foi a seca, por que o sistema esvaziou? Porque as restrições operativas reais são piores do que as representadas nos modelos oficiais do planejamento”. Comprou então uma briga feia com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), onde estavam entrincheirados defensores ortodoxos do Governo Dilma na área de energia elétrica.
Outra fonte ouvida por este site relativizou a participação de Veiga na 579. Essa fonte reconheceu que Veiga teve, de fato, um grande envolvimento na formatação da MP 579, mas que isso precisa ser visto com cuidados. “Ele estava ali, opinando, mas todo mundo sabe que a presidente Dilma só ouvia mesmo era o Maurício Tolmasquim, que era o principal nome do partido na área de energia elétrica. E quem dava a palavra final era sempre ela, dentro de um processo autoritário de tomada de decisões que hoje se conhece com muita clareza”.
Consultado pelo telefone, o coordenador do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), Mário Menel, não quis opinar sobre estas questões, alegando que estava com pressa para pegar um vôo. Mas este site apurou que, dentro do Fase — que tem tido um papel relevante na implementação do projeto de P&D — existe uma grande preocupação: qual é o risco de se ter um novo modelo do setor elétrico brasileiro sob a influência, que não será pouca, do consultor Mário Veiga? No fundo, é um problema de natureza política.
A saída para eliminar essa dúvida seria caprichar no modelo de governança do projeto de P&D, para diluir a capacidade de decisão de Veiga. “Caberá a ele fazer o papel fundamental de meio de campo entre o MME e os agentes. Mas ele não pode avançar além disso, razão pela qual a estruturação de uma boa governança é absolutamente fundamental”, comentou uma fonte.
“Mas se um dos nomes do grupo perdedor da licitação é chamado para liderar todo o trabalho de reestruturação do modelo, isso já é um sinal que estamos começando muito mal em termos de governança no projeto de P&D. Qual foi afinal o sentido de se fazer uma licitação”? complementou. “Quem perde, ganha? Nunca vi isso em uma licitação”.
É consensual dentro do setor elétrico que o Brasil inegavelmente precisa de um novo modelo. O que existe hoje em termos de arcabouço legal é uma série de remendos feitos ao longo dos anos, principalmente a partir da MP 579. O setor se transformou em um caos institucional. A CCEE, por exemplo, que tem a atribuição de contabilizar e liquidar contratos, chegou a virar uma espécie de agente financeiro, emprestando recursos (do Tesouro ou captados no mercado) para evitar a falência das distribuidoras. Três conselheiros da CCEE inclusive renunciaram aos cargos, para não compactuar com essa maluquice.
O mercado livre está empacado em torno de 25% do mercado e não sai disso há vários anos (Veiga, aliás, não é propriamente conhecido com um amigo do mercado livre) e luta desesperadamente para acabar com a formação de preços baseada em modelos computacionais. Esse é outro problema que envolve o consultor da PSR, pois grande parte de sua carreira foi feita na formatação desses modelos computacionais que são operados pelo ONS.
Para um especialista muito considerado no mercado, o P&D Estratégico é uma oportunidade “adequada e conveniente” para um novo acordo geral, lembrando o fato acontecido nos anos 90, quando o setor elétrico brasileiro quebrou e houve um grande acordo para resolver os problemas entre geradores, transmissores e distribuidores (na época, não existiam os comercializadores).
A seu favor, Veiga tem um currículo invejável. É reconhecido não apenas no Brasil, mas, também, em vários países. Segundo o site da empresa, a PSR atua fortemente no exterior, desde 1987, e tem clientes em mais de 60 países de todos os continentes. Entre as fontes ouvidas por este site, aliás, não se contesta a qualificação profissional de Veiga, mas, sim, a sua forma de olhar para o setor elétrico. Tem gente igualmente preparada que o considera ultrapassado, por ser possuidor de uma fria visão matemática e por conseqüência um pouco distante da realidade.
“O setor da energia elétrica está se alterando de forma profunda, não só no Brasil, mas mundialmente. Tem a crise econômica, que afeta os países de forma diferenciada. Tem os impactos no meio ambiente. Há as novas tecnologias, como a geração distribuída, o armazenamento, a energia solar ou a energia eólica. E, principalmente, é preciso saber como atuar dentro dessa nova configuração”, explicou uma fonte qualificada. “É um pouco difícil imaginar que encontraremos uma solução modernizadora com um profissional que ainda só acredita na eficiência dos modelos matemáticos. É mais ou menos como crer na existência do Papai Noel”, frisou a fonte.