Expansão do mercado livre é possível, mas não será fácil
Maurício Corrêa, de Mata de São João (BA) —
O mercado livre de energia elétrica vive um paradoxo. Nos últimos 10 anos, teve que se contentar com uma participação de mercado em torno de 25%, pois ficou praticamente impedido de crescer por força da ideologia atrasada do Governo petista, avesso aos mercados. Hoje, conta com total simpatia das autoridades do Ministério de Minas e Energia do Governo Temer, mas percebe que a sua expansão não será fácil, devido aos múltiplos interesses setoriais que caracterizam o setor elétrico brasileiro como um todo.
Essa situação ficou muito clara nos debates ocorridos durante o 8º Encontro Anual do Mercado Livre, realizado no último final de semana, na localidade de Mata de São João, nas proximidades de Salvador. No evento — organizado pelo Grupo Canal Energia — pela primeira vez houve uma participação relevante de autoridades do setor elétrico, com as presenças do próprio ministro interino de Minas e Energia, Paulo Pedrosa, e daquele que hoje é o seu braço direito, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Luiz Augusto Barroso.
O ministro interino admitiu que o Governo, hoje, tem uma boa noção a respeito do mercado livre e da sua importância para a economia em geral. Ele disse que o Governo concorda com um mercado mais amplo, mas gostaria que ele oferecesse mais competitividade, pudesse promover a expansão e atraísse investimentos. “Agora, precisaremos de um mercado para crescer e ser um dia totalmente livre”, afirmou Pedrosa, dizendo algo que nenhum alto dirigente do MME disse até hoje, assim, de forma tão explícita.
Mas as mudanças que os operadores do mercado livre querem que existam, se darão, segundo Pedrosa, em um contexto de muita montanha para se escalar. Por exemplo: ele se referiu aos subsídios que existem no setor elétrico e que, numa conta de padeiro, correspondem mais ou menos a 1/3 do PIB da produção mineral do País, alcançando cerca de R$ 35 bilhões. “Como País, faz sentido subsidiar o painel solar do morador do Lago Sul, em Brasília? Temos que organizar essa agenda, convergindo para uma visão de princípios”, afirmou Paulo Pedrosa.
Ele reconheceu com franqueza que os Governos, de modo geral, tendem a ser messiânicos. Desse modo, no caso específico do mercado livre, o Governo “precisa ter cuidado” e seguir uma espécie de credo, acreditando fortemente no preço correto, na não intervenção e na estabilidade de regras. Como disse, mais do que esses três princípios, é necessário escrever uma espécie de “Dez Mandamentos”.
Pedrosa é um liberal assumido e tem sido coerente na sua vida pública desde que assumiu a Secretaria-Executiva do MME. Mas ele não é apenas firme nas suas próprias convicções: também não esconde de ninguém que não tolera aqueles que se dizem liberais e que depois buscam apoio político aqui e ali para manter feudos de ineficiência, garantindo uma boa vida para os seus nichos de negócios mesmo que à custa da mais absoluta incoerência e da inocência dos consumidores.
Nesse sentido, o ministro interino assinalou que é preciso combinar a agilidade do mercado livre com a expansão da oferta. Além do mais também é fundamental fixar regras de transição para a expansão do mercado livre, para que os demais segmentos do setor elétrico não sejam prejudicados. Na verdade, ele se preocupa em evitar um “vôo de galinha”, que poderia desmoralizar o conceito de mercado.
Em sua apresentação para um público majoritariamente constituído pelos comercializadores, Paulo Pedrosa levantou questões que o mercado livre terá que equacionar na sua expansão: como ficam os subsídios? Como gerenciar as perdas comerciais? Como tratar os consumidores inadimplentes? Como incluir as novas tecnologias que avançam sobre o setor elétrico? Só depois que se solucionar questões desse tipo é que se poderá, então, desenhar um novo mercado, incluindo o futuro papel que será desempenhado pelas concessionárias de distribuição. “Temos mais dúvidas do que certezas”, disse Pedrosa.
Ele lembrou que o Projeto de P&D Estratégico liderado pelo Instituto Abradee está começando a trabalhar, mas o produto final será apresentado já no apagar das luzes do atual Governo. “Se queremos um mercado maior, precisaremos ter um mercado superior aos 20% atuais. Precisaremos ser capazes de desenhar um modelo que viabilize esse mercado, no qual será necessário gerar valor e ter preocupação com a competitividade”, argumentou.
Reginaldo Medeiros, presidente da Abraceel, lembrou que pela primeira vez o Governo diz que “quer a nossa ajuda para construir a arquitetura do mercado”, enquanto o presidente do Conselho de Administração da CCEE, Rui Altieri, revelou que tem uma certa angústia, pois se discute muito e se faz pouco.
Na sua avaliação, a ideia do comercializador varejista “não deu certo” e ele se preocupa com a expansão atual do ML calcada nas energias renováveis, que tem aumentado demasiadamente o número de agentes na CCEE, sem que a Câmara esteja em condições de acompanhar esse crescimento.
“É insustentável fazer uma assembleia com quórum qualificado contando com mais de 5 mil agentes”, disse Altieri. Pegando o gancho dos “Dez Mandamentos” idealizados por Pedrosa, ele afirmou que talvez fosse possível definir uns três ou quatro itens e seguir em frente.
“Com qual tempo o Governo trabalha?”, Medeiros perguntou a Pedrosa. Este respondeu que o sucesso no leilão da distribuidora Celg seria um sinal importante, da mesma forma que os 17 vetos à MP 735 também foram. “Precisamos dar um passo de cada vez e avançar na transparência”. “Nosso tempo efetivo é um ano e meio. Nesse período, se conseguirmos melhorar o sinal de preço do curto prazo e do custo da expansão já conseguiremos 60% do que queremos”, afirmou Pedrosa.
Walfrido Ávila, presidente da comercializadora Tradener e fundador da Abraceel, também reconheceu que resolver a questão do sinal de preço já é o que o mercado espera. Na sua visão, é preciso de alguma forma unificar a linguagem do mercado, que utiliza versões diferentes de contratos e isso acaba assustando os clientes. “Precisamos fazer as coisas mais simples”, disse Avila, frisando que o excesso de burocracia acaba criando “um monte de gente que não faz nada”.
Conhecedor profundo das situações hidrológicas e um atento observador e crítico das mágicas que se faz com o preço da energia elétrica, o presidente da Tradener frisou que consertar o sinal de preço é o primeiro passo. Entretanto, revelou que se o projeto do comercializador varejista de certa forma está fracassando é apenas porque os agentes de comercialização não vão operar nesse novo segmento sem segurança jurídica adequada.
Ao final da sua apresentação no evento, Paulo Pedrosa disse que todo mundo estava concordando com o princípio de restaurar a realidade. “Precisamos resgatar a lógica econômica. É o que a gente quer. Agora, é como chegar lá”, afirmou.